POR JOSÉ PEDRO SOARES MARTINS
Professor querido de várias gerações de jornalistas, Luiz Roberto Saviani Rey não esconde a paixão pelo Guarani de Campinas, o único campeão brasileiro do interior, o timaço de nomes como Careca, Zenon e Jorge Mendonça. Mas ainda faltava algo para o professor Saviani ratificar a adoração pelo Bugre e, justiça seja feita, por todo o futebol bem jogado, seja qual for o time. Pois a lacuna foi preenchida, no formato de novo livro do jornalista, escritor e mestre. No dia 12 junho Savi, como é conhecido, lança “Guarani em noite de gala – 5 a 1 no Santos com baile dos meninos”.
Publicado pela Pontes Editores, o livro conta, na forma de romance, todos acontecimentos e sentimentos ligados à lendária noite de 18 de novembro de 1964, quando o Guarani goleou o mágico Santos de Pelé por 5 a 1, no Brinco de Ouro da Princesa, o estádio do Bugre. E não apenas de Pelé. Também do goleiro Gilmar e dos demais integrantes do, talvez, maior ataque de todos os tempos do futebol: Mengálvio, Coutinho e Pepe.
Pois nenhum desses atacantes maravilhosos chegou às redes do Bugre naquela quarta-feira incrível. O único gol santista foi do defensor bugrino, Ditinho, contra. E os gols do Guarani, de Carlinhos, Joãozinho, Babá, Américo Murolo e Nelsinho.
Um show, a partir de agora contado na excelente prosa de Saviani, que se especializou em romances históricos. São de sua autoria, entre outros, “O retiro antes da Laguna – Taunay em Campinas” e “O menino herói da guerra paulista – O bombardeio de Campinas”. Todos sobre fatos ocorridos em Campinas. Saviani é, antes de tudo, um campineiro orgulhoso da história de sua cidade.
O lançamento do novo livro do professor Saviani será no dia 12 de junho, quarta-feira, a partir das 19 horas, no Bar Macaxeira, rua Maria Monteiro, 292, Cambuí, Campinas. A seguir, entrevista exclusiva com o autor:
Como nasceu essa proposta de fazer livros romanceados a partir de fatos históricos?
Saviani – Em princípio, a opção por textos literários para focar fatos, dados da realidade – a chamada ficção calcada em realidade – pode parecer alguma objeção ou oposição à pesquisa, ao texto histórico ou acadêmico, o que não corresponde à verdade. Nos meus 38 anos de academia, servindo a uma Faculdade de Jornalismo, e nos cursos de especialização e no Mestrado, desenvolvi dissertações e tese, regradas pela rigidez da norma acadêmica.
A questão mesmo é a paixão pela ficção, pelo livro que encerra relatos contendo personagens, peripécias e, obviamente, fatos. Penso que escrever seja meu único universo, diria que é a única coisa que sei fazer na vida – embora isso não implique em qualidade. Já escrevia contos e crônicas, poesia e outras formas de texto antes de chegar às redações de jornais. Nasceu dessa forma a ideia de conduzir fatos e elementos históricos por meio do romance.
A liberdade de criação, de composição e de permissão para escrutinar o personagem e suas ações, sem extrapolar o quadro, a configuração histórica. O ilustre professor Rubem Costa disse-me certa vez – quando lhe presenteei meu livro, afirmando não ser história: “O historiador trabalha sobre fatos, o escritor penetra na alma do personagem”. Acho que é isso!
Como você identifica os temas dos livros e os desenvolve?
Saviani – Tenho cinco livros nessa linha e um em nível didático. Os temas são vinculados a fatos do meu gosto, ou do meu desconhecimento ou conhecimento, da minha paixão clubística – no caso do futebol, todos eles relacionados a elementos históricos de Campinas. O que tento traduzir com “meu desconhecimento”? É o caso do livro “O Retiro antes da Laguna – Taunay em Campinas”. Trata-se de um fato relevantíssimo para a cidade, mas totalmente ignorado pela maioria da população.
Como jornalista, nunca tinha sido informado sobre a parada em Campinas das tropas que lutaram na Laguna, durante a Guerra do Paraguai, permanecendo acampadas por 65 dias no Largo Santa Cruz. Foi um encontro casual com a pedra-marco desse evento que me levou a pesquisar a fundo e elaborar um texto a partir dos relatos técnicos do Visconde de Taunay, em seu livro-relatório: A Retirada da Laguna, e em outros escritos seus.
O que vai contar nesse livro sobre os famosos 5 a 1 e o que o leitor pode esperar?
Saviani – Este último livro, a ser lançado, foca uma noite memorável que permaneceu no imaginário e no coração da torcida buigrina, em mim, substancialmente, que, menino ainda, vi, estupefato, o Guarani Futebol Clube, massacrar o Santos de Pelé, Coutinho & Cia, bicampeão mundial, pelo placar de 5 a 1. Daí, ao texto final, é um sistema formado por pesquisa de dados, entrevistas, recursos de memória, e a composição de um trajeto lógico, gerador de um percurso de sentidos que tento tornar agradável, lúdico, satírico, crítico, de acordo com as nuances e o decorrer dos fatos.
No livro que lanço agora, sob o título de “Guarani em Noite de Gala – 5 a 1 no Santos com baile dos meninos”, realço episódios do entorno da data de 18 de novembro de 1964, quando ocorreu o jogo glorioso para a comunidade bugrina. Há um discorrer sobre o Campeonato Paulista daquele ano, no qual o Guarani viveu um primeiro turno desastroso, beirando ao rebaixamento.
Na sequência, o time resgatando-se e buscando a renovação com a inclusão de seis jogadores na faixa dos 17 anos – o goleiro Sidnei, o lateral Osvaldo Cunha e os atacantes Joãozinho, Nelsinho, Babá e Carlinhos -, que deram vigor ao time e trouxeram a redenção. Além da vitória retumbante sobre um Santos imbatível, a campanha foi esfuziante e o Guarani concluiu a competição em sexto lugar, uma primazia à época a um clube interiorano.
É preciso lembrar que Campinas era uma cidade pequena, vivendo a etapa de transição entre o rural e a metropolização, elementos que são também explorados no livro – a configuração socioeconômica da cidade, sua vida social e comercial, atravessada pela paixão por Guarani e Ponte Preta.
Curiosamente, apesar de sua importância para a cultura brasileira o futebol não é tema muito comum na nossa literatura, com algumas exceções. O que Acha disso?
Saviani – É uma preocupação essa ausência de textos e literatura sobre o esporte. O futebol, em especial o brasileiro, é um vasto campo de boas narrativas e de elementos históricos. O jornalista Pedro Bondaczuk, recém falecido, que prefacia meu primeiro livro sobre futebol, fez esse questionamento. Meu editor inquieta-se com essa ausência de livros sobre o tema. Talvez seja uma lacuna no interior de um buraco muito maior, uma gota dentro dessa poça imensa que é a de escassez de bons escritores e de mais livros e literatura sobre eventos nacionais em nosso mercado.