O significado das jornadas de junho de 2013 ainda não foi debatido como merecia nas Universidades e outros espaços de reflexão, mas o seu sentido profundo é o de um movimento amplo em defesa dos direitos humanos. Direitos civis, políticos, econômicos e sociais, tais como são previstos em documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, e na própria Constituição Federal, promulgada a 5 de outubro de 1988.
As jornadas de junho de 2013, que começaram como protestos contra a majoração de tarifas de ônibus como em São Paulo, capital, de R$ 3,00 para R$ 3,20, se espalharam por todo país e não foi diferente em Campinas, interior do estado, como mostra este ensaio do fotógrafo Martinho Caires, especial para a Agência Social de Notícias. Em Campinas, as manifestações tiveram o seu auge, no dia 20 de junho de 2013, no Largo do Rosário, tradicional território de expressão política na cidade.
As manifestações coincidiram com a realização da Copa das Confederações no Brasil. Por isso, não foram poucos os que pediram “padrão FIFA” (em termos de qualidade de serviços, bem entendido) também para hospitais, escolas públicas, etc… Com isso, milhões foram às ruas. Muitos contrários a projetos como a PEC 37. O Projeto de Emenda Constitucional 37, do deputado Lourival Mendes (PT do B-MA), previa que a apuração de investigações criminais fosse privativa da polícia judiciária. A PEC foi derrotada na Câmara dos Deputados, no dia 25 de junho, por 430 votos contrários e somente 9 favoráveis e duas abstenções.
Em junho de 2013, no Brasil, uma palavra valia mais do que mil imagens. “Chega”: o desabafo, por muitos anseios reprimidos, por muita indignação represada. Será que os gestores públicos, em qualquer esfera, em qualquer coloração partidária, entenderam a mensagem?
De qualquer modo, houve consequências políticas. No dia 26 de junho de 2013 o Senado aprovou projeto de lei tornando a corrupção um crime hediondo. A principal reivindicação que o movimento catalisou, de realização de um plebiscito nacional para a realização de reformas na Constituição, não foi entretanto aprovada pela Câmara dos Deputados, no dia 9 de julho.
Não havia uma liderança centralizada, as manifestações não foram convocadas por A ou B, ao contrário do que sempre aconteceu em atos desse tipo. Mas uma personagem se destacou: Anonymous. Nome de uma comunidade online descentralizada, a inspiração na HQ “V de Vingança”, de 1982, concebida por Alan Moore e levada ao cinema em 2005 por James McTeigue. Foi sintomático: não havia um protagonista central, todos eram.
Anonymous remete a anarquismo, geralmente confundido com bagunça, desordem, mas que no sentido nuclear da palavra quer dizer justamente o contrário. Uma sociedade de tão organizada que não precisa de muito governo. Os partidos – todos – ainda representam o que? – esta parecia ser a pergunta dos manifestantes.
Muitos reunidos, mas a juventude foi central nas manifestações de junho de 2013. Em tempos de redes sociais, a conversa das ruas, o público resgatado. Muitos a chamam de despolitizada. Junho de 2013 mostrou o contrário.
Uma confluência de sabores e saberes. 20 de junho de 2013, dia inesquecível, no centro de Campinas, a indignação no centro de todo Brasil. Uma data ainda não devidamente entendida e decifrada. Mas um alerta, que aparentemente ainda não foi assimilado pelos detentores do poder. Setores mais conservadores tentaram descaracterizar o movimento, em função de alguns episódios de vandalismo, praticados por frações dos manifestantes.
LARGO DO ROSÁRIO, O PALCO DA CIDADANIA
O Largo do Rosário e toda a região central foram o espaço principal vértice da mobilização de junho de 2013 em Campinas, como tem ocorrido em toda a história da cidade, em sintonia com os momentos mais críticos da vida brasileira. A primeira eleição da Câmara da Vila de São Carlos (nome oficial, porque o local já era conhecido de todos como Campinas, desde a fundação, em 1774, da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas do Mato Grosso), a 15 de dezembro de 1797, foi o eixo central do primeiro terremoto político acontecido na cidade e que já demarcou a vocação oposicionista.
A primeira Câmara, com cinco vereadores, que funcionava em prédio situado onde hoje está o monumento-túmulo de Carlos Gomes, se recusou a incluir Raimundo Álvares dos Santos Prado entre os nomes de uma lista tríplice que seria entregue ao capitão-geral (equivalente a governador na época), com os mais votados para capitão-mor, que detinha o poder militar.
