Por José Pedro S.Martins
No último dia 3 de outubro o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério da Economia divulgou a lista atualizada do Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo no Brasil. O Cadastro aponta 190 empregadores (71 dos quais incluídos em 2019 na lista) que submeteram trabalhadores à chamada “escravidão contemporânea”, tema de simpósio realizado na manha desta sexta-feira, 11 de outubro, em Campinas. O evento foi promovido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15), por meio da Escola Judicial da Corte e do Comitê de Erradicação do Trabalho Escravo, Tráfico de Pessoas e Discriminação.
O simpósio reuniu magistrados, desembargadores e outros profissionais, para identificar e discutir os principais elementos que caracterizam o trabalho análogo à escravidão na atualidade e apontar alternativas de combate a essa chaga social que permanece em pleno século 21 no país. O TRT-15 também convidou dois conferencistas, com sólida trajetória no estudo, pesquisa e combate ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil.
Política de Estado – Fundador da ong Repórter Brasil, o jornalista Leonardo Sakamoto observou que, apesar de algumas declarações do presidente Jair Bolsonaro, “depreciando a atuação dos auditores do trabalho”, e de medidas tomadas pelo atual governo – como a extinção do Ministério do Trabalho e o atrelamento de suas atribuições ao Ministério da Economia, como no caso do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) – prossegue a atuação de combate e resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão no país.
“Desde 1995, 54 mil trabalhadores foram resgatados”, lembrou Sakamoto, acrescentando que o combate e resgate fazem parte de uma política de Estado, e não de governo. O que existe, notou o jornalista, é a continuidade da utilização dessa modalidade de trabalho análogo à escravidão, como uma ferramenta econômica “por alguns setores atrasados, que não investem em tecnologia e continuam usando esse tipo de mão-de-obra para aumentar a competitividade e suas margens de lucro”.
Sakamoto citou algumas áreas onde ainda existe a identificação de casos de trabalho análogo à escravidão, como em segmentos agrícolas e pecuária e também na construção civil e no ramo de confecções, com o uso de mão-de-obra de migrantes. Ele sublinhou que o problema é entretanto global. Como membro de dois comitês das Nações Unidas que combatem o trabalho escravo, citou os casos da mineração para a indústria eletrônica na costa africana e de confecções em Bangladesh, entre outros. Também permanece o desafio, afirmou, relacionado à utilização de trabalho análogo à escravidão em situações de exploração sexual.
A lógica do capital – O outro conferencista convidado pelo TRT-15, para o Simpósio “Trabalho Escravo Contemporâneo”, foi professor Ricardo Rezende Figueira, do Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo, ligado ao Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Para Rezende, desde a queda do Muro de Berlim e a derrocada dos regimes socialistas no Leste Europeu, tem ocorrido uma precarização das condições do trabalho em escala global. “Sem o medo do perigo vermelho, houve o desmonte do estado de bem estar social na Europa e o avanço da precarização das condições de trabalho em outras regiões do planeta”, disse o pesquisador.
No caso brasileiro, salientou o empenho no combate ao trabalho escravo desde 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso, e as políticas de distribuição de renda nos governos de Luis Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, no sentido do estímulo à renda e ao consumo.
Já no governo de Michel Temer, ressaltou, houve o início de uma forte precarização das relações do trabalho, com a reforma trabalhista imposta pela Lei 13.467, que entrou em vigor no dia 11 de novembro de 2017. Já no governo de Jair Bolsonaro, lembrou Ricardo Rezende, “houve a extinção do Ministério do Trabalho, que tinha 60 anos, e a sua incorporação pelo Ministério da Economia, ou seja, houve a submissão do trabalho ao capital e não ao contrário como deveria ocorrer”.
O pesquisador da UFRJ apontou as parcerias no âmbito dos estados como uma possível alternativa para a continuidade do trabalho de combate efetivo ao trabalho escravo, não dependendo de oscilações políticas ou cortes orçamentários no nível federal. Citou nesse sentido o caso de Minas Gerais, onde foi estabelecida uma parceria envolvendo vários órgãos públicos, para o combate e resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão.
O TRT-15 mantém um esforço permanente no combate ao trabalho escravo. Foi criado nesse Tribunal o Comitê de Erradicação do Trabalho Escravo, Tráfico de Pessoas e Discriminação, que teve vários de seus membros participando de mesas e discussões no simpósio desta sexta-feira em Campinas.