Por José Pedro Martins
Campinas, 22 de agosto de 2022
O assassinato do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira novamente chamou a atenção mundial para a escalada da violência na Amazônia brasileira. Os restos mortais de Dom e Bruno foram encontrados no dia 15 de junho de 2022 no Vale do Javari, uma região do estado do Amazonas que tem um histórico de conflitos provocados pelo garimpo e pesca ilegal e tráfico de drogas. Três pessoas foram presas e indiciadas pelo assassinato e ocultação de corpos, mas ainda permanecem dúvidas sobre quem seria o mandante dos crimes.
Houve uma natural indignação internacional com o caso dos dois assassinatos. A mídia europeia e o Parlamento Europeu se manifestaram de forma dura, com críticas ao governo de Jair Bolsonaro.
No dia 7 de julho, o Parlamento Europeu aprovou um texto em que “deplora a contínua retórica agressiva, ataques verbais e declarações intimidadoras” do presidente brasileiro em relação a lideranças indígenas e ativistas ambientais.
O episódio de extrema crueldade reforçou o questionamento sobre como a comunidade internacional pode contribuir para deter a destruição da Amazônia, maior floresta tropical e um dos maiores reservatórios de biodiversidade e de água doce do planeta. Uma destruição expressa no desmatamento que assumiu formas descontroladas nos últimos três anos, do governo de extrema-direita do presidente Jair Bolsonaro, mas também na permanência de modalidades de trabalho escravo em pleno século 21, de uma espiral de assassinatos de trabalhadores rurais e de graves indicadores de pobreza e subdesenvolvimento.
Neste cenário, avança em vários segmentos a indagação sobre o papel específico da União Europeia em relação ao futuro da Amazônia. O conjunto de 27 países da UE reúne vários trunfos, que podem ser decisivos no sentido de transição da Amazônia para civilização ou para a completa barbárie.
Um dos nomes mais importantes do ambientalismo no Brasil contemporâneo, o advogado Fabio Feldmann, de São Paulo, entende que a Europa precisa, antes de tudo, mudar seu olhar histórico com relação ao país em geral e à Amazônia em particular. Um olhar cultivado desde o encontro dos homens brancos europeus com os povos originários das Américas.
“Os europeus sempre olharam a Amazônia como estoque de recursos a serem simplesmente explorados. Nada mais, nada menos”, diz Feldmann, ex-deputado federal, um dos principais responsáveis por inscrever, de forma inédita, um capítulo sobre meio ambiente na Constituição Federal de 1988.
Para Feldmann, que recebeu entre outros reconhecimentos o Prêmio Global 500 das Nações Unidas, essa perspectiva histórica vem “reforçando a visão de mundo da época sobre o novo mundo, despido de gente e cultura significativa”. Acrescentando seu olhar crítico, ele assinala que “infelizmente nem tudo mudou em como europeus e brasileiros veem a Amazônia e os nossos índios”.
A síndrome do desmatamento – A Amazônia é um bioma com mais de 8 milhões de quilômetros quadrados e que está presente em oito países, sendo 5,2 milhões de quilômetros quadrados, ou 61,8%, em território brasileiro. A floresta amazônica é um dos maiores reservatórios de vida do planeta, contemplando 2,5 milhões de espécies de insetos, 40 mil espécies de plantas e árvores e 2 mil espécies de mamíferos e aves. A população humana da Amazônia é de quase 30 milhões de pessoas, ou cerca de 16% da população brasileira.
O processo de destruição da floresta foi acelerado durante a ditadura militar, entre 1964 e 1984, quando o governo dos generais implantou vários projetos na região, com o argumento de que estimulariam o desenvolvimento da região. Não estimularam e, pelo contrário, a derrubada da floresta só cresceu.
Foram projetos como a rodovia batizada de Transamazônica, que nunca foi concluída e em grande parte continua com trechos sem pavimentação, sem possibilidade de tráfego, ou voltaram a ser cobertos pela floresta. Projetos de assentamento de agricultores também foram estimulados pela ditadura, mas igualmente com pouco êxito.
A propaganda oficial para atrair migrantes de outras regiões do Brasil para a Amazônia era farta nos meios de comunicação. Uma das peças divulgadas em jornais e revistas tinha o título destacado de “Toque sua boiada para o maior pasto do mundo”. Ilustrada com a foto de uma boiada, a propaganda prometia: “Na Amazônia a terra é barata e sua fazenda pode ter todo o pasto que os bois precisam. Sem frio ou estiagem queimando o capim, o gado fica bonito de janeiro a dezembro.”
Era um discurso, multiplicado em outros anúncios publicitários, que fomentava a ocupação irregular e desordenada da Amazônia. Teve início um gigantesco processo de derrubada das matas, abrindo clareiras na região.
