Entre 1976 e 1979, enquanto pesquisava para sua tese de doutorado, Evaristo Eduardo de Miranda conviveu no Níger, ao Sul do Saara, com várias etnias, e de membros de uma delas, os tuaregues, ouviu expressões surpreendentes – para um ocidental – sobre o deserto, um ecossistema que, para eles, representa melhor qualidade de vida do que uma floresta. Vivências como essa, que contribuíram para Miranda compreender como as questões sociais e ambientais são complexas, são relatadas no livro “A Geografia da Pele” (Editora Record), que tem lançamento nacional em Campinas nesta segunda-feira, 14 de setembro, a partir das 19 horas, na Livraria Cultura do Shopping Center Iguatemi. O evento terá início com um bate papo entre Miranda e o jornalista Fernando Kassab, no piso térreo da livraria.
Miranda foi para a África pesquisar para a tese de doutorado em Ecologia na Universidade de Montpellier, da França, onde também fez mestrado. O propósito era analisar a relação entre os desequilíbrios agrícola e ecológico, estudo até então inédito. A questão ambiental era apenas emergente na época. Ela passou a ter visibilidade com a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente Humano, em Estocolmo, de 1972.
O jovem paulistano levava na bagagem algumas ideias preconcebidas sobre a África, que logo foram contestadas pela realidade, vivida junto aos tuaregues, aos hauçás e aos fulanis, sob o céu límpido do deserto e entre as choupanas de palha, cabras, ovelhas, camelos e uma diversidade de costumes, crenças e valores. Não demorou muito para o pesquisador verificar como as relações sociais é que definem a relação do ser humano com a natureza.
Para os tuaregues, por exemplo, o deserto é o ecossistema ideal para se viver, e não a floresta, que cobria a região anteriormente. Para os membros dessa etnia, o deserto “é uma maravilha plana, dá para viajar de camelo de lá para cá”, e de vez quando, com as chuvas raras, aparece “uma graminha rala, maravilhosa”. Já a floresta seria “muito perigosa, com seus animais, suas doenças, os ladrões escondidos nas árvores, que dificultam ir daqui para ali”.
Essa visão diferenciada da natureza e da vida, que cultivou no contato com a África, Evaristo Eduardo de Miranda levaria para sua vida profissional no Brasil. Em função das experiências adquiridas em solo africano, foi convidado para coordenar a implantação da Embrapa Semiárido em Petrolina (PE). Depois, ajudou a montar a Embrapa Meio Ambiente, em Jaguariúna, e a Embrapa Monitoramento por Satélite, em Campinas, unidade que voltou a chefiar recentemente.
Pela Embrapa, Miranda realizou e coordenou pesquisas em todos os estados do Brasil, além de dirigir os primeiros programas de estudos agroecológicos e socioeconômicos em propriedades rurais no Nordeste e na Amazônia e seu monitoramento por satélites. Em todo esse percurso, sempre a perspectiva de que a realidade, social, ambiental, política ou cultural, sempre é mais complexa e dinâmica do que as aparências podem indicar.
Miranda é contundente, inclusive, em criticar “o primarismo” com que algumas questões ambientais continuam sendo tratadas. “Existem visões equivocadas até na educação ambiental”, adverte, citando como exemplo a recente crise hídrica, que atinge grande parte do Sudeste brasileiro. “Existe muita confusão, por exemplo com a noção de que apenas ações como fechar a torneira enquanto se escova o dente são suficientes para equacionar o dilema da água”, ele protesta.
De modo geral, o pesquisador entende que houve evolução no tratamento das questões ambientais. “Passamos da fase da denúncia para a ação, para o que deve ser feito”, comenta, apenas lamentando os citados “primarismos” que vigoram em algumas situações, 43 anos depois da Conferência de Estocolmo e nas vésperas da decisiva Conferência do Clima, em Paris, no final do ano.
Evaristo já publicou dezenas de livros, e recebeu prêmios como o Prêmio do Mérito Agropecuário da Câmara dos Deputados, a Ordem do Rio Branco do Itamaraty e o Prêmio Abril de Jornalismo na Categoria Ciências. E por que a decisão de publicar “A Geografia da Pele” agora?
Ele conta que, em sua vida compartilhada com a etnia hauçá, seus membros decidiram lhe revelar alguns segredos sobre sua produção agrícola, alguns costumes secretos e o destino de seus cereais. Com a condição, entretanto, de que esses segredos permaneceriam guardados por 28 anos. O estudioso cumpriu a promessa, não incluindo informações que levantou nem em sua tese de doutorado. “Agora, o mestre do tempo me autoriza falar, nesse livro”, completa Evaristo Miranda. (Por José Pedro Martins)