Madrugada de domingo. À 1h30 da manhã salto na estação Rato do metrô. Vou encontrar um amigo brasileiro que vai tocar em uma casa noturna na região central de Lisboa. Da estação até o local são alguns passos, uns 700 metros.
O Largo do Rato, que até o início do século 20 era chamado de Praça Brasil, é um lugar que me traz aconchego. Meu amigo Ivan, que mora em Lisboa há quase duas décadas, morava ali perto, no Campo de Ourique, e sempre que ficava na casa dele, ou ia visitá-lo, passeava pelo largo, um lugar com construções históricas, lojinhas charmosas e cafeterias.
Desço a Rua de São Bento e paro na frente da casa de Amália Rodrigues. Um sobrado amarelo impregnado de histórias da maior cantora portuguesa. Sinto-me bem, tenho vontade de cantar um fado.
Sigo em frente e a movimentação dos bares fechando e dos turistas que não passam a noite na rua vai ficando pelo caminho, um caminho cada vez mais silencioso.
Me sinto sozinho e, ao avistar uma dupla de homens caminhando na minha direção, tenho uma sensação ruim. Guardo o celular e a carteira nos bolsos da frente e aperto o passo. O coração bate mais forte e penso por que não peguei um táxi.
A sensação de que serei assaltado vai aumentando, a ponto de me preparar para sair correndo. Atravesso a rua para ver se os homens farão a mesma coisa e me preparo para o ataque iminente. A dupla passa rindo e falando alto. Me sinto um idiota.
Passo por um trecho com pouca luz e de novo me preocupo. Numa esquina, um casal quase salta à minha frente. Meu coração para. Eu já estou a tirar a minha carteira do bolso para entregar quando falam comigo: “Tens lume?” Ainda suando frio saco o isqueiro do bolso e passo à mulher. Ela acende o cigarro, passa ao namorado, que em seguida me devolve. “Muito obrigado”, dizem seguindo em sentido contrário ao meu.
Estou parado, ainda trêmulo. Acendo um cigarro e tento relaxar. Olho para o lado e uma mulher brinca com uma criança, em um pequeno largo. Aquela imagem parece me resgatar do transe em que me encontrava. Chego ao clube noturno e relato minhas sensações ao meu amigo. Ele me diz que eu ainda não “desliguei o alerta” de violência que trouxe na bagagem. A ficha cai.
Lisboa tem assaltos como qualquer outra metrópole. Mas Portugal também ostenta o título de país com menor índice de violência no mundo. Porém, é difícil deixar essa sensação de insegurança para trás, quando você viveu mais da metade da vida bombardeado e noticiando violência.
Não estou a falar mal do meu Brasil. A violência é um mal da nossa atualidade. Aliás, tenho saudade da minha adolescência, quando caminhava madrugada adentro pelas ruas do Centro de Belo Horizonte. Saudade que compartilho com muitos amigos. Saudade de dormir de janelas abertas na casa que vivi em Campinas no final dos anos 1980. Algo impensável hoje em dia.
Mas confesso que aqui em Portugal é tudo muito diferente. Os edifícios residenciais não têm muros nem porteiros. Quando vou ao Centro, corto caminho justamente por estes espaços e me surpreende ver, por exemplo, quem mora no andar térreo, estender roupas para fora sem se preocupar se alguém irá pegá-las. E ninguém pega.
Nestes quase quatro meses, ainda não me deparei com uma blitz da polícia e nem policiamento ostensivo. A única intervenção que presenciei foi na praça principal do Barreiro, durante um jogo da Copa do mundo. Um rapaz bebeu demais e estava a incomodar a quem assistia o jogo. Os policiais foram conversar com ele, que foi embora calmamente.
Ter essa percepção da violência é bom, porque o medo nos protege. Mas o que não posso deixar é que o medo me aprisione ou me faça refém de uma situação que já não faz parte do meu dia a dia. Aos poucos vou guardando minha bagagem para pensar nela apenas quando viajar novamente.