A abertura de rodovias foi também determinante para acelerar o desmatamento. Estudo produzido por Christopher P.Barber e outros (“Roads, deforestation, and the mitigating effect of protected areas in the Amazon”), publicado na Biological Conservation Volume 177, em setembro de 2014, páginas 203-209, já havia demonstrado que 95% do desmatamento identificado ocorriam dentro de uma distância de até 5,5 quilômetros de uma estrada ou 1 km de um rio navegável. Além das rodovias, a Amazônia conta com uma rede de mais de 190 mil quilômetros de estradas não oficiais. Grande parte do transporte de pessoas e também mercadorias na região é feito por barco, em horas de navegação pelos rios de enorme extensão.
Iniciado com força no regime militar, o desmatamento prosseguiu em altos índices até os primeiros anos do século 21. Entre 1990 e 2000 foram desmatados em média 19,1 mil quilômetros quadrados por ano, fruto de atividades de mineração, corte de árvores por madeireiras, aumento de pastagem para gado e expansão agrícola. Queimadas intensas também contribuíram para a derrubada da floresta.
O quadro foi modificado no período de 2004 a 2018, a taxa média de desmatamento caiu 72%, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (INPE), que há anos utiliza alta tecnologia para monitorar a derrubada da floresta. De 27,7 mil quilômetros quadrados desmatados em 2004, a taxa foi caindo vertiginosamente, até chegar a 4.571 km2 em 2012, subindo um pouco depois nos anos seguintes. Parte da queda se deveu a um programa com importante aporte de dois governos europeus.
O Fundo Amazônia e o caos com Bolsonaro – A queda expressiva nas taxas de desmatamento ocorreu nos governos dos presidentes Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016), ambos do Partido dos Trabalhadores (PT).
Nesse período, uma ação interministerial, com protagonismo do Ministério do Meio Ambiente, implantou o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), com uma série de medidas em quatro eixos temáticos: 1) ordenamento fundiário e territorial; 2) monitoramento e controle ambiental; 3) fomento às atividades produtivas sustentáveis, e 4) instrumentos econômicos e normativos.
Na prática, o Plano estimulava a manutenção da “floresta em pé”, com o incentivo a projetos de exploração sustentável dos recursos biológicos extraordinários presentes na floresta amazônica. Grande parte das ações de desenvolvimento sustentável no âmbito do PPCDAm foi financiada pelo Fundo Amazônia, criado em 2008 em função de um acordo internacional mantido entre os governos do Brasil, da Noruega e da Alemanha.
O Fundo foi estruturado nas linhas do mecanismo conhecido como REDD+, que implica em ações para “reduzir emissões de gases de efeito estufa oriundas do desmatamento e da degradação florestal, conservação de estoques de carbono florestal, manejo sustentável de florestas e aumento de estoques de carbono florestal”, nos termos da Conferência das Partes da Convenção das Mudanças Climáticas das Nações Unidas, assinada em 1992 no Brasil, na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Pelo REDD+, países desenvolvidos compensariam países em desenvolvimento como o Brasil pelos esforços de proteção de suas florestas, como parte do esforço global de enfrentamento das mudanças climáticas.
Na oportunidade, a Noruega se comprometeu a doar até US$ 1 bilhão para o Fundo Amazônia, dependendo do Brasil apresentar resultados positivos de mitigação das emissões de gases de efeito estufa (GEE), derivada da manutenção da “floresta em pé”. A Alemanha também se comprometeu em doar importantes recursos para o Fundo, enquanto o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Petrobras destinariam outro tanto, como a contrapartida brasileira.
Até o ano de 2019, o Fundo Amazônia captou cerca de US$ 550 milhões, dos quais 93,8% foram provenientes da Noruega, 5,7% do governo alemão e 0,5% da Petrobras, a estatal brasileira de petróleo e gás. Foram apoiados 103 projetos, 27 dos quais estavam concluídos.
Os projetos apoiados tiveram impacto positivo para 193 mil pessoas envolvidas diretamente nas atividades produtivas sustentáveis, em 190 unidades de conservação e 65% das terras indígenas na Amazônia, entre outros efeitos. Além disso, 1 milhão de imóveis rurais na região foram registrados no Cadastro Ambiental Rural (CAR), criado justamente como uma das medidas de monitoramento e proteção da floresta, frente a atividades insustentáveis.
Apesar de todos esses resultados significativos, o Fundo Amazônia foi paralisado em meados de 2019, em decorrência de uma série de medidas tomadas pelo governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro, que desmontou a estrutura oficial de combate ao desmatamento na região.
O PPCDAm, que tinha sido fundamental na redução dos índices de desmatamento, foi extinto. Da mesma forma que a Secretaria de Mudanças Climáticas e Florestas do Ministério do Meio Ambiente e a Subsecretaria Geral de Meio Ambiente, Energia e Ciência e Tecnologia do Ministério das Relações Exteriores.
