Um dos aspectos centrais da atual política externa do Brasil é o relacionamento mais forte com a África. Neste cenário destaca-se o Projeto Embrapa-Moçambique, que tem entre outros propósitos o mapeamento dos recursos naturais e zoneamento agroecológico do país africano, de modo que os moçambicanos possam planejar o uso da terra como uma das ferramentas de desenvolvimento, superando os desafios incrementados por uma guerra civil que deixou marcas profundas. A Embrapa Monitoramento por Satélite, de Campinas, é peça fundamental desse exemplo de cooperação internacional do Brasil.
A Embrapa Satélite participa diretamente do Projeto Paralelos, uma das ações do Projeto Embrapa-Moçambique, como ficou conhecido o Projeto de Cooperação Técnica de Apoio à Plataforma de Inovação Agrária de Moçambique. Esse Projeto maior é fruto da parceria entre a Embrapa, o Instituto de Investigação Agrária de Moçambique (IIAM) e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID). O Projeto Paralelos, especificamente, integra o Componente II do Projeto Embrapa-Moçambique, denominado Fortalecimento de Capacidades Estratégicas Transversais: Gestão de Recursos Naturais para a Agricultura, coordenado pela Secretaria de Relações Internacionais da Embrapa e que tem o apoio da Embrapa Solos e Embrapa Cerrado.
O Projeto Paralelos, explica o chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Monitoramento por Satélite, Édson Luís Bolfe, implica no uso de satélites e outros recursos tecnológicos como elementos estratégicos para o levantamento de solos, mapeamento de uso e cobertura das terras, zoneamento agroecológico, avaliação de impacto ambiental, melhoria de processos produtivos, monitoramento da intensificação da agropecuária e da degradação das terras, entre outras ações.
“Conhecendo melhor o seu território, os seus recursos naturais, Moçambique pode planejar melhor o seu futuro”, diz Bolfe. De modo específico, ele explica, o objetivo da atuação da Embrapa Monitoramento por Satélite é mapear as potencialidades dos recursos naturais de Moçambique em termos de produção agrícola e pecuária, indicando-se por exemplo as áreas mais adequadas para cultivos anuais, perenes e criações. A capacitação e recursos humanos em tecnologia de geoprocessamento no Brasil e em Moçambique é outro propósito.
Corredor de Nacala – As pesquisas em Moçambique começaram no chamado Corredor de Nacala, uma área situada entre os paralelos 13ºS e 17ºS, praticamente na mesma altura geográfica dos Cerrados brasileiros, hoje altamente produtivos. A intenção é verificar se esta zona de Moçambique também apresenta potencial produtivo na agricultura e pecuária.
Muitas informações já foram levantadas, com diversas visitas à África de pesquisadores brasileiros. Os dados já analisados foram reunidos no livro “Paralelos – Corredor de Nacala”, que tem o chefe geral da Embrapa Satélite, Mateus Batistella, e o próprio Édson Bolfe como organizadores.
O trabalho dos pesquisadores da Embrapa partiu, de fato, da constatação de 68% do território moçambicano (cerca de 540 mil quilômetros quadrados) são cobertos por savanas tropicais, similares às terras da região de savana da África subsaariana, igualmente denominada Savana da Guiné, que tem características muito semelhantes ao Cerrado brasileiro.
Com uma população de 21,4 milhões, 14,3 milhões destes ainda vivendo na zona rural, Moçambique depende especialmente do setor primário. O país conta com reservas estratégicas de gás, carvão e outros minerais, e sua pauta de exportações é composta basicamente de alumínio (55%) e eletricidade e gás natural (14%).
A agricultura é de subsistência, sendo praticada principalmente por mulheres, e é nesse aspecto que a tecnologia brasileira, desenvolvida por organizações como a Embrapa, pode contribuir muito. Cerca de 90% das 3,6 milhões de famílias que vivem na zona rural são pequenos produtores, cultivando áreas de aproximadamente 1,3 hectare com lavouras e criação de pequenos animais.
