As incertezas relacionadas ao El Niño e ao clima em geral, motivo de estudos de órgãos como a norteamericana NASA, foram determinantes para a decisão de adiamento para maio de 2017 da nova outorga para que a Sabesp gerencie o Sistema Cantareira, responsável por cerca de 50% do abastecimento na Grande São Paulo. Essa decisão foi tomada no início desta semana, em reunião com a presença da Agência Nacional de Águas (ANA), federal, e Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), estadual, entre outros órgãos. Com esse adiamento, a operação do Cantareira, incluindo a liberação de água para a região de Campinas, nas bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), continua sendo definida por comunicados conjuntos da ANA e do DAEE, o que vem ocorrendo desde que o Sistema passou a operar em Volume Morto em 2014.
A primeira outorga para a Sabesp operar o Sistema Cantareira durou 30 anos e terminou em 2004. Foi então definida uma nova outorga, de dez anos, que expirou portanto em 2014. Na definição da nova outorga, foram indicadas condições que a Sabesp e o governo de São Paulo na prática não executaram, como um plano de contingência em caso de ameaças ao Sistema e a busca de alternativas para a sua alimentação, de modo que o Cantareira não continue dependente apenas das águas extraídas nas bacias PCJ, onde está a região de Campinas – Piracicaba.
Uma nova outorga seria concedida em 2014, mas a definição foi adiada em função da crise hídrica. O Sistema Cantareira vem operando à base do Volume Morto desde o ano passado. Uma nova outorga seria definida até 30 de novembro de 2015, mas agora o prazo é novamente estendido.
Impacto do clima – Divergências de opiniões sobre a nova outorga foram importantes para a decisão sobre o adiamento. Governo estadual e Sabesp têm defendido posições diferentes do conjunto das bacias PCJ, onde está a região de Campinas e Piracicaba (ver artigo “Divergências provocam adiamento para 2017 da renovação da outorga do Sistema Cantareira”, ontem na Agência Social de Notícias: http://agenciasn.com.br/arquivos/4860 ) Entretanto, As incertezas climáticas também foram determinantes para a decisão sobre o adiamento da outorga.
Meteorologistas e órgãos gestores de recursos hídricos trabalham no momento com duas hipóteses climáticas, impactando o futuro da água na Grande São Paulo, localizada na Bacia do Alto Tietê, e região de Campinas, nas Bacias PCJ, duas das regiões mais ricas e populosas do país. Uma primeira hipótese é a de que o fenômeno El Niño de 2015 pode vir a ser um dos mais fortes dos últimos anos, provocando chuvas intensas na Região Sudeste do Brasil, o que contribuiria para a recomposição dos reservatórios do Cantareira. Esses reservatórios são alimentados com águas da bacia do rio Piracicaba, na região do PCJ.
Estudos da NASA têm indicado essa possibilidade, considerando que a temperatura média do Oceano Pacífico tem ficado entre 2°C e 3°C acima do normal, o que é um indicativo da ocorrência de um El Niño muito forte. As chuvas intensas na Região Sul do Brasil e no Oeste dos Estados Unidos, bem como a seca no Nordeste brasileiro e na Indonésia, seriam possíveis sinalizações dos efeitos do El Niño. Se o fenômeno for confirmado, seria um El Niño mais intenso do que o de 1997/1998. Chuvas fortes teriam enorme efeito na crise hídrica que boa parte do Brasil atravessa.
Por outro lado, também existem estudos apontando uma situação contrária. Haveria a possibilidade ocorrer, como em 2014, uma seca severa, associada com uma vasta área de alta pressão, intensa e muito persistente, situada desde a superfície até a alta troposfera. Como no ano passado, poderia surgir um sistema anticiclônico dominando a circulação atmosférica sobre o Leste da América do Sul e se estendendo desde o nível do mar até a troposfera superior. Seria uma situação típica de anticiclone, afastando a possibilidade de chuvas intensas.
Duas hipóteses climáticas opostas, que podem ou não acontecer. Diante das incertezas, foi adiada a definição sobre a nova outorga do Sistema Cantareira, para maio de 2017, depois, portanto, de eventuais impactos ou do El Niño, com chuvas abundantes, ou de seca ainda mais intensa.
O professor Antônio Carlos Zuffo, do Departamento de Recursos Hídricos da Faculdade de Engenharia Civil da Unicamp, tem participado ativamente das discussões sobre o futuro da água nas Bacias PCJ, incluindo a questão da outorga do Cantareira. Ele entende que a decisão pelo adiamento foi correta. “Haverá mais tempo para a discussão da outorga, em fóruns mais amplos e audiências públicas, com a participação mais efetiva da sociedade”, ele assinala. A mudança de cenário, em função do El Niño ou de uma seca mais intensa, repercutiria nos termos da outorga, daí a necessidade de adiamento, entende o especialista. (Por José Pedro Martins)