Também foram extintos órgãos diretamente ligados ao Fundo Amazônia: o Comitê Gestor do Fundo Amazônia (Cofa), que reunia representantes dos governos federal e estaduais da Amazônia e sociedade civil, e o Comitê Técnico do Fundo Amazônia (CTFA), integrado por especialistas independentes que verificam as reduções de emissões atmosféricas em função das iniciativas apoiadas. Consequência natural, os governos da Noruega e Alemanha pararam de contribuir com o Fundo.
Com todas as ações contrárias à proteção da floresta por parte do governo Bolsonaro, o desmatamento da Amazônia voltou a disparar. Em 2021, segundo dados do INPE, o desmatamento na região foi de 13.038 quilômetros quadrados, 73% a mais do que os 7.536 km2 de 2018 (último ano do governo de Michel Temer) e quase três vezes os 4.571 km2 em 2012, no primeiro mandato de Dilma Rousseff, que prosseguiu as medidas tomadas nos dois mandatos de Luis Inácio Lula da Silva.
Reação da Europa – A reação da comunidade internacional ao avanço do desmatamento no governo Bolsonaro foi imediata. Havia o claro temor de impactos nos esforços coletivos para o enfrentamento das mudanças climáticas. O comentário é de Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, iniciativa de um conjunto de organizações da sociedade civil brasileira:
__ Proteger a Amazônia é fundamental para prosseguir a esperança inscrita no Acordo de Paris, de 2015, de manter a temperatura do planeta em até 1,5 grau. A Amazônia estoca hoje em carbono cinco anos das emissões globais de gases de efeito-estufa. Se perdermos a floresta, todo esse carbono será lançado para a atmosfera, e os objetivos do Acordo de Paris não serão alcançados. Assim, manter a floresta viva deve ser um interesse comum e um esforço coletivo de todos.
“A Europa tem um papel fundamental em tudo isso”, continua Astrini. Ele lembra que a Europa tem sido decisiva em várias iniciativas tomadas nos últimos anos para a manutenção da “floresta em pé”, com os resultados positivos verificados entre 2004 e 2012.
Cita por exemplo a Moratória da Soja, iniciativa deflagrada em 2006 com o “esforço de empresas que comercializam soja plantada no Brasil de que ela não esteja manchada com o desmatamento” depois de 22 de julho de 2008. Essa ação, acrescenta, foi “iniciada, impulsionada, principalmente com o mercado europeu, que fez pressão para que as empresas brasileiras adotassem mecanismos para evitar o desmatamento”.
A governança e a operação da Moratória são de responsabilidade do Grupo de Trabalho da Soja (GTS), formado por empresas associadas à Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (ABIOVE) e Associação Nacional dos exportadores de Cereais (ANEC) e organizações da sociedade civil. A Moratória usa o monitoramento com imagens de satélite de áreas plantadas com soja na Amazônia. Entre as safras de 2007/2008 e 2019/2020, a área ocupada com soja monitorada, em 102 municípios da Amazônia, cresceu de 1,64 milhão de hectares para 5,41 milhão de hectares, com uma parcela de 0,11 milhão de hectares derivada de desmatamento após julho de 2008.
O secretário-executivo do Observatório do Clima evidencia igualmente a discussão em curso relacionada à diretiva europeia de regulação de due diligence, que pode resultar em bloqueio para que outros produtos brasileiros, além da soja, acessem “mercados europeus se forem frutos de desmatamento”.
Marcio Astrini, do Observatório do Clima: brasileiros de grandes centros urbanos dependem das chuvas da Amazônia (Foto Márcia Alves/Observatório do Clima)
Astrini também destaca o Acordo Comercial entre União Europeia e Mercosul, assinado em 2019 mas que ainda precisa ser ratificado pelos parlamentos dos países. Várias lideranças europeias, como o presidente francês Emmanuel Macron, já se manifestaram contrários à ratificação do Acordo, enquanto o Brasil não oferecer garantias concretas de proteção da Amazônia e dos povos indígenas.
“É muito importante que os governantes e lideranças da Europa continuem se posicionando, assim como a imprensa e a opinião pública, pela efetiva proteção da floresta, dos povos indígenas”, diz o secretário-executivo do Observatório do Clima, que afirma esperar a mesma postura de empresas e fundos que investem no Brasil, no sentido de que suas iniciativas “não sejam manchadas pelo desmatamento”.