Mandioca e milho somam 41% do valor total da produção rural, vindo em seguida sorgo e arroz, cultivados sobretudo para consumo familiar. Segundo o Inventário Florestal Nacional, Moçambique tem 51% de suas áreas cobertas com florestas. O país já registrou mais de 5,5 mil espécies vegetais, sendo pelo menos 250 endêmicas.
As mulheres são, efetivamente, o pilar da agricultura em Moçambique, trabalhando duro nas machambas, como são conhecidas as áreas de produção familiar. Assim, nota Édson Luís Bolfe, qualquer proposta de desenvolvimento agrícola no país deve considerar o papel da mulher na estrutura produtiva.
Corredores de desenvolvimento – Nacala, o território onde a Embrapa tem atuado diretamente, está localizado na região Norte e é um dos três corredores de desenvolvimento de Moçambique, ao lado de Maputo (região Sul, onde está a capital do mesmo nome) e Beira (região central).
A região é o foco de um programa de desenvolvimento agrícola e rural denominado ProSAVANA, do governo moçambicano. Atualmente, são explorados somente 30% dos 4,6 milhões de terras agricultáveis da província de Nampula, onde está o Corredor de Nacala. A expansão e intensificação da agropecuária nas áreas restantes depende do efetivo conhecimento do potencial agronômico dos seus recursos naturais, e é nesse sentido que a Embrapa está contribuindo.
O Projeto Paralelos já identificou, por exemplo, o enorme potencial do Porto de Nacala, que foi considerado o porto menos poluído da região austral da África pela BM Trade Certification, organização responsável pela certificação internacional dos Sistemas de Gestão Ambiental (SGA). Com 800 metros de largura e 60 metros de profundidade, o Porto de Nacala é considerado o melhor porto de águas profundas da África Oriental, viabilizando o acesso irrestrito a qualquer tipo de navio.
Por suas características de solo e clima, entre outras, o Corredor de Nacala é apontado como a região com maior potencial par ao desenvolvimento agrícola na África Austral. A expectativa é a de que as tecnologias desenvolvidas no Cerrado brasileiro, que tornaram a região altamente produtiva, possam ser adaptadas para a área de savanas em Nacala. São biomas muito similares, lembrando que foram separados no momento de formação dos continentes.
Entre as potencialidades já verificadas no âmbito do Projeto Embraça-Moçambique, já foi identificada por exemplo a aptidão da região de Nampula, no Corredor de Nacala, para o cultivo do cajueiro. O uso de novas tecnologias pode levar à estruturação de mini unidades de processamento da castanha, de pequenas unidades de produção de suco de caju e uso do caju na alimentação animal, além da introdução de espécies de cajueiro-anão, precoces, de porte baixo e alto potencial produtivo.
Também no Corredor de Nacala, a região de Namialo tem alto potencial para ampliar sua produção de algodão. De novo a referência ao Cerrado brasileiro é inevitável. O Mato Grosso, localizado em latitudes similares ao Corredor de Nacala, é o maior produtos brasileiro de algodão. Algumas tecnologias usadas no Brasil podem ser então adaptadas ao contexto moçambicano, como cultivares modernas, sistemas de produção sustentáveis, o processamento de subprodutos do algodoeiro e o processamento mínimo da cultura na propriedade: pequenas unidades descaroçadoras e enfardadoras da fibra poderiam agregar valor ao produto agrícola e aumentar a rentabilidade do produtor.
Já a região de Lichinga, outra do Corredor de Nacala, tem grande potencial para fortalecer a produção de milho e soja. A região de Mecanhelas, por sua vez, pode incrementar sua produção de arroz.
O território do Corredor de Nacala está situado na mesma latitude onde se encontram Cuiabá, Goiânia e a capital brasileira, Brasília. O Projeto Paralelos, como parte do Projeto Embrapa-Moçambique, é uma das plataformas de possível e importante cooperação entre os dois país com laços históricos, com raízes culturais comuns, e que agora têm a oportunidade de estar cada vez mais próximos. (Por José Pedro Martins)