Uma forte crise hídrica, como a que está ocorrendo em boa parte do Brasil em 2014, está há anos no centro da agenda do poder econômico, e o estado de São Paulo sempre esteve no núcleo dessas preocupações. O principal sinal foi emitido com a publicação em 2009 do relatório “Traçando o Nosso Futuro da Água – Quadros econômicos para informar a tomada de decisões” (“Charting Our Water Future – Economic frameworks to inform decision-making”).
O relatório “Charting Our Water Future”, estudo patrocinado por grandes corporações, inclui quatro estudos de caso, relacionados ao aumento da demanda de água até 2030 na Índia, China, África do Sul e Estado de São Paulo, no Brasil. Em conjunto esses países mais São Paulo representarão 42% da demanda global prevista de água até aquele ano, de acordo com o estudo. Na Índia é previsto um déficit de 50% de suprimento de água, contra 25% de déficit na China, 17% na África do Sul e 14% em São Paulo.
Considerando que o setor corporativo sempre foi muito bem informado sobre os riscos a seus negócios, este é um claro exemplo de como as inquietações sobre o abastecimento de água no estado de São Paulo não são novas. E uma confirmação de que os gestores públicos deveriam tomar medidas concretas a respeito há muito mais tempo.
De acordo com o documento, o enorme desafio para garantir o suprimento de água demandada em 2030 apenas será superado em função de um mix de ações em três áreas: maior eficiência no uso dos recursos (o que diz muito respeito a aumento de produtividade na agricultura), aumento das fontes de água disponíveis e as prioridades econômicas escolhidas por cada país.
O relatório adverte que ainda representa uma enorme incerteza o impacto das mudanças climáticas nesse balanço da disponibilidade hídrica e o aumento da demanda previsto. O prefácio do relatório é assinado pelos próprios CEOs das empresas patrocinadoras, o que dá uma medida da importância que elas dão ao tema.
É significativo que o estado de São Paulo tenha sido incluído entre os estudos de caso, ao lado das gigantes China e Índia e da também emergente África do Sul. Lembrando que as duas áreas mais críticas em São Paulo, em termos de recursos hídricos, são justamente as bacias do Alto Tietê, onde está a Grande São Paulo, e a dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, onde está a região de Campinas. São regiões especialmente afetadas pela grave crise hídrica no estado mais rico e populoso do país.
Grandes corporações – O relatório foi uma iniciativa do The 2030 Water Resources Group, criado em 2008 por The International Finance Corporation (IFC), grupo ligado ao Banco Mundial e que tem a missão de fornecer “investimentos e serviços de consultoria para a construção do setor privado nos países em desenvolvimento”.
Passaram a integrar o The 2030 Water Resources Group alguns dos nomes mais fortes do setor corporativo mundial, verdadeiros líderes em seus respectivos segmentos: The Barilla Group, grupo global na área de alimentação; Coca-Cola Company, grupo global de bebidas; Nestlé S.A., um dos líderes globais na área de produtos de nutrição e saúde; SABMiller plc, um dos maiores fabricantes de cerveja do mundo; New Holland Agriculture, companhia de equipamentos agrícolas de atuação mundial; Standard Chartered Bank, instituição global do setor financeiro; e Syngenta AG, uma das estrelas globais do setor de agronegócios.
Foi esse conjunto de megacorporações que financiou a ajudou a construir o relatório “Charting Our Water Future”, indicando a forte preocupação quanto ao futuro da água em todos os setores da economia globalizada. A empresa de consultoria McKinsey & Company, uma das gigantes do setor, também participou do processo. (Por José Pedro Martins)