Por José Pedro Martins
Mestre Dudu deu a senha, quando pegou o tambor e começou a tocar, sentado de frente para a Estátua da Mãe Negra e a poucos metros da Igreja de São Benedito, no Largo do mesmo nome. Começava assim, nesse espaço sagrado para os afro-brasileiros de Campinas, mais uma roda de jongo, para marcar o Dia Nacional da Consciência Negra, nesta quinta-feira, 20 de novembro. Aos poucos a roda foi se abrindo e mais pessoas foram chegando, cativadas pelos sons ancestrais.
Este foi o décimo ano consecutivo que a Comunidade Jongo Dito Ribeiro celebra o Dia Nacional da Consciência Negra no Largo de São Benedito, nas proximidades de onde havia um cemitério de escravos. “Este território é muito importante para a comunidade negra. Com a expansão urbana, os negros foram expulsos para as periferias, mas a memória não se apaga”, afirma Alessandra Ribeiro, líder da Comunidade, muito emocionada quando viu o tio, o Mestre Dudu, convocar para mais uma roda de jongo.
Mestre Dudu é filho de Dito Ribeiro, mineiro que chegou a Campinas na década de 1930 e desde sempre praticou o jongo em sua casa. Era devoto de São Benedito e de Mestre Tito, um ex-escravo cujo túmulo no Cemitério da Saudade atrai milhares todos os anos. Foi de Mestre Tito a ideia inicial de construir a Igreja de São Benedito naquele local. Falecido em 1882, não conseguiu ver o seu sonho realizado – a Igreja foi inaugurada em 1885.
“Para mim é um enorme privilégio contribuir com o resgate e a divulgação dessa tradição”, diz Alessandra, admitindo que apenas na idade adulta teve contato com o jongo, em um processo de construção da própria identidade, como acontece com grande parte da comunidade afro-brasileira.
A neta de Dito Ribeiro fez a descoberta em meio a muitas pesquisas e a partir de 2002 começou a ser estruturada a Comunidade Jongo Dito Ribeiro, que desenvolve suas atividades na Fazenda Roseira, em Campinas. “Acho que fui escolhida por ele para dar continuidade a esse trabalho, que é essencialmente identitário”, diz a líder da Comunidade. E qual foi o impacto do encontro do jongo? “Encontrei o eixo, sou outro ser humano”, acrescenta Alessandra, enquanto se prepara para pegar o microfone e assumir a liderança da roda de jongo.
“Estamos aqui, nesse 20 de novembro, para celebrar o amor a nossos toques, para valorizar a beleza e a resistência de nossos ancestrais, apesar das chibatas do passado”, completa Alessandra Ribeiro. A roda de jongo começa, uma após outra as canções se tornam mais envolventes, o ritmo dos tambores conduzidos pelo Mestre Dudu não deixa ninguém parado. As crianças da comunidade sobem nos braços da Estátua da Mãe Preta, em uma síntese perfeita do dia que lembra a trajetória da comunidade afro-brasileira e marca os 25 anos da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989. O futuro em construção.