Por Daniela Prandi
Famílias deixam suas casas, suas vidas e seu país em busca de sobrevivência. Os refugiados, um grande dilema a ser enfrentado nesses nossos tempos, está no foco do documentário “Welcome to Réfugistan”, da jornalista francesa Anne Poiret. Mas, a partir do indivíduo que perdeu tudo, a documentarista amplia o alcance para revelar que, por trás dos grandes campos de refugiados montados em tantos cantos do planeta, há um grande negócio. Caso deixassem de existir, o que não parece ser o caso, muito dinheiro iria parar de circular. Dinheiro proveniente de governos e doações, que abastecem ONGs, empregam milhares e movimentam corações e mentes, “contanto que haja paz” no “Refugistão”.
Sem tomar partido, a jornalista é corajosa ao mostrar a “máquina” em torno dos campos de refugiados, lugares que, a princípio, deveriam ser provisórios. Mas não, há pessoas que passam toda a sua vida ali, entre tendas, rações diárias de comida e muita insegurança. Há crianças que nascem, crescem e chegam ao mundo adulto sem nunca terem pisado fora dos limites do campo; há aqueles que sonham em voltar para seu país e aqueles que esperam pela “loteria” de um lugar para morar em algum país desenvolvido.
O documentário, com sequências no Quênia, Tanzânia, Jordânia, fronteira da Grécia com a Macedônia e em escritórios da Agência das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) na França, Inglaterra e Suíça, começa com uma família que chega a um desses campos na África; há o estranhamento do pai, o choro do bebê de 11 meses, a mãe sem ter muito como reagir. Era para ser transitório, mas eles não sabem que ficarão um bom tempo ali. O ritual das filas, primeiro para serem identificados, depois para tudo o mais, como a fila para o recebimento de um kit básico, com direito a um balde de plástico por família, é seguido com obediência, mas as preocupações do pai sobre higiene e condições de vida carregam um quê de arrependimento. “Pelo menos antes tínhamos nossa casa para nos esconder, aqui é só poeira e gente demais”, lamenta.
Anne Poiret segue pelas estradas africanas e nos mostra novos personagens. Dois homens pedem para voltar para seu país, vitimado pela guerra civil, e dizem não se importar com os perigos que poderão enfrentar, que pode significar, inclusive, a perda da própria vida. Um deles retruca dizendo que ali, naquele campo de refugiados, é que não há vida. “Não podemos trabalhar, não podemos plantar, tudo o que fazemos é esperar pela ração de comida.”
Enquanto isso, na Europa, voluntários aprendem como montar novos campos e enfrentar, como dá, a corrupção que poderão encontrar pelo caminho; engenheiros e arquitetos estudam soluções para melhorar questões básicas de saneamento e grupos multidisciplinares são movidos por ideias de “inovação” para trazer dignidade ao dia a dia dos refugiados. Neste outro mundo, tão longe, tão perto, uma sequência provoca um certo choque: uma jovem do mundo da tecnologia apresenta um aplicativo para celulares no qual se pode fazer doações de centavos diárias, semanais, mensais ou anuais para ajudar quem tem a comida racionada. “É fácil e você pode fazer sua doação na hora do almoço”, diz.
Em um campo da Jordânia, uma mulher faz contas para saber se poderá levar ovos para a família. Ali, os refugiados recebem cartões com um crédito a ser gasto unicamente no supermercado instalado, que pratica os preços que quer. Se os ovos estão mais caros ou mais baratos, o problema não é dos administradores. Um deles justifica: quem define os valores é o mercado.
No debate após a exibição do documentário em Campinas, um jovem estudante comete um ato falho: troca campo de refugiados por campo de concentração. Outra participante diz que o filme a deixou “sem energia”. Saímos todos com a sensação de que a solução está longe, se é que ela exista. Enquanto isso, no “Refugistão, um país virtual do tamanho da Holanda, neste exato momento novas famílias estão chegando. Hoje, a ACNUR estima que mais de 67 milhões de pessoas em todo mundo deixaram suas vidas para trás. Bem-vindos ao “Refugistão”.