“Eu sou tão da Zona Leste, que fui nascer em Mauá, que nem São Paulo é mais…”. É o que diz o poeta Rafa Carvalho, brincando com suas histórias de vida. Filho de pai baiano e mãe paranaense, o poeta começou suas experiências de mundo na Vila Formosa, onde viveu seu primeiro ano, antes de mudar-se para o interior, com a família. Criado em Campinas, Rafa agora desenvolve vários projetos na capital paulista, como a preparação do primeiro disco e o lançamento de um Clube do Livro.
O poeta não sabe dizer quando começou sua carreira. Vivendo sempre, segundo o próprio, por “caminhos tortos”, cresceu num bar, o boteco que seu pai abriu na cidade, após ficar desempregado, formou-se em Educação Física por intuição, foi do circo, missionário, quase hippie, quase monge e, entre viagens ao melhor estilo beatnik, intercâmbios e retiros espirituais, passou por cerca de vinte países, tendo morado em dois deles, Dinamarca e Japão.
Foram 7 anos morando “na mochila” e, embora tenha já percorrido um bom trajeto, atuando ao lado de grandes artistas de diferentes linguagens e diversos países; fortemente em articulações culturais nas comunidades; prestando curadorias e coordenando exposições, encontros e projetos variados; e com apresentações em feiras, ruas e festivais do mundo… é curioso que Rafa ainda não tenha lançado um livro, um disco, ou coisa parecida. Sobre isso o poeta diz: “Hoje sei que é o mar que navega… Assim, não foi ainda tudo de que o tempo ainda não veio. Não obstante, o primeiro disco já vem vindo, o livro também não deve demorar muito mais… E enfim, vai seguir tudo sendo como deve ser!”
Versátil, com experiência em múltiplas linguagens, tais como circo, dança, teatro, música, performance e literatura, sobre rótulos e definições, diz: “Sou poeta. E só aceito isso, pelo conceito de poesia que trago comigo. Um conceito que extrapola a palavra, o texto e qualquer forma pré-concebida. Um conceito que faz de mim um poeta em poetencial tanto quanto qualquer outra pessoa desse mundo. E, a partir daí, se eu escrevo, recito, danço, canto, atuo ou sirvo bebidas, não importa: é tudo poesia! Tudo serviço. Tudo, partilha… E é pra isso que eu vivo…”
Com a produção de “Nau Frágil”, seu primeiro disco, já em andamento, Rafa destaca também uma necessidade crescente de revisitar, ressentir e reconhecer a cidade São Paulo. Talvez não por mera coincidência, o poeta se aproxima de seus 30 anos. Mas fato é que esse retorno tem acontecido cada vez mais. Nos últimos dois meses, Rafa veio realizando um trabalho sobre Pablo Neruda, com quem, de algum modo, tem algumas histórias curiosas em comum, e cartas, com crianças e adolescentes de escolas e instituições do extremo leste da capital paulista. “Passamos por lugares como Jardim Pantanal, Itaim Paulista, Vila Nova Curuçá, Keralux, dentre outros… e as experiências de partilha foram sempre maravilhosas”, comenta Rafa, que também apresentou, no última Virada Cultural, na programação do Sesc-Itaquera, seu novo trabalho musical.
“‘Nau Frágil’ é um trabalho sobre o mar, sobre os mares… sobre o amor. É coisa de marujo, de marinheiro e, de alguma forma, um resumo do que foi meu caminho até aqui, ao mesmo tempo em que um içar de velas pro que é de vir. Passei minha vida inteira, desde a infância, sentindo algo, o tempo todo, que não sabia reconhecer… Até o dia em que soube: o que sinto, é saudade. (…)Assim, ‘Nau Frágil’ é um disco sobre saudade. E São Paulo, nesse caso, é um cais, que há muito deixei e pra onde agora vou voltando mais. Mas é também um mar, aliás, um baita mar, agitadíssimo, que, por não virar o barco, eu ainda não havia navegado, mas a que, enfim, foi chegado o tempo de embarcar…”.
Não à toa, “Nau Frágil” é um disco que traz muitas canções referentes a São Paulo, em que aparecem bairros, avenidas, estações de metrô e situações diversas. Nessa apresentação, Rafa fez um aporte mais específico ao Japão, tema da Virada Cultural da unidade, onde o poeta se apresentou ao lado de Marcelo Silveira (violão sete cordas), Edu Guimarães (sanfona) e Rodrigo Eisinger (gaita), misturando a canções, poemas e histórias de sua passagem pelo “lado de lá”, onde coordenou um projeto de educação não-verbal com crianças japonesas, em 2006.
“Nau Frágil” estreou em novembro de 2014, no centro-oeste brasileiro, indo de lá pra Cuba, depois Bahia e chegou pela primeira vez à cidade de São Paulo. O poeta se prepara agora, para iniciar um “Clube do Livro”, a convite do Bibliosesc, um projeto literário itinerante da instituição que vem sendo realizado na unidade de Itaquera. Rafa, que vinha passeando com Neruda, agora vai ter em Gabriel García Márquez um norte para a nova viagem: “’Gabo’ é maravilhoso! Vai ser um prazer trabalhar com a meninada, a partir dele!”.
Durante sua passagem por Cuba, Rafa teve muito contato com histórias do escritor colombiano que viveu muito por lá, e acabou voltando da ilha com uma afinidade ainda maior do que a que já sentia por Gabriel. O trabalho do Clube do Livro será feito com adolescentes de duas escolas, uma no Itaim Paulista, outra na Vila Nova Curuçá, ambas na zona leste da capital paulista, entre os meses de julho e agosto. O poeta viajante tem em Sampa mais um porto à vista.