Houve de fato forte reação de investidores europeus com as medidas do governo Bolsonaro que resultaram na retomada do desmatamento em grande escala na Amazônia, como no caso da descontinuidade do Fundo Amazônia. Entre outros exemplos, uma carta aberta foi enviada às embaixadas brasileiras na Noruega, Suécia, Dinamarca, Reino Unido, França e Holanda, e também nos Estados Unidos e Japão, por um grupo de 29 fundos de investimentos, liderados pela norueguesa Storebrand Asset Management, expressando sua inquietação com a escalada do desmatamento no Brasil. Esses fundos gerenciam, no total, cerca de US$ 3,7 trilhões em ativos.
Do mesmo modo, organizações da sociedade civil europeia, como a alemã Campact, lançaram campanhas por boicote a produtos brasileiros com denúncia de associação com o desmatamento e violação a direitos humanos.
O texto aprovado pelo Parlamento Europeu a 7 de julho também reforçou o apelo para “empresas europeias a garantirem a devida diligência em matéria de direitos humanos em todas as suas cadeias de fornecimento no Brasil”.
Há muita expectativa no momento em relação às eleições presidenciais no Brasil, que acontecerão em primeiro turno no dia 2 de outubro. O presidente Bolsonaro terá como concorrente direto o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, em cujos mandatos de 2003 a 2010 foram tomadas as medidas que resultaram na importante redução do desmatamento na Amazônia. Até o final de julho Lula aparece nas pesquisas eleitorais como o grande favorito a vencer as eleições, inclusive com a possibilidade de vitória no primeiro turno.
De forma sintomática, o ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, Espen Barth Eide, afirmou à agência de notícias Reuters, no dia 22 de junho: “Se acontecer o que as pesquisas indicam e houver uma mudança (de governo) no Brasil, temos grande esperança de que poderemos retomar rapidamente uma parceria boa e ativa”.
O futuro da Amazônia em grande parte parece depende das próximas eleições presidenciais. Nesse sentido, o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, entende que mais uma vez será determinante o papel da Europa: “Será essencial que a Europa e comunidade internacional em geral defendam que o resultado das urnas seja respeitado, contra qualquer tentativa de golpe”.
Combate ao trabalho escravo – Na época atuando na Greenpeace, onde foi coordenador das Campanhas da Amazônia, de Clima e de Políticas Públicas, Marcio Astrini teve oportunidade de conversar há alguns anos em Xinguara, no Sudeste do Pará, com o Frei Henri des Roziers, frade dominicano de origem francesa que se notabilizou pelas ações de denúncia do trabalho escravo contemporâneo.
Atual secretário-executivo do Observatório do Clima, Astrini indagou então a Frei Henri a razão de tanto desmatamento naquela região da Amazônia. “Por aqui há muito trabalho escravo e onde não há respeito à natureza humana não pode haver respeito a nenhuma natureza”, respondeu o religioso, que faleceu em sua cidade natal, Paris, em 26 de novembro de 2017, aos 87 anos, depois de viver muitos anos no Brasil, onde atuou como advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
O diálogo entre Frei Henri e Astrini é revelador da magnitude do desafio de erradicação do trabalho escravo contemporâneo no Brasil, e sobretudo na Amazônia e no Centro-Oeste, territórios onde ocorre a maior parte dos casos. O combate nessas regiões às condições de trabalho análogas à escravidão, um claro desrespeito à Declaração Universal dos Direitos Humanos e à Constituição brasileira de 1988, está associado à agenda emergente de enfrentamento das mudanças climáticas, que tem no desmatamento uma de suas causas principais.
Conforme o Sistema de Estimativa de de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), iniciativa do Observatório do Clima, entre os 20 municípios de maior emissão de gases de efeito estufa no Brasil em 2018, nove eram do Pará, estado com maior percentual de resgates de trabalhadores em condição análoga à escravidão de 1995 a 2021, de acordo com os dados do Observatório Digital do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas.
Segundo o Observatório, os municípios com maior prevalência de resgates de trabalhadores em condição análoga à escravidão no período foram: Confresa, no Mato Grosso, com 1.393 pessoas resgatadas; Ulianópolis, no Pará, com 1.304; São Félix do Xingu, no Pará, com 1.153; e Brasilândia, no Mato Grosso do Sul, com 1.011 pessoas resgatadas. Entre 1995 e 2021, 57.666 pessoas foram resgatadas em condições de trabalho análogas à escravidão no Brasil.
O Observatório Digital de Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas (Link para https://smartlabbr.org) é resultado da parceria entre Ministério Público do Trabalho e Organização Internacional do Trabalho (OIT), sediada em Genebra, na Suíça, com participação e apoio de várias organizações, como Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Pacto Global Rede Brasil, ONU Mulheres, Subsecretaria de Inspeção do Trabalho da Secretaria de Trabalho do Ministério do Trabalho e Previdência (MTP), Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) e Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH).
