Criado em junho de 2014, a partir de uma roda de conversa livre, aberta e bastante simples, o evento completa nesta quarta-feira 5 anos e 55 edições de muita história e também muito futuro, vislumbrando novos passos e etapas, ao mesmo tempo em que segue como precursor na cena literária de Campinas e uma das grandes referências de formação política, militância cultural e desenvolvimento comunitário na cidade. A edição de aniversário acontece nesta quarta-feira, dia 12 de junho.
Completar 5 anos hoje em dia, não parece uma tarefa fácil. Numa era volátil como esta nossa, coisas vêm e vão com extrema velocidade. Relações humanas não se aprofundam, e passam. Empreendimentos empacam, com a mudança brusca e a instabilidade dos cenários.
Agora imagine um empreendimento social, de cunho comunitário, sem fins lucrativos nem financiamento fixo garantindo sua viabilidade. Imagine que sua área central de atuação seja a Cultura, e dentro dela a literatura; e dentro dela a poesia. E imagine tudo isso acontecendo na periferia da cidade, em formato revolucionário, com base no afeto e à fé nas relações humanas. Está dada a receita da utopia.
A situação se evidencia mais ainda quando pensamos que a maior parte deste processo se deu num contexto de crise e instabilidade governamental no país. Se estivermos atentos aos fatos de que a área da Cultura é muitas vezes a menos assistida, e a primeira a sofrer os impactos de uma economia excludente – talvez por ser o elemento-chave à emancipação do povo. E se assumirmos que, algumas regiões das cidades, foram impedidas dos acessos e oportunidades culturais por décadas e, bem dizer, toda sua história.
Era essa a condição na região do Parque São Quirino, zona leste da cidade, território híbrido que reflete os abismos sociais do Brasil, com recorrentes ocupações, desapropriações, contextos de risco, situações críticas, carências: e dentre elas, a de aparelhos públicos de acesso à Cultura. Tal realidade não se transforma facilmente, mas há 5 anos, o Sarau da Dalva tem se posicionado por isso.
E a história de cinco anos do Sarau se insere numa outra, maior, de quase dez, de ações realizadas sistematicamente no local. Situado na esquina de um cruzamento da Av. Lafayete Arruda Camargo, principal via de trânsito na região, um boteco, o bar do Manoel, ou, Estrela Dalva, foi o espaço que se abriu às iniciativas. Abrindo alas com o samba, muitas outras atividades passaram a ser desenvolvidas com o tempo, entre projetos fixos e pontuais.
No ano passado, a ação intitulada Encruzilhada Estrela Dalva, envolvendo todas as organizações e linguagens deste movimento, ganhou o direito de ser reconhecida como ponto de cultura nacional, situação que se encontra hoje um pouco confusa, por conta dos rumos dados pelo governo atual à gestão da cultura no país. De qualquer maneira, o Encruzilhada Estrela Dalva é o projeto que aponta os novos passos à utopia: um ponto de cultura sem sede física, orgânico ao bairro, difuso por ele em múltiplas iniciativas, todas elas conectadas, por uma maior integração da comunidade.
O projeto é ousado, e começa a tomar forma aos poucos, no seu tempo. Rafa Carvalho, idealizador de todo movimento e coordenador nesses anos iniciais, tem conseguido estimular o comprometimento de diferentes pessoas da comunidade, na manutenção de um coletivo que gerencie junto todas as ações realizadas. Segundo ele, o desafio agora é espalhar e fortalecer o compromisso para mais gentes, agentes, vencendo as subtrações de tempo e energia que acometem a todos nós hoje em dia, dificultando o engajamento em ações coletivas conscientizadoras e de transformação da realidade.
Rafa diz sonhar com essa transição. Segundo ele, cinco anos é um ciclo importante. E inaugura o tempo de novos passos, nos rumos queridos. Deixar o protagonismo processualmente em mãos mais numerosas, diversas e jovens. Até porque, uma comunidade só se transforma mesmo com um longo percurso. E com o envolvimento íntimo, intenso e gradativo, de cada vez mais pessoas da mesma: “a única maneira da utopia ser um lar possível, e não uma distopia qualquer”.
