Arte e vinho, duas manifestações saborosas da criatividade humana. Mesclar esses dois prazeres milenares é o fundamento do Projeto A Arte em Decanter, que tem sua estreia em grande estilo na quinta-feira, 17 de março, com a mostra “Relicarium”, reunindo 20 obras da artista mineira radicada em Campinas, Pama Loiola. A vernissage começa às 20 horas, na Enoteca Decanter (Gramado Mall, Alameda dos Vidoeiros, 455, Campinas), o espaço que receberá o Projeto A Arte em Decanter ao longo do ano.
“Quem descobre a arte, entrega-se a ela e quer sempre mais. O mesmo se dá com o vinho: quanto mais se conhece o universo vinícola, mais se quer dele. Eles caminham juntos há milênios”, afirma a curadora Ligia Testa, parceira no projeto com a Enoteca Decanter, de José Lúcio Natali. A ideia é “mostrar este delicioso enlace por meio de uma série de mostras artísticas”, completa Ligia, idealizadora e executora de várias iniciativas em arte, mas que se mostra especialmente entusiasmada com as possibilidades do novo projeto.
Relicarium, gosto de avó – Se o que está em jogo é o prazer de viver, a bordo das delícias que o vinho e a arte proporciona, nada melhor do que a mostra “Relicarium” para abrir o projeto. A obra de Pama Loiola carrega o cheiro e o afago das avós, pela sua forte carga emocional.
“Pama cria uma arte impregnada de memória afetivo-familiar, de fazer emergir em nós a lembrança da mãe que exalava ‘fleur-de-rocaille’ ou da avó que servia naquele ‘limoges’ ou ‘schmidt’ (aqui, o importante é o servir da avó). A arte dela transborda lembranças de tempos felizes”, resume a curadora Ligia Testa.
Assim, quem for à Enoteca Decanter, na vernissage ou durante o período de exposição, até 18 de abril, poderá apreciar o domínio de Pama Loiola em múltiplas técnicas artísticas e suportes, incluindo a assemblage (colagem com material tridimensional), telas, colchas pintadas à mão, patchwork, crochê em fio de cobre e outros.
Uma síntese do universo artístico da mineira de Sacramento, aluna de mestres como Bassano Vacarini, Leonello Berti e Fúlvia Gonçalves e que viveu um percurso de cinco anos de estudos sobre análise plástica e estética no ateliê de Pedro Manuel Gismondi. Já são três décadas de intensa produção artística, experimentando grande variedade de materiais e soluções plásticas, incluindo as modernas técnicas de reprodução de imagens.
Pesquisadora nata, Pama Loiola tem experiência em cerâmica, metal, resina de poliéster, madeira e papel. Durante seis anos estudou a arte Rupestre Brasileira e criou sessenta obras com o tema. Com muitos prêmios recebidos, a artista já participou de dezenas de exposições, coletivas e individuais, em espaços variados como as Galerias Itaú (SP), Ada Galeria de Arte (Salvador BA) Museu de Arte Contemporânea de Campinas (SP), Museu Arqueológico e Etnológico da Bahia e Espaço Cultural Banco Central do Brasil em Brasília – DF.
Objetos sacralizados – A crítica de arte tem aplaudido a trajetória de Pama Loiola, pela sua riqueza de ideias, linguagens e experiências. A coragem de ousar e abarcar um grande elenco de objetos.
“Pama Loiola destaca o valor dos objetos numa perspectiva ampla e existencial. A maneira como recoloca o cotidiano em seu trabalho estabelece uma linguagem própria, com um denso código interno que gera um mergulho capaz de atingir o inconsciente coletivo e nossa dimensão mais profundamente humana”, escreveu, no texto “A sacralidade dos objetos”, Oscar D´Ambrósio, doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Mackenzie e mestre em Artes pelo Instituto de Artes da Unesp.
Fotografias, escritos, rendas, documentos ou frascos, tudo pode ser revisto e recolocado ao olhar, observa D´Ambrosio. “Revisitar aquilo que é um passado individual se torna universal quando traz consigo um redimensionamento de significados. O objeto selecionado se sacraliza e sua dimensão, muitas vezes íntima e privada, se torna simbólica e pública”, diz ele, destacando que Pama Loiola atua justamente nesse processo.
“É da sua proposta plástica, da sua intenção artística, recolocar o cotidiano em outra dimensão. Dessa forma, aquilo que poderia ser visto como banal ganha uma dimensão próxima ao épico. E mesmo que ela não tenha isso como princípio, é o que acontece quando atua”, acrescenta.
Artista plástica e doutora em artes pela Unicamp, Fúlvia Gonçalves destaca outra dimensão da obra de Pama Loiola, o seu diálogo permanente com as matrizes culturais brasileiras. “As raízes brasileiras são o destaque de conteúdo no percurso das atividades artísticas de Pama Loiola. É nessa linha de afinidade que a artista vai ao encontro das tradições marcantes de nossa gente”, assinala Fúlvia, uma das referências da artista mineira.
Fúlvia exemplifica a conversa permanente de Pama com as raízes nacionais com seu percurso pela Bahia: “Seu trabalho, complexo no primeiro momento, torna-se mais nítido ao nosso olhar quando observamos registros de sua longa permanência na Bahia, espaço onde assimila o fogoso lirismo das festas populares, os mercados, as danças. Tudo isso está presente na sua cerâmica feminina: encorpadas figuras de mão na cintura e objetos enfiados em arame, lembrando caxixis ou miuçalhas vendidos no mercado de São Joaquim, em Salvador”.
Da mesma maneira, o universo de Pama Loiola contempla “lembranças de Festas do Divino, reisados, procissões, transferindo-nos a Minas Gerais, Estado onde nasceu e onde circulam estas tradições, entre as gentes de vida simples”, diz Fúlvia, que ressalta o lugar particular da artista mineira no cenário contemporâneo: “O traçado de sua produção não se vincula à euforia da pós-modernidade, tão comum nos salões. É implicado um novo modo de atuar, através dos materiais pesquisados”.
Tradição e modernidade, uma releitura dos elementos culturais brasileiros. Pama Loiola é o ponto de partida do Projeto A Arte em Decanter, que pretende oferecer, sob as bênçãos das delícias do vinho, do prazer de viver, um mosaico do multicolorido território das artes brasileiras.
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