Capa » Blogs ASN » CINEMA: “Minha obra-prima”: uma sátira argentina sobre o mundo das artes
CINEMA: “Minha obra-prima”: uma sátira argentina sobre o mundo das artes
Um grande acerto do filme é a construção de seus personagens. (Foto Divulgação)

CINEMA: “Minha obra-prima”: uma sátira argentina sobre o mundo das artes

Por Daniela Prandi

O diretor argentino Gastón Duprat tem o dom da comédia. Mas, distante das histórias que só fazem rir e que a gente logo esquece, seus filmes se apoiam na sátira mordaz ao espelhar os nossos (egocêntricos) tempos. Mesmo diretor dos ótimos “Cidadão Ilustre”, de 2016, (já comentado na ASN) e “O Homem ao Lado”, de 2009, o novo filme de Duprat foca no mundo das artes. “Minha obra-prima”, que acaba de chegar aos cinemas, faz rir, mas provoca. É um drama cômico, como definiu o diretor, que apresentou o filme no Festival de Veneza de 2018 e que foi um dos destaques do Festival do Rio.

A trama está focada na relação de dois amigos de longa data, um pintor de temperamento difícil, Renzo Nervi (Luis Brandoni), e o galerista Arturo (Guillermo Francella), um tanto quanto inescrupuloso. O artista é um idealista, pessimista ao extremo, desleixado com as mulheres, enquanto o galerista está mais preocupado com dinheiro. A história, aliás, é contada por Arturo, enquanto dirige pelas lindas ruas de Buenos Aires.

O artista Renzo Nervi (Luis Brandoni) é um idealista (Foto Divulgação)

O artista Renzo Nervi (Luis Brandoni) é um idealista (Foto Divulgação)

A trama começa com um grupo de estudantes em frente a um dos quadro de Renzo, em uma sequência inicial cheia de cores e significados, quando a guia do museu destaca como “a arte pode criar sua própria realidade”. (Vale destacar que as pinturas são, na vida real, do expressionista argentino Carlos Gorriarena, que morreu em 2007).

Na chique galeria em Buenos Aires, as obras de Renzo não se valorizam tanto quanto se esperava e as atitudes violentas do artista quando confronta um crítico e até mesmo uma compradora potencial só ajudam a “desvalorizá-lo”. Em um ataque de fúria, Renzo chega a disparar tiros em um dos seus quadros expostos, em uma sequência sombriamente cômica, bem ao estilo do cineasta.

Renzo chega a disparar tiros em um dos seus quadros expostos. (Foto Divulgação)

Renzo chega a disparar tiros em um dos seus quadros expostos. (Foto Divulgação)

Renzo tem sérios problemas financeiros e acaba despejado de sua casa-ateliê com seus cachorros enquanto seu amigo busca cada vez mais prestígio no mundo das artes. Um dia Alex (Raúl Arévalo), um jovem espanhol, aspirante a artista, bate na porta no pintor em busca de aulas e ensinamentos. Passará por provações, vai desaparecer da trama, mas será um personagem importante no desfecho da história. Um grande acerto do filme é a construção de seus personagens. O idealista Renzo e o mercantilista Arturo poderiam ser facilmente odiados, mas há algo de terno que nos agrada, que faz a gente relevar tanta canalhice, tanta falsidade.

Em um dado momento, o galerista consegue vender a ideia de um mural encomendado para uma família rica, assim o artista poderia pagar suas dívidas. Renzo obedece, mas se vinga na inauguração, em uma sequência impagável. Afinal, estamos em uma comédia.

Renzo e Arturo: plano mirabolante (Foto Divulgação)

Renzo e Arturo: plano mirabolante (Foto Divulgação)

O mundo das artes, retratado de maneira hipócrita, com seus milhões movimentados ao sabor dos gostos e tramas dos galeristas, e a maneira como os dois o subvertem é um grande achado do roteiro, escrito por Andres Duprat, irmão do diretor, que tem conhecimento de causa, já que é o diretor do Museu Nacional de Belas Artes da Argentina. A partir de um plano mirabolante, mas não inédito, os amigos encontram uma maneira inusitada de fazer os quadros de Renzo se valorizarem. Mas, como toda mentira um dia é revelada, a cobrança vai chegar.

Uma curiosidade: em dado momento, uma exposição de Renzo ocupa o maravilhoso Museu de Arte Contemporânea de Niterói (RJ), um dos mais aclamados projetos de Oscar Niemeyer.

TRAILER:

https://www.youtube.com/watch?v=y-JwQWD54Q0

Sobre Daniela Prandi

Daniela Prandi, paulista, jornalista, fanática por cinema, vai do pop ao cult mas não passa nem perto de filmes de terror. Louca por livros, gibis, arte, poesia e tudo o mais que mexa com as palavras em movimento, vive cada sessão de cinema como se fosse a última.

Deixe uma resposta