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Thoreau, baleias e antecedentes do debate ambiental internacional
Espécie dourada, no borboletário do SESC-Pantanal: debate ambiental é antigo (Foto José Pedro Martins)

Thoreau, baleias e antecedentes do debate ambiental internacional

A expansão das ferrovias e dos perímetros urbanos, a proliferação de áreas marcadas pela poluição  vinda das indústrias movidas a carvão e, depois, derivados do petróleo, o desaparecimento de espécies animais que encantavam os homens. Tudo isso, somado ao florescimento e disseminação do nacionalismo, contribuiu para a emergência das primeiras organizações dedicadas à conservação da natureza, na segunda metade do século 19. Instituições dedicadas a proteger uma espécie ou determinada paisagem, que sempre tinha significado importante para uma identidade nacional específica, como acentua Philippe Le Prestre (in “Ecopolítica Internacional”, Editora SENAC, São Paulo, 2000, página 163).

Assim apareceram a Sociedade Nacional de Proteção da Natureza na França (1854), Associação para a Proteção dos Pássaros Britânicos (sic!, 1870), os norteamericanos Sierra Club (de 1892 e ainda muito influente) e Audubon Club (1905), a grega Les Amis des Arbres (1902), os dinamarqueses Dansk Ornitologisk Forening  (1906) e Danmarks Naturfednings Forening (1911), a Ligue Suisse pour la Protection de la Nature (1909) e a Royal Society for Nature Conservation (1912), entre tantas outras organizações listadas por Le Prestre.

Iniciativas concretas para a proteção de determinado espaço natural foram as criações de parques nacionais, como o pioneiro de Yellowstone, nos Estados Unidos, em 1872, e a partir dele o Royal National Park na Austrália (1879), os canadenses Banff (1885) e Glacier (1886), os parques suecos na Lapônia (1909) e os primeiros parques na Suíça (1914) e Espanha (1918).

Na esteira dessas preocupações de certo modo pioneiras, com a proteção de recursos naturais, para que eles não fossem exauridos, devastados, apareceram nas primeiras décadas do século 20 as convenções, igualmente pioneiras, na área ambiental, todas apontando para aspectos do que, no início do século 21, é considerado como essencial à sustentabilidade. Como a Convenção européia para a proteção dos pássaros úteis à agricultura (1902), a Convenção sobre a foca peluda do Pacífico Norte entre Canadá e Estados Unidos (1911), Convenção para a proteção dos cardumes de bacalhau do Pacífico Norte e do mar de Bering (1923) e Convenção para a conservação da fauna e da flora em estado natural (Londres, 1933).

A destacar, a Convenção para a regulamentação da caça à baleia, de 1931, que está na origem da Convenção de Washington para a regulamentação da caça à baleia, conhecida como “Convenção Baleeira Internacional”. A preocupação com a caça às baleias, maiores mamíferos do planeta, e que alcançou grande protagonismo com as campanhas da Greenpeace nas décadas de 1970 e 1980, data de longe, na esteira da destruição desses animais magníficos, que sempre provocaram temor e encantamento e que geraram – e continuam gerando – lucros para pessoas e empresas inescrupulosas.

A Convenção Baleeira Internacional representa um marco, pelo que ela representou de proteção das baleias, sobretudo das baleias azuis, embora tenha recebido muitas críticas posteriormente, pelos rumos que tomou. Outras espécies, infelizmente, continuaram e continuam sendo caçadas impiedosamente no início do século 21. A Tabela 1 mostra a queda da caça à baleia azul – porque o seu número se reduziu drasticamente, em um caso clássico de como é insustentável o modelo de desenvolvimento que não se preocupa com a preservação de espécies e recursos naturais.

Tabela 1

Baleias azuis caçadas por década no planeta

1910 – 1919

26.819

1920 – 1929

69.217

1930 – 1939

170.427

1940 – 1949

46.199

1950 – 1959

35.948

1960 – 1969

7.434

1970 – 1979

23

1980 – 1991

0

Fonte: Pearce, Turener y Bateman. 1996, in “EMPRESARIO Y MEDIO AMBIENTE: ¿MENTALIDAD EN CONTRAVIA?,  PRINCIPIOS DE ECONOMIA SOSTENIBLE”, Alejandro Boada Ortíz, Facultad de Administración de Empresas, Universidad Externado de Colombia

      Ao lado das primeiras instituições e convenções dedicadas à proteção e conservação de recursos naturais, foram realizados os primeiros grandes encontros internacionais sobre o tema. Casos do Congresso Internacional sobre a proteção da natureza, em Paris (1909), Congresso Internacional sobre a proteção da flora, da fauna e dos panoramas e monumentos naturais, também em Paris (1923), e do Congresso internacional para o estudo e a proteção dos pássaros, de 1927, em Genebra, Suíça.