A primeira Câmara foi deposta, sendo eleita uma nova, empossada a 26 de abril de 1798, mas a disputa com o governador continuou. Em junho de 1801, o governador Antônio Manuel de Melo Castro Mendonça ordenou a prisão das principais lideranças da política campineira, que ficaram detidas em Santos: José Barbosa da Cunha, Francisco de Paula Camargo, Felipe Néri Teixeira, Joaquim José Teixeira e Manuel Teixeira Vilela. Em períodos alternados, as prisões ocorreram de 24 de junho a 4 de outubro de 1801. Os confrontos só foram encerrados com a posse do novo governador, Antônio José de Franca e Horta, a 10 de novembro de 1802. No dia 4 de março de 1804 foi finalmente empossado, pela Câmara da Vila de São Carlos, com capitão-mor, João Francisco de Andrade, escolhido pelos vereadores e aprovado pelo novo governador. O crescimento local ainda se devia substancialmente à cana-de-açúcar.
Proclamação da República – O movimento de 15 de novembro de 1889 teve importante participação de líderes políticos campineiros, como o general Francisco Glicério, nomeado ministro no primeiro governo republicano. O segundo presidente civil brasileiro, Campos Salles, nasceu em Campinas. Era a força dos cafeicultores, que estiveram à frente da mobilização que levou à República. Os líderes republicanos iam e vinham pelos trilhos da Companhia Paulista e Companhia Mogiana, que tornaram Campinas um dos principais polos ferroviários do país.
Massacre da Porteira da Capivara – Em 16 de julho de 1917, a cidade ficou atônita com o Massacre da Porteira da Capivara. Era uma barreira localizada na altura do atual Viaduto Miguel Vicente Cury, na saída da antiga estação da Companhia Ferroviária Paulista. Para impedir os trens de circular durante uma greve, um grupo de ferroviários, de inspiração anarquista, se instalou nas proximidades da porteira, fato que motivou a repressão de forças policiais, levando a vários feridos e três operários mortos.
Revolução Constitucionalista – 18 de setembro de 1932, no meio da Revolução Constitucionalista contra Vargas, Campinas se tornou uma das únicas cidades brasileiras bombardeadas por avião até o momento. Quatro bombas foram lançadas contra o parque ferroviário de Campinas, na região central, e uma delas feriu quatro pessoas e matou o menino Aldo Chiorato, de 9 anos. A infância vitimada por conflitos.
Ditadura militar – O mundo acadêmico foi uma das trincheiras locais contra a ditadura militar instalada em 1964 e que inaugurou novo período de instabilidade política. Professores da Unicamp estiveram na lista dos “marcados para morrer” por grupos paramilitares. Vários confrontos aconteceram nas ruas centrais de Campinas, com a repressão de policiais a estudantes, professores e cidadãos que apoiavam a luta contra o governo dos generais. Estudantes da PUC-Campinas, na época funcionando no Pário dos Leões, na região central, apanharam da polícia.
Diretas-já - O Largo do Rosário, de onde saiu a caminhada de 20 de junho de 2013, foi o cenário de uma das primeiras grandes manifestações da campanha das Diretas-Já, a 21 de janeiro de 1984. No ano anterior, o Centro Acadêmico de Direito da PUC-Campinas já havia convidado o então Senador da República Teotônio Vilela, um dos ícones da redemocratização e da redemocratização, para participar de uma Semana Jurídica do curso. Teotônio morreria logo depois à visita a Campinas. No comecinho de 1984, nas janelas do Palácio dos Jequitibás, vértice dos conflitos de ontem, ficou estampado um painel com os dizeres: “Eleições Diretas-Já”. Foi uma ideia do arquiteto Paulo de Tarso, e que teve apoio do prefeito José Roberto Magalhães Teixeira. A 19 de janeiro, dois dias antes da grande manifestação, o mesmo Largo do Rosário sediou um jogo de futebol, em que o time das Diretas ganhou de 10 a 4 da equipe das Indiretas. A Orquestra Sinfônica de Campinas, regida pelo maestro Benito Juarez, participou de várias manifestações, em Campinas e pelo Brasil, durante a campanha das Diretas-Já. Sempre o espírito pacífico e a alegria de lutar por um país melhor.
Fora Collor – Em 25 de agosto de 1992, de novo o Largo do Rosário foi o palco de grande manifestação, com cerca de 10 mil pessoas, durante o Fora Collor, o movimento que levou ao impeachment do presidente Fernando Collor de Mello. Foi o último grande ato do povo nas ruas centrais, antes na manifestação gigante de 20 de junho de 2013, mais um dia para a história, para ser lembrado como aquele em que Campinas honrou a caminhada por um Brasil que pode ser muito melhor. (JPSM)
Ensaio fotográfico Martinho Caires