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Direito humano à cultura e à natureza (DDHH Já – Dia 86, Art.27)
Proteção dos oceanos e mares é desafio urgente para a comunidade internacional (Foto Adriano Rosa)

Direito humano à cultura e à natureza (DDHH Já – Dia 86, Art.27)

POR JOSÉ PEDRO SOARES MARTINS

A sociedade industrial provocou o divórcio entre natureza e cultura e os efeitos foram devastadores: destruição ambiental, desenraizamento de culturas nativas e padronização estética, entre outros. Mas reivindicar o direito à cultura, como estabelece o artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, também é pedir direito a um meio ambiente sadio e equilibrado. São faces da mesma moeda, como demonstraram dois eventos fundamentais para a sociedade contemporânea, ambos, não por acaso, no mesmo ano: 1972.

O mundo ainda vivia os impactos da rebelião de maio de 1968, que o filósofo Herbert Marcuse batizou de “a Grande Recusa”. A sociedade industrial foi colocada em xeque por jovens, operários e cidadãos de todo planeta. Neste cenário foi realizada, entre 5 e 16 de junho de 1972, em Estocolmo, Suécia, a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano. Foi o primeiro grande evento da ONU sobre a temática ambiental e desde então a cada dez anos é realizada uma grande conferência, como a maior delas, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio ou Eco-92, em junho de 1992, no Rio de Janeiro.

Para muitos autores, inclusive, a Conferência de Estocolmo foi inclusive mais avançada, em algumas aspectos, do que as Conferências posteriores, de 1982, em Nairobi, Quênia, e de 1992 no Rio de Janeiro. Muitos dos 26 Princípios do documento final do encontro, a Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente, são considerados mais incisivos do que aqueles aprovados em conferências posteriores. Uma síntese dos 26 Princípios, na versão de Miguel Grinberg (em “Ecofalacias”, Galerna, Buenos Aires, 1999. p.34-35):

 

1.      Afirma os direitos humanos, condena o Apartheid (que ainda vigorava na África do Sul) e o colonialismo.2.      Os recursos naturais devem ser protegidos.

3.      A capacidade da Terra para produzir recursos naturais deve ser mantida.

4.      A vida silvestre deve ser protegida.

5.      Os recursos não-renováveis não devem ser esgotados.

6.      A contaminação não deve exceder a capacidade do meio ambiente para se auto-regenerar.

7.      Deve ser prevenida a poluição que afeta os oceanos.

8.      O desenvolvimento deve ajudar a melhorar o meio ambiente.

9.      Os países em desenvolvimento necessitam assistência.

10.  Para encaminhar a gestão ambiental, os países em desenvolvimento necessitam preços razoáveis por suas exportações.

11.  A política ambiental não deve dificultar o desenvolvimento.

12.  Para encaminhar as salvaguardas ambientais, os países em desenvolvimento necessitam recursos financeiros.

13.  É necessário um planejamento integrado para o desenvolvimento.

14.  O planejamento racional deve resolver os conflitos entre meio ambiente e desenvolvimento.

15.  Para eliminar os problemas ambientais, devem ser planificados os assentamentos humanos.

16.  Os governos devem planejar suas próprias políticas populacionais adequadas.

17.  O desenvolvimento dos recursos naturais dos Estados deve ser planejado por instituições nacionais.

18.  A ciência e a tecnologia devem ser usadas para melhorar o meio ambiente.

19.  A educação ambiental é essencial.

20.  A pesquisa ambiental deve ser promovida, particularmente nos países em desenvolvimento.

21.  Os Estados devem explorar seus recursos como desejam, mas sem colocar em risco os recursos dos demais.

22.  Os Estados assim lesionados são passíveis de compensação.

23.  Cada nação deve estabelecer seus próprios parâmetros.

24.  Deve existir cooperação em questões internacionais.

25.  Os organismos internacionais devem ajudar a melhorar o meio ambiente.

26.   Devem ser eliminados os armamentos de destruição  em massa.

 

Quase todos esses Princípios continuam válidos 43 anos depois. A Conferência aprovou ainda 109 Recomendações que, como os Princípios, acabaram se tornando apenas boas intenções. Mas Estocolmo teve um grande resultado: sob o impulso positivo do evento, foi criado no final de 1972, pela Assembléia da ONU, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), e o primeiro diretor-executivo nomeado foi o próprio Maurice Strong. A sede do PNUMA foi instalada em Nairobi, Quênia – foi o primeiro órgão de alto nível das Nações Unidas sediado em país africano.

Impossível esquecer que o governo militar brasileiro fez um grande papelão em Estocolmo. Contra a corrente mundial, o governo incentivou uma campanha publicitária afirmando que a poluição era “bem vinda” ao Brasil. Por outro lado, diplomatas brasileiros que participaram da Conferência tiveram papel importante, contribuindo para a construção do princípio das “responsabilidades comuns, mas diferenciadas”. Por este princípio, todos têm responsabilidade pelos destinos do planeta, mas alguns país têm mais responsabilidade ainda. São os países historicamente mais poluidores. Este princípio vem sendo constantemente bombardeado nas últimas conferências ambientais das Nações Unidas, pelos Estados Unidos e alguns de seus aliados.

Convenção do Patrimônio Cultural e Natural – Naquele mesmo ano de 1972, entre os dias 17 de 0utubro e 21 de novembro, a Paris que foi o foco central do Maio de 1968 recebia a Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). No encontro, foi aprovada a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural (aqui).

Era uma evidente constatação da preocupação da Unesco e outros órgãos do sistema das Nações Unidas com a proteção do patrimônio tanto cultural como natural e uma evidência de que para muitos líderes, intelectuais e gestores as duas dimensões devem caminhar juntas.

De fato, os participantes da Conferências constataram que “o patrimônio cultural e o patrimônio natural estão cada vez mais ameaçados de destruição, não apenas pelas causas tradicionais de degradação, mas também pela evolução da vida social e econômica que as agrava através e fenômenos de alteração ou de destruição ainda mais importantes”.

Os participantes alertaram ainda que “a degradação ou o desaparecimento de um bem do patrimônio cultural e natural constitui um empobrecimento efetivo do patrimônio de todos os povos do mundo” e que “determinados bens do patrimônio cultural e natural se revestem de excepcional interesse que necessita a sua preservação como elementos do patrimônio mundial da humanidade no seu todo”.

Constatações de 1972, que se tivessem sido seguidas à risca – assim como no caso dos princípios da Conferência de Estocolmo – o patrimônio cultural e natural do planeta estaria muito melhor preservado hoje. De qualquer modo houve sim uma progressiva definição de monumentos, sítios arqueológicos e áreas naturais como patrimônio da humanidade, o que lhe garantiu um mínimo de proteção.

Quase cinco décadas depois, os documentos finais das Conferências de Estocolmo e Paris permanecem muito atuais. E permanece o enorme desafio de não considerar as questões naturais e culturais como separadas. Pelo contrário, o futuro do planeta e da humanidade parece depender muito do vínculo cada vez maior entre as duas dimensões.

(86º artigo da série DDHH Já, sobre os 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos no cenário brasileiro. No 27º dia do mês de março de 2019, o texto corresponde ao Artigo 27: 1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios. 2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja autor.)

 

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