Na nova edição do SEEG (Link para https://seeg.eco.br), divulgada em junho de 2022, com dados das emissões de 2019 e 2020, quatro dos dez municípios maiores emissores de GEE no Brasil eram do Pará: Altamira e São Félix do Xingu lideram o ranking e os municípios de Pacajá e Novo Progresso aparecem em sexto e sétimo lugares, respectivamente.
As emissões em Altamira (PA), líder do ranking, chegaram a 35,2 MtCO2e em 2019. Se fosse um país, o município do Pará, o maior em extensão do Brasil e onde está localizada a hidrelétrica de Belo Monte, seria o 108º do mundo em emissões, à frente de Suécia e Noruega, segundo dados do CAIT, o ranking global de emissões do World Resources Institute.
No estado do Pará foram emitidas 417 milhões de toneladas brutas e 252 milhões de toneladas líquidas de dióxido de carbono equivalente (Mt CO2e) em 2020 número que o coloca na liderança estadual de emissões conforme o SEEG do Observatório do Clima. Atividades em mudança no uso da terra e florestas, incluindo portanto o desmatamento, foram responsáveis por 85% das emissões paraenses em 2020.
Os dados dos dois Observatórios não surpreendem o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini. “O que temos na Amazônia é que muitas vezes o desmatamento, o trabalho escravo, a grilagem, invasão de áreas protegidas e uso da violência principalmente na tomada de terras dos mais pobres são situações que normalmente coexistem, são situações irmãs que andam de mãos dadas na destruição daquela região”, protesta.
“Muito do desmatamento que existe hoje na Amazônia foi feito com trabalho escravo. Muito trabalho escavo foi utilizado para abrir áreas de floresta, principalmente aquelas mais distantes e estavam mais preservadas. São as regiões chamadas de novas fronteiras do desmatamento”, acrescenta Astrini, para quem as ações de combate ao desmatamento, no contexto do enfrentamento das mudanças climáticas, teria portanto reflexo direto nas iniciativas pela erradicação do trabalho escravo contemporâneo na região.
De acordo com o SEEG, em 2019, o setor agropecuário foi o maior emissor em 67% dos municípios brasileiros, com destaque para a fonte gado de corte. Neste segmento, São Félix do Xingu, no Pará, que tem o maior rebanho do país, foi o que mais emitiu em 2019, totalizando 4,5 MtCO2e, seguido por Corumbá (MS) e Vila Bela da Santíssima Trindade (MT), com 3,6 MtCO2e e 2,4 MtCO2e, respectivamente.
Ex-presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), o engenheiro florestal Acácio Zuniga Leite destaca que uma efetiva reforma agrária é fundamental como uma das ações estratégicas pela erradicação do trabalho escravo contemporâneo no país. “Hoje o Brasil tem um papel na divisão internacional da produção colocado como o celeiro do mundo. Nós temos visto alguns absurdos em termos de publicação e marketing nesse sentido, como a informação de que o Brasil alimenta 800 milhões de pessoas. Isso oculta expulsões de trabalhadores e uma série de atividades agropecuárias que apenas se viabilizam economicamente com a superexploração do trabalho e da natureza, como já devidamente documentado”, comenta Acácio.
Contra o genocídio indígena – Outra luta associada ao combate ao desmatamento na Amazônia é da urgente proteção dos povos indígenas que vivem há séculos na região. Os ataques aos povos indígenas e as invasões a suas terras foram igualmente incrementadas durante o governo Jair Bolsonaro, de acordo com organizações como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Igreja Católica, e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
No dia 9 de agosto de 2021, a APIB apresentou ao Tribunal Penal Internacional, sediado em Haia, na Holanda, denúncia contra o presidente Bolsonaro por genocídio e ecocídio. A ação foi encaminhada em conjunto com a Comissão Arns de Direitos Humanos e Coletivo de Advogados em Direitos Humanos.
“Acreditamos que estão em curso no Brasil atos que se configuram como crimes contra a humanidade, genocídio e ecocídio. Dada a incapacidade do atual sistema de justiça no Brasil de investigar, processar e julgar essas condutas, denunciamos esses atos junto à comunidade internacional, mobilizando o Tribunal Penal Internacional”, declarou o coordenador jurídico da APIB, Eloy Terena.
Na ação, a APIB, Comissão Arns e Coletivo de Advogados em Direitos Humanos enumeram uma série de fatos, como a invasão de áreas indígenas por atividades ilegais de garimpo, mineração e desmatamento. Entre outras áreas atingidas estão as das terras indígenas Yanomami, Guarani-Mbya, Kaingang, Guarani-Kaiowá, Tikuna, Kokama, Guajajara e Terena.
Na Amazônia brasileira vivem 190 povos indígenas, somando uma população de cerca de 750 mil pessoas, segundo dados do IBGE. Os territórios indígenas na Amazônia brasileira cobrem 1,1 milhão de quilômetros quadrados.
