Por José Pedro Martins
Com maior biodiversidade e volume de água doce do planeta, e por ter sediado a Rio-92 e Rio+20, o Brasil deveria estar sempre na vanguarda das grandes discussões ambientais globais. No entanto, o país chega novamente fragilizado à COP-21, a Conferência do Clima em Paris, em função da tragédia da lama de resíduos de mineração em Minas Gerais e Espírito Santo (e que chegou ao mar nos últimos dias), da elevação do desmatamento na Amazônia e de um uso cada vez maior de combustíveis fósseis, justamente o oposto do que o evento da capital francesa deve sinalizar.
O grande objetivo da COP-21 é conseguir um grande acordo internacional de redução das emissões que intensificam o efeito-estufa e, portanto, agravam as mudanças climáticas. O propósito é que o corte nas emissões seja suficiente para que a temperatura média global seja de no máximo dois graus centígrados até o final do século 21, meta que a própria ONU já indicou ser muito difícil de ser atingida (ver notícia na Agência Social de Notícias: http://agenciasn.com.br/arquivos/4922 ). Um dos pontos centrais da discussão, apontada por cientistas é ambientalistas, é a necessidade de menor subsídio e, portanto, menor incentivo ao uso de combustíveis fósseis.
Pois é justamente a questão das emissões e dos subsídios que representa o “calcanhar de Aquiles” da posição brasileira na COP-21. O Brasil apresentou à Convenção das Mudanças Climáticas a proposta de redução de 37% das emissões até 2025 e de 43% até 2030, em relação a 2005. Para atingir essas metas, o país – segundo a proposta oficial do governo brasileiro – pretende investir na redução do desmatamento, no replantio de matas e em fontes renováveis de energia.
Com relação ao desmatamento e às fontes renováveis de energia as notícias não têm sido boas para o Brasil. Em função de várias ações, do governo e da sociedade civil, de fato houve redução do desmatamento na Amazônia entre 2005 e 2014, depois do recorde de 27.423 quilômetros quadrados desmatados em 2004. Justamente em 2004 o Brasil teve a maior emissão de CO2 equivalentes, de cerca de 2,8 bi de toneladas CO2e, segundo estimativas do SEEG (Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa), do Observatório do Clima.
Desde então o desmatamento na Amazônia caiu, até atingir 5.012 km2 entre julho de 2013 e agosto de 2014, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Neste período, também houve queda nas emissões brasileiras de CO2e. Em 2013 as emissões foram de 1,571 bi de toneladas de CO2e, e em 2014, de 1,558 bi de ton de CO2e, ainda segundo o SEEG.
Pois entre julho de 2014 e agosto de 2015 o desmatamento na Amazônia voltou a crescer, em 16% em relação ao período anterior: foram 5.831 km2 desmatados, conforme o INPE. Se essa tendência permanecer, as emissões brasileiras voltam a crescer. A ministra do Meio Ambiente, Izabela Teixeira, culpou os Estados do Amazonas, Mato Grosso e Rondônia (que aumentaram o desmatamento em 54%, 41% e 40%, respectivamente, em relação ao ano anterior) pelo incremento do desmatamento. “É incompreensível, pois esses Estados receberam R$ 220 milhões do governo federal para modernizar seus sistemas de licenciamento e fiscalização e agora apresentam esse resultado”, lamentou Izabella Teixeira, em entrevista na semana passada, na apresentação dos novos índices.
Maior uso de fósseis – Limpar ainda mais a matriz energética brasileira, um dos caminhos para o país reduzir as emissões de gases-estufa, tem-se tornado um desafio cada vez maior. Desde 1973, o ano do choque do petróleo que abalou a economia mundial, a matriz energética brasileira se tornou mais “suja”, com maior presença de combustíveis fósseis. Ainda assim, depois de quatro décadas a matriz energética do Brasil é quatro vezes mais “limpa” do que a média mundial. Os dados estão no relatório Energia no Mundo – Matrizes Energéticas – Matrizes Elétricas 2012-2013, publicado pelo Ministério das Minas e Energia (MME).
Segundo o documento, o conjunto de energias renováveis (hidráulica e outras) somou 41% da matriz energética em 2013, contra 50,9% em 1973. Nesse período a matriz energética ficou, portanto, mais “suja”, pelo aumento da presença de combustíveis fósseis, e principalmente do gás, que ampliou sua proporção de 0,4% para 12,8%, e do carvão, com crescimento de 3,1% para 5,6%.
A participação do óleo diminuiu de 45,6% para 39,3% e nesse período foi adicionada a energia nuclear, que hoje representa 1,3% da matriz energética. Além dos 12,5% da energia hidráulica na matriz energética em 2013, o grupo das renováveis somou os 16,1% de produtos da cana, 8,3% de lenha e carvão e 4,2% de biodiesel e outros.
Nos últimos anos, em função da crise hídrica o Brasil passou a usar com mais intensidade as termelétricas movidas a combustíveis fósseis para gerar eletricidade. Ou seja, a tendência é a de que a matriz energética fique ainda mais “suja” no Brasil, ao contrário do que deve apregoar a COP-21 em Paris.
Subsídios aos fósseis – E ainda há a questão dos subsídios aos fósseis, um dos temas mais delicados da COP-21. Um documento divulgado por ocasião da reunião do G20, realizado dias 15 e 16 de novembro, na Turquia, revelou que o Brasil gasta US$ 5 bilhões (mais de R$ 19 bilhões) anuais em subsídios com combustíveis fósseis. (Ver detalhes na Agência Social de Notícias: http://agenciasn.com.br/arquivos/5033)
O documento “Empty promises: G20 subsidies to oil, gás and coal production” (“Promessas vazias: o subsídios do G20 para a produção de petróleo, gás e carvão”) foi elaborado pelo Overseas Development Institute, de Londres, e o Oil Change International, de Washington, e revelou que o G20 – que reúne as 20 maiores economias do mundo – é responsável pela destinação de US$ 452 bilhões anuais em subsídios para os combustíveis fósseis. Reduzir drasticamente esses subsídios, para as duas organizações, é um grande passo para a redução das emissões de gases que contribuem para as mudanças climáticas.
Conforme o estudo, com relação aos subsídios no Brasil, estimados US$ 2,564 bilhões são destinados como subsídios para combustíveis fósseis na esfera da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). A segunda maior fonte de subsídios a fósseis no Brasil, pelo estudo, é a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), com US$ 1,945 anuais. A CCC foi criada em 1973 de modo a subsidiar a energia elétrica gerada nos chamados “sistemas isolados”, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste, e que são basicamente termelétricas movidas a combustíveis fósseis.
A CCC é cobrada do setor elétrico brasileiro, como forma de garantir o fornecimento de eletricidade a áreas mais distantes daquelas regiões. Com US$ 299 milhões anuais, o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura da Indústria Petrolífera nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (Repenec) é a terceira maior fonte de subsídios aos fósseis no Brasil.
O Brasil também chega à COP-21 sob a intensa repercussão mundial derivada da tragédia da lama de resíduos de mineração procedente do rompimento de barragem em Mariana (MG). O setor de mineração é intensivo no uso de combustíveis fósseis.
Resta ao Brasil ser firme nas negociações, pela defesa, entre outros pontos, da manutenção do princípio das “responsabilidades comuns, mas diferenciadas”. Por este princípio, os países que historicamente mais emitiram gases-estufa devem dar maior parcela de contribuição nos cortes necessários. Caso dos Estados Unidos e da União Europeia, historicamente os maiores emissores, nos últimos anos ultrapassados pela China. O futuro em xeque (ou em cheque?).