Por Eduardo Gregori
Das boas lembranças que tenho da minha infância em Belo Horizonte, guardo sempre os dias e noites que passava a brincar com meus vizinhos, garotos e garotas como eu naquela altura. Minha infância foi muito feliz neste aspecto.
A Rua Furtado de Menezes, no bairro Jaraguá, era a nossa segunda casa. Quando chovia, brincávamos na enxurrada como se fosse uma piscina. Se era junho, organizávamos uma festa junina, fechávamos a rua, acendíamos a fogueira e nos divertíamos entre a quadrilha e as barraquinhas.
E ainda tinha jogo de vôlei e soltar pipa. Minha mãe sempre de cabelo em pé pois eu parecia um esfarrapado, sem camisa e chinelos a correr de um lado para o outro quando uma pipa voava sem rumo ameaçando cair no terreno baldio. Inevitavelmente eu chegava em casa com o pé cortado, depois de me embrenhar pelo mato atrás do presente que vinha do céu.
Quando cheguei a Campinas, no fim dos anos 1980, a cidade ainda guardava muito do seu jeito de interior. Eu conhecia todos meus vizinhos da rua Presidente Alves, no Jardim Flamboyant, onde fui morar. Em especial os de frente, Isabel e seu marido Rubinho. Quase todas as noites sentávamos na calçada para jogar conversa fora. Juntavam-se Cláudia, a filha mais velha, Adriana, a amiga e Eduardo, o caçula. Rubinho sentava num banquinho e lá ficávamos até cansar. Isso já pelas 10h da noite.
Não havia a paranoia e a realidade da violência. As nossas casas tinham muros e portões baixos, ornados com muito verde. Lembro-me de dormir nos dias quentes com as janelas abertas e nem grades elas tinham. A Abelha Gulosa, hoje uma panificadora chique, naquela época tinha chão batido e na esquina de casa havia até mesmo um açougue. Um das lembranças mais ternas que tenho do Flamboyant dessa época era um senhor que passava todos os dias vendendo picolé e bijú. Eu já tinha 18 anos nessa altura, mas voltava a ser criança e saía correndo para comprar.
Na semana passada fui a Alverca do Ribatejo, uma freguesia que está quase nos limites entre os concelhos de Lisboa e Vila Franca de Xira. São pouco mais de 40 quilômetros do centro de Lisboa e 38 minutos de trem. Era uma imperdível feijoada servida por amigos brasileiros.
Desembarquei na estação e fui literalmente caminhando pelo meu passado. Os prédios altos dão lugar aos de dois andares, mas não com o aspecto de um conjunto habitacional. Lembram vivendas enormes, todas lindas, bem conservadas e pintadas.
Viro uma rua e me deparo com um conjunto de casas com muros baixos e montes de senhorinhas com seus aventais a cuidar das plantas e da horta. Uma delas deixa carinhosamente em cima do muro um prato de frutas cortadas em fatias pequenininhas. Ela nem bem pousa o prato no lugar e os passarinhos já estão a comer.
Sigo pela rua e as crianças correm em disparada para brincar na quadra da escola antes da aula começar. Se despedem de seus pais ou de seus avós com beijinhos e seguem correndo para encontrar com os amigos. É uma segunda-feira e mesmo assim os cafés e restaurantes estão lotados. Obviamente de pessoas com uma idade em que não é preciso mais trabalhar. Mas o que mais encanta é que mesmo nesta altura da vida, não abrem mão do convívio social e dos pequenos prazeres como um cafezinho e uma conversa ao pé do ouvido.
Na esquina antes do apartamento dos meus amigos, uma senhora escolhe detalhadamente a carne que vai levar para casa. Aqui o açougue se chama talho e o atendente é aquele que conhece os clientes pelo nome e sempre sabem qual tipo de carne vão levar e que gostam mais.
Entro no moderno apartamento todo em mármore e vidro. A mudança súbita me traz de volta a realidade, mas fico com uma sensação de bem-estar com gosto de infância e adolescência que vivi no Brasil e que pude reviver aqui em Portugal. Eu voltarei para rever meus amigos do presente e com minhas lembranças do passado.