São múltiplas as ameaças aos povos indígenas brasileiros. Uma delas é a multiplicação de usinas hidrelétricas, em razão da riqueza de recursos hídricos na região. São 181 usinas atualmente construídas na Amazônia brasileira, sendo 131 de pequeno porte. Estão projetadas 447 novas usinas hidrelétricas na região, 340 das quais de pequeno porte. São vários os impactos decorrentes da construção de uma usina hidrelétrica para as terras indígenas. Há décadas os povos indígenas da Amazônia lutam para serem ouvidos, consultados e devidamente informados previamente no caso de projetos de hidrelétrica, o que geralmente não acontece.
Nos últimos tempos, aumentou a preocupação com a invasão de terras indígenas para atividades de mineração. Dados do INPE indicam que o desmatamento derivado da mineração na Amazônia subiu de 18 quilômetros quadrados em 2015 para 121 km2 em 2021. A “busca do ouro” permanece, como nos tempos do Brasil Colônia.
Desmatamento e subdesenvolvimento – A correlação entre emissões de GEE e trabalho escravo na Amazônia é um dos mais graves indicadores da condição de subdesenvolvimento da região, mas há outros. Apesar de seus impressionantes recursos naturais, incluindo os hídricos, a Amazônia apresenta alguns dos piores indicadores no Brasil por exemplo em saneamento básico. Assim, apoios da Europa a projetos de desenvolvimento sustentável na região terão impacto também na superação da condição de subdesenvolvimento considerando alguns desses indicadores.
Esse cenário ficou evidente com a divulgação do Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades (IDSC), pelo Instituto Cidades Sustentáveis, no início de julho de 2022. O Instituto mediu a situação de cada um dos 5.570 municípios brasileiros em relação a indicadores associados aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). (Link para https://idsc.cidadessustentaveis.org.br/rankings)
De acordo com o Índice, os municípios com piores indicadores de sustentabilidade no Brasil estão localizados na Amazônia. Segundo o Índice, o município de São Félix do Xingu, no Pará, segundo maior emissor municipal de GEE segundo o SEEG, está na posição 5.536 do ranking nacional de sustentabilidade. O município de Ulianópolis, também no Pará, segundo município em prevalência de resgates de trabalhadores em condições análogas à escravidão, conforme o Observatório Digital do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, está na posição 5.550 no ranking nacional de sustentabilidade.
Defender a proteção da floresta, assegurando qualidade de vida para os 30 milhões de brasileiros na Amazônia, onde a renda per capita é 30% inferior à média brasileira. Um desafio coletivo, com papel importante da União Europeia.
Um dos mais conhecidos e premiados poetas da Amazônia, Airton Souza, morador em Marabá, no Pará, resume o sentimento dessa população, ao afirmar que, quando se fale da região, não sejam esquecidos “os homens e as mulheres, ou seja, os sujeitos amazônidas, que são também, como qualquer outro ser, sentimentais, espirituais, amam, sofrem e não deixam de ter prazer em viver e ser amazônida”.
EUROPEUS EM DEFESA DA AMAZÔNIA
Vivendo vários anos no Brasil, o jornalista britânico Dom Phillips foi um dos europeus que se apaixonaram pela Amazônia e dedicaram boa parte da vida a ela. Mas são vários outros europeus na história recente que lutaram pela região.
No ano de 1962, em que Rachel Carson lançou o livro icônico “Primavera Silenciosa”, a também britânica Margaret Mee (1909-1988) fazia os primeiros alertas do que viu de destruição da natureza no Brasil. Formada em artes pela “St. Martin’s School of Art”, no “Centre School of Art”, e pela “Camberwell School of Art”, de Londres, a desenhista tinha se radicado no Brasil a partir de 1952 e logo se apaixonou pela flora e fauna do seu novo país. Seriam várias expedições para registro em desenho da biodiversidade brasileira, em enorme contribuição para a ciência, e durante a segunda delas, em 1962, já documentou em seus diários a destruição das matas e os conflitos entre fazendeiros e povos indígenas que tinham suas terras ocupadas.
Margaret Mee continuou a documentar e denunciar a devastação do meio natural nas próximas viagens e como fruto de uma delas, entre 1972 e 1973, chegou a elaborar um relatório com os alertas e o encaminhou ao Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) e à Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN).
“É marcante a devastação que presenciei no curto período de três semanas, durante minhas descidas e subidas e também no meu retorno até o fim do Paraná Sumaúma, onde vi um barco sem nome rebocando 15 árvores. Se o proprietário do barco vê estranhos se aproximando, desaparece em sua cabina e não volta mais”, escreveu a artista botânica, conforme registrou a edição de 19 de agosto de 1973 do “Jornal do Brasil”, na reportagem “Desmatamento já cria desertos no país”.
