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Campinas e os 60 anos do golpe militar (V): Igreja e PUC foram monitoradas por “esquerdismo”
Documento citando celebração ecumênica em Campinas por Vladimir Herzog (Foto Reprodução)

Campinas e os 60 anos do golpe militar (V): Igreja e PUC foram monitoradas por “esquerdismo”

Por José Pedro Soares Martins

Especial para Hora Campinas

e Agência Social de Notícias

Campinas, 5 de abril de 2024 – Membros da Igreja Católica afinados com a Teologia da Libertação, incluindo aqueles ligados a Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), foram monitorados de perto pelos órgãos da “comunidade de inteligência” durante o regime militar e mesmo após o fim do período ditatorial. É o que revelam documentos encontrados no site Memórias Reveladas do Arquivo Nacional. Como parte do monitoramento de perto das atividades da chamada Igreja Progressista, esses documentos revelam uma vigilância permanente da PUC-Campinas, considerada pelos agentes da ditadura como “foco de esquerdismo”.

Um dos religiosos católicos de Campinas mais monitorados pelos agentes da “comunidade de inteligência” foi o padre Milton Santana, que era titular da Paróquia de Nossa Senhora de Fátima, no Taquaral. Esse monitoramento ocorreu pelo menos desde 1975, como revela um documento do Ministério da Aeronáutica, elaborado com base em informações do DEOPS de São Paulo, de 5 de novembro daquele ano.

O documento registra a realização de um culto ecumênico na Paróquia de Nossa Senhora de Fátima, em memória do jornalista Vladimir Herzog, assassinado nas dependências do DOI-CODI da Vila Mariana, em São Paulo, a 25 de outubro de 1975. Inicialmente os órgãos de repressão divulgaram a versão de que Vlado, como o jornalista era conhecido, tinha se suicidado. Mas a versão não se manteve, como foi amplamente comprovado.

No dia 31 de outubro de  1975, um ato ecumênico em memória de Vlado, com a presença de mais de 8 mil pessoas, dentro e fora da Igreja, foi realizado na Catedral da Sé, em São Paulo, presidido pelo arcebispo D.Paulo Evaristo Arns, o pastor presbiteriano Jaime Wright e o rabino Henry Sobel. O filósofo Michel Foucault, que dava aulas na USP na época, esteve presente no ato ecumênico.

O assassinato de Herzog é considerado por analistas como o início do fim da ditadura, pelo que significou de mobilização da sociedade civil contra o regime militar. Atos semelhantes foram promovidos em várias cidades, como o de Campinas, na Paróquia de Nossa Senhora de Fátima.

O padre Milton Santana continuou sendo monitorado sistematicamente pela “comunidade de inteligência”, mesmo com o fim da ditadura. Um documento  de 15 de julho de 1987, por exemplo, registra que o religioso assinou artigo publicado no jornal “Tribuna da Luta Operária”, do PC do B, comentando o assassinato do advogado Paulo Fontelles, no Pará, a 11 de junho de 1987. Fontelles era advogado de trabalhadores rurais que lutavam  pela reforma agrária no Pará. O mesmo documento assinala que o padre Milton Santana já havia assinado artigo no jornal “Diário do Povo”, de Campinas, a 24 de abril de 1986, intitulado “Comunismo e Cristianismo”.

O  padre Milton  Santana também é citado, entre outros documentos, em um relatório do Ministério da Marinha, de 25 de junho de 1986, sobre a organização das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). O documento relata a organização das CEBs no estado de São Paulo, citando nomes de religiosos e leigos que participariam delas em várias cidades. No caso de Campinas, são citados o próprio padre Milton Santana e, entre outros, o padre Benedito Ferraro e Alcides Mamizuka, listado como agente de pastoral. Também monitorado de perto pelo regime militar, Mamizuka seria depois um dos primeiros vereadores eleitos em Campinas pelo Partido dos Trabalhadores.

PUC-Campinas e “esquerdismo”

No cenário do monitoramento constante da Igreja progressista, a Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) também esteve sob vigilância permanente durante a ditadura militar, desde o ano de 1972. Um documento de 23 de novembro de 1972, da Agência de São Paulo do Serviço Nacional de Informações (SNI), registra: “Com a Reitoria e Faculdade à rua Marechal Deodoro, números 1117, 1099 e 1255,  a  Universidade Católica de Campinas há muito possui um foco de esquerdistas, onde diferentes linhas de conduta lutam com o objetivo de liderança”. O documento relata então vários fatos ligados à Universidade e ao Colégio Pio XII.

O monitoramento sobre a PUC-Campinas e a Igreja Católica em geral prosseguiu depois. Documento de 20 de setembro de 1977, por exemplo, da mesma Agência de São Paulo do SNI, registra a cerimônia de instalação da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Campinas, a 25 de agosto de 1977. O evento teve a participação do arcebispo D.Antonio  Maria Alves de Siqueira, do arcebispo-coadjutor D.Gilberto Pereira Lopes (que depois seria arcebispo titular por muitos anos), do prefeito Francisco Amaral e do cardeal-arcebispo de São Paulo, D.Paulo Evaristo Arns. A instalação de Comissões de Justiça e Paz em várias arquidioceses paulistas foi um ato marcante que fortaleceu a luta da Igreja Católica pelos direitos humanos durante o regime militar, marcando uma virada histórica na instituição que, originalmente, esteve em grande parte ao lado do golpe de 31 de março de 1964.

Documento do SNI sobre instalação da Comissão de Justiça e Paz de Campinas (Foto Reprodução)

Documento do SNI sobre instalação da Comissão de Justiça e Paz de Campinas (Foto Reprodução)

Entre outros documentos posteriores, alguns deles, da mesma Agência de São Paulo do SNI, de dezembro de 1980, dão conta de uma suposta encomenda feita pelo Diretório Acadêmico “Visconde de Mauá”, da Faculdade de Ciências Contábeis, Econômicas e Administrativas da PUC-Campinas, a uma gráfica de Rio Claro, de confecção de camisetas com fotos do líder revolucionário Ernesto Che Guevara. Os mesmos documentos assinalaram que essa confecção acabou não sendo materializada.

Estudante da Faculdade de Direito da PUC-Campinas na época, Nilson Lucilio observa que de fato o campus da Universidade, que funcionava no centro da cidade, era um ponto de encontro do movimento estudantil campineiro, incluindo os estudantes da Unicamp, cujo campus no Distrito de Barão Geraldo ainda estava em estruturação. Lucilio confirma que os estudantes desconfiavam do monitoramento permanente sobre suas atividades.

Também estudante da PUC-Campinas na época, na Faculdade de Filosofia, David Zaia complementa afirmando que o movimento estudantil na Universidade foi de fato crítico ao regime militar, na ótica da defesa da qualidade da Educação e pela democracia no país. A direção da PUC-Campinas foi procurada mas preferiu não comentar os episódios.

 

 

 

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