Foi neste cenário, favorável à emergência de vozes pioneiras, que apareceram contribuições fundamentais para a idéia da sustentabilidade. Uma referência essencial nesse sentido é Henry David Thoreau, para alguns autores o primeiro “ecologista”, no perfil que o termo assumiu.

Thoreau nasceu a 12 de julho de 1817, e sempre viveu na pequena cidade de Concord, no estado de Massachusetts. Era leitor compulsivo da literatura oriental e dos clássicos, que forneceram a base de sua proposta de vida simples e amor à natureza, radicalizada quando decidiu construir uma pequena casa às margens do lago Walden.

Por recusar-se a pagar impostos – que na sua opinião eram utilizados pelo governo em atividades bélicas – Thoreau foi preso. A escravidão, a militância partidária e a situação dos índios foram devidamente denunciados por Thoreau, que morreu em 1862. Defesa do meio ambiente natural e das vítimas humanas do modelo de desenvolvimento predador.

O período em que Thoreau viveu foi marcado por um dos maiores genocídios da história, ocorrido nos Estados Unidos. Populações indígenas inteiras foram dizimadas, como aconteceu com os Navajo, que ficaram reduzidos a poucos sobreviventes a partir de 1864. O exemplo de Thoreau, que protestava com suas atitudes pacíficas contra esse estado de coisas, ficou marcado na história como o do poder das idéias contra as armas.

Seu estilo de escrever é cortante, cheio de ironia, como nessa passagem para muitos profética…: “O que é este governo americano senão uma tradição, embora recente, que se empenha em passar inalterada à posteridade, mas que perde a cada instante algo de sua integridade? Não possui a vitalidade e a força de um único homem vivo, pois pode dobrar-se à vontade deste homem. É uma espécie de arma de brinquedo para o povo, mas nem por isso menos necessária, pois o povo precisa ter algum tipo de maquinaria complicada, e ouvir sua algazarra, para satisfazer sua idéia de governo”.

O seu livro “Walden, a vida nos bosques”, é a apologia da vida simples, junto à natureza, consumindo-se apenas o que realmente é necessário. Uma vida não competitiva e, portanto, não-violenta. Não por acaso, Thoreu foi uma fonte de inspiração para muitos apóstolos da não-violência, como Leon Tolstoi (1828-1910) e o próprio Mahatma Gandhi (1869-1948).

É notável a influência de Thoreau através dos tempos, pelo frescor de suas idéias, que permanecem novas, porque ainda dizem muito a respeito de como deve e pode ser uma vida simples e feliz. Em 1907 o poeta espanhol Antonio Machado (1875-1939) escreveu um comentário sobre “Walden”, assim encerrando o artigo: “Leiam, pois, intelectuales espanhõis, se ainda não o  haveis aprendido de memória, o livro deste inflectual que sonhou como latino e como saxão pôs em prática o seu sonho”. Ainda sob o impacto da barbárie da Segunda Guerra Mundial, em 1948 B.F.Skinner (1904-1990) publicou “Walden Dois”, narrativa sobre utopia humanista, baseada em Thoreau.

Como um dos indicadores mais recentes da permanência do pensamento de Thoreau, em 7 de junho de 2004, na cidade do México, foi inaugurada a cátedra Henry David Thoreau, na Faculdade de Filosofía e Letras da Universidad Nacional Autônoma do México (UNAM). Mais um tributo à contribuição de Thoreau, que continua sendo referência para uma nova forma de pensar e viver a vida. Uma vida que, se espera, no século 21 seja sustentável, para a garantia de continuidade da própria vida. (Por José Pedro Martins, in “Terra Cantata – Uma história da sustentabilidade”)

Sobre José Pedro Soares Martins

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