Quase ao mesmo tempo em que Margaret Mee fazia suas incursões pelo Brasil profundo e expunha suas inquietações com o processo de destruição da biodiversidade, outro artista plástico, o pintor nascido na Espanha Emilio Miguel Abellá, dava sua contribuição para despertar a consciência ambiental nos meios urbanos. Em setembro de 1973, ele circulou pelo centro da cidade de São Paulo com uma máscara contra gases. Era a denúncia da poluição atmosférica e este foi o ponto de partida do Movimento Arte e Pensamento Ecológico (MAPE), idealizado por Abellá e que emergiu em 1974.
Outros europeus, no caso religiosos ligados à Teologia da Libertação, pagaram com a própria vida pela defesa da Amazônia e seu povo. Caso do padre francês Francisco Jentel, que trabalhou com o bispo de origem espanhola D.Pedro Casaldáliga na defesa doso povos indígenas na região do Araguaia, na década de 1970.
Considerado “subversivo”, o religioso respondeu a um Tribunal Militar, mas por força da opinião pública nacional e internacional o julgamento foi anulado. Jentel retornou à França para descansar e voltou ao Brasil.
No dia 12 de dezembro de 1975, foi sequestrado quando saía da casa do bispo D.Aloisio Lorscheider em Fortaleza, no Ceará. No mesmo dia, o ministro da Justiça, Armando Falcão, assinou decreto expulsando-o do Brasil. No dia 01 de janeiro de 1979, ele morreu em um retiro espiritual, e hemorragia interna. Ele trabalhava na região de Argentuil. Seus amigos relataram na época que ele havia ficado muito triste por não poder mais voltar ao Brasil. A Associação Padre Jentel, criada após sua morte, passou a se dedicar a arrecadas fundos destinados à conclusão de suas obras no Araguaia.
Sediada em Londres, a organização humanitária Global Witness (www.globalwitness.org) monitora há anos as ameaças a ambientalistas em todo mundo. Nos seus relatórios mais recentes, defensores da Amazônia aparecem entre os mais ameaçados de morte. No relatório sobre 2020, a Global Witness revela que três quartos dos assassinatos de ambientalistas no Brasil e Peru ocorreram na região amazônica. É mais uma organização de origem europeia atuante na defesa da maior floresta tropical do planeta e sua população.
A Global Witness divulgou um comunicado sobre duas importantes peças legislativas em discussão na União Europeia, com impacto direto no futuro da Amazônia: a iniciativa sobre Governança Corporativa Sustentável (due diligence) e o Regulamento sobre commodities de risco florestal. Para a organização, a UE deve garantir que “a iniciativa de Governança Corporativa Sustentável exija que todas as empresas que fazem negócios na UE tomem medidas para prevenir, identificar, tratar e responder por violações de direitos humanos e por danos ambientais nas suas cadeias de valor, como parte de sua devida diligência. A iniciativa deve também incluir um forte mecanismo de execução dessa legislação, com prestação de contas e com penalidades para responsabilizar as empresas”.
Do mesmo modo, defende que “a devida diligência proposta no Regulamento sobre Commodities de Risco Florestal exija explicitamente que as empresas e financiadores que fazem negócios na UE apoiem ou financiem apenas as operações que obtiverem o Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI) de povos indígenas e comunidades locais”.
STF tem várias decisões contra o trabalho escravo no Brasil
Corte máxima da Justiça brasileira, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem publicado várias decisões contestando o trabalho análogo à escravidão no país. Uma das mais relevantes delas foi a deliberação, tomada em sessão virtual encerrada a 14 de setembro de 2020, considerando constitucional a criação do Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo, conhecido como a “lista suja do trabalho escravo”.
A decisão do STF, por maioria de votos, foi proferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 509, ajuizada pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc). Na ação, a Abrainc sustentava que a Portaria Interministerial 4/2016, dos extintos Ministérios do Trabalho e Previdência Social e das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos teria ferido o princípio da reserva legal. Segundo a associação, a criação de um cadastro de caráter sancionatório e restritivo de direitos só poderia ter ocorrido por meio de lei.
O relator da ação, ministro Marco Aurélio, contestou a argumentação. Na sua avaliação, o princípio da reserva legal foi devidamente observado, na medida em que o Cadastro dá efetividade à Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), que tem por princípio a chamada “transparência ativa”, segundo a qual os órgãos e entidades têm o dever de promover a divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitação. “Não é suficiente atender a pedidos de acesso, fazendo-se imperativo que a administração, por iniciativa própria, avalie e disponibilize, sem embaraço, documentos e dados de interesse coletivo, por si produzidos ou custodiados”, defendeu o relator.