Apesar da euforia que costuma cercar datas como esta, suas festividades, registros e preparativos requintados, o Sarau da Dalva tem passado por um período muito mais discreto em diversos aspectos. Para o idealizador, a causa é o momento decisivo que o projeto vive: “Estou e devemos estar muito felizes sim, com esta marca alcançada. Vamos fazer festa como sempre. Com a simplicidade de nosso bolinho de fubá com queijo, como sempre. Mas o melhor presente, a forma mais apropriada de celebrar, é cuidar com carinho deste ponto em que estamos, esta encruzilhada, e garantir um destino mais abrangente ao trabalho. Democratizar mais a participação, distribuir mais o acesso, formar mais transformadores, com autonomia e colaboração”.
Neste aniversário, diferente dos anteriores, não há uma pessoa convidada especial. Será como se o próprio sarau fosse o convidado. Segundo a organização, as participações especiais sempre serviram para integrar e horizontalizar importâncias, além de oferecer acesso e provocar inspirações à comunidade, pelo contato com artistas em carreiras consolidadas, obras diversas e interessantes. Mas este ano, a ideia é reafirmar as presenças assíduas no projeto e valorizar a perseverança. Todas as pessoas que se sentem parte desta história ficam convidadas e levarem para a noite algum depoimento seu, que pode vir em forma de poema, crônica, carta, relato, música, dança, o que for, acerca do sarau. E a intenção final é que, ao ouvirem sobre o encontro, cada pessoa ali se reconheça, sabendo-se parte e essência do projeto. O Sarau da Dalva se destaca pela amplitude prática do que lhe seja a Poesia. E por trabalhar este conceito de “constelação familiar expandida”, onde todo o grupo é visto como uma família, interdependente sempre, e em que todas as curas, sociais ou individuais, são pretendidas e buscadas, com o objetivo de um “bem-estarmos” que considere o direito à cidade, a justiça social, protagonismo político, interações éticas, estéticas; e a alegria de viver. Por tudo isto, é fundamental que cada pessoa se sinta uma estrela do processo, com seu brilho e posição fazendo toda diferença nas conformações de todo o sonho que ele consolida.
A edição de junho do Sarau da Dalva acontece assim, nesta quarta-feira, dia 12, a partir das 19h. Aos acontecimentos habituais do encontro, que são muitos, se une a exposição da obra “O sarau”, pintura de 1,20 x 0,85 m, concebida pelo artista Fabiano Carriero especificamente para o ocasião. Fazem parte das comemorações também, o lançamento do média-metragem “Doc Dalva – uma estrela sozinha não faz constelação” no circuito internacional de festivais, produzido por Rafa Carvalho em colaboração com a Cultiva Filmes; a inauguração do clube de cinema da comunidade, a ser anunciada para breve; uma primeira festa fora das dependências do bar, encampando novas possibilidades dentro do bairro; e o tradicional bolo com fubá com queijo – também em versão vegana, com coco, para não deixar ninguém de fora – que é sempre distribuído gratuitamente.
A voz a todos e todas, os caldos variados na serventia da casa, junto com licores feitos com as frutas do quintal e o célebre jiló, lógico, não podem e não vão faltar. A participação é livre e gratuita e os motivos pra se reunir, são vastos e urgentes. Vida longa ao Sarau da Dalva e às utopias desta encruzilhada!
Serviço:
Sarau da Dalva – 55ª edição (edição de aniversário – 5 anos)
Quarta-feira, 12 de junho, a partir das 19h
Bar do Manoel – Estrela Dalva
Av. Lafayete Arruda Camargo, 767. Parque São Quirino.
Tel.: (19) 3296-4912
Na internet: https://www.facebook.com/saraudadalva/
Classificação livre / Entrada gratuita