Por José Pedro Soares Martins
A data é 21 de dezembro de 1988, um dia antes do assassinato de Chico Mendes em Xapuri, no Acre. O local é outro, mas na mesma Amazônia, na época assolada por múltiplos conflitos pela terra. Perante a Polícia Federal no Pará, representantes da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da Diocese de Conceição do Araguaia denunciam o desaparecimento de Iron Canuto da Silva, de 17 anos, e de Luís Ferreira da Cruz, de 16, e também a prática de trabalho escravo na Fazenda Brasil Verde. Os representantes da CPT e da Diocese de Conceição do Araguaia estavam acompanhados de José Teodoro da Silva, pai de Iron, e de Miguel Ferreira da Cruz, irmão de Luís.
De acordo com a denúncia, Iron e Luís desapareceram depois de tentarem fugir da Fazenda Brasil Verde, para onde haviam sido levados por um “gato”, em agosto de 1988, para trabalharem por um período de dois meses. O procedimento junto à Polícia Federal, ao qual foram anexados testemunhos de outras pessoas, deu origem a um processo que envolveria várias instâncias policiais, da Justiça e do governo brasileiro, até que fosse transformada em outra denúncia, da mesma CPT e do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão jurídico da Organização dos Estados Americanos (OEA). Agora era a vez do Estado brasileiro ser denunciado por omissão perante o trabalho escravo praticado no país.
A sentença histórica viria no dia 15 de dezembro de 2015. Nela, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenava o Estado do Brasil pela prática de trabalho escravo e tráfico de seres humanos, abrangendo 85 funcionários da Fazenda Brasil Verde. “O Estado brasileiro não demonstrou ter adotado medidas específicas e nem ter atuado com a devida diligência para prevenir a forma contemporânea de escravidão à qual essas pessoas foram submetidas, nem para por fim a essa situação”, declarou a CIDH na sentença.
A decisão da Corte Interamericana alcançou repercussão mundial. O Brasil, último país da América do Sul a abolir oficialmente a escravidão, a 13 de maio de 1888, era agora condenado legal e moralmente pela prática do que se convencionou chamar de escravidão moderna.
(35º artigo da série DDHH Já, sobre os 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos no cenário brasileiro. No 4º dia do mês de fevereiro de 2019, o artigo corresponde ao Artigo 4:
Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.)