O ministro salientou que que o cadastro não representa sanção. “Em vez disso, visa dar publicidade a decisões definitivas em processos administrativos, observadas as garantias do contraditório e da ampla defesa, referentes a ações fiscais em que for constatada relação abusiva de emprego, similar à de escravidão. Segundo ele, ao divulgar o resultado de inspeções de interesse coletivo, o cadastro sinaliza o monitoramento da razoabilidade das condições de trabalho, pois o nome do empregador infrator é mantido na lista por dois anos”, assinala comunicado do STF sobre a decisão.
Brasil ainda não ratificou Protocolo da OIT sobre Trabalho Forçado
Se a Justiça vem se empenhando para combater a escravidão contemporânea no Brasil, ainda persistem obstáculos para novos avanços em termos legais sobre a temática. Um deles é o fato de que o Brasil, apesar de ser signatário, ainda não ratificou o Protocolo de 2014 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) à Convenção sobre Trabalho Forçado, de 1930. Sediada em Genebra, Suíça, há décadas a OIT promove iniciativas de combate ao trabalho forçado e ao trabalho escravo contemporâneo.
Na época de sua aprovação, na Conferência Internacional do Trabalho em 2014, o Protocolo foi saudado como um importante instrumento para o combate às condições de trabalho análogas à escravidão. O Protocolo entrou em vigor em 9 de novembro de 2016 e a partir de então os países que o ratificaram passaram a ter que cumprir as obrigações nele contempladas.
Os países que ratificam o Protocolo devem adotar medidas adicionais às eventualmente existentes para a prevenção, proteção e assistência às vítimas do trabalho forçado, além de permitir que elas tenham acesso à justiça e à compensação.
Para garantir o cumprimento do Protocolo, a OIT possui um sistema de supervisão sofisticado que verifica se os governos efetivamente adotaram as medidas necessárias. O sistema está fundamentado na análise periódica dos relatórios fornecidos pelos países, avaliando as ações e apontando questões, quando necessário.
Os resultados dessa supervisão são públicos, o que significa que qualquer pessoa, seja jornalista, ONG ou cidadão, pode acompanhar como um país está cumprindo suas obrigações. De acordo com o Sistema de Informação sobre Normas Internacionais do Trabalho da OIT, até o momento 59 países já ratificaram o Protocolo, incluindo aqueles democráticos, como Alemanha, Dinamarca, Reino Unido e Bélgica, e outros historicamente de governos autoritários, como a Arábia Saudita, que já ratificou e onde o instrumento entrará em vigor em 26 de maio de 2022. Nas Américas, já ratificaram o Protocolo o Canadá, Argentina, Chile (entra em vigor em 2022), Costa Rica, Panamá, Peru (em vigor em 2022) e Suriname.
O escritório da OIT no Brasil confirmou para a Agência Social de Notícias que o Brasil ainda não ratificou o Protocolo. “O Protocolo segue tramitando no governo no processo de ratificação e já tem pareceres positivos do Ministério dos Direitos Humanos e Ministério da Economia. Ainda falta o pronunciamento de algumas pastas e o encaminhamento do texto pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional para ratificação”, informou o escritório da OIT, em Brasília.
“É uma vergonha o Brasil ainda não ter ratificado”, comenta Paulo Sergio Pinheiro, uma das personalidades que integram a Comissão Arns, como é conhecida a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns. “O Brasil perde, os trabalhadores perdem”, completa Pinheiro, que atribui a não-ratificação, entre outros fatores, à força política dos “proprietários escravocratas, que persistem no Brasil do século 21″. Pinheiro é autor dos Princípios de restituição de moradia e propriedade para refugiados e deslocados internamente da ONU [Pinheiro Principles] e integrou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da OEA. Desde 2011 preside a Comissão de Investigação das Nações Unidas sobre a República Árabe da Síria.
O professor da UFRJ, Ricardo Rezende, que durante anos atuou na região de Rio Maria e Conceição do Araguaia, no Sudeste do Pará, um dos principais focos de conflito pela terra na Amazônia, lembra por sua vez que o Brasil é o primeiro país a ter sido condenado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pelo crime de escravidão. Foi no dia 15 de dezembro de 2015 que, em sentença histórica, a CIDH condenou o Estado do Brasil pela prática de trabalho escravo e tráfico de seres humanos, abrangendo 85 funcionários da Fazenda Brasil Verde. “O Estado brasileiro não demonstrou ter adotado medidas específicas e nem ter atuado com a devida diligência para prevenir a forma contemporânea de escravidão à qual essas pessoas foram submetidas, nem para por fim a essa situação”, declarou a CIDH na sentença. “Que isso se torne um alerta para o governo e para a sociedade: o crime exige medidas urgentes de enfrentamento”, completa Ricardo Rezende, atualmente professor no Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro.