Chegou o momento de Campinas finalmente saldar uma dívida histórica com um de seus principais personagens, com a inauguração, nesta quinta-feira, 12 de maio, às 19 horas, das exposições “O Olhar de Hercule Florence sobre os índios brasileiros” e “A viagem fluvial de Hercule Florence”. As exposições, no Museu de Arte Contemporânea de Campinas (MACC) e Biblioteca Pública Municipal, respectivamente, reúnem o importante acervo iconográfico e notas de viagem produzidos por Florence durante a Exposição Langsdorff. Entretanto, os eventos assumem uma dimensão maior para a cidade, pela oportunidade que tem de conhecer um pouco mais da biografia e obra desse misto de cientista, inventor e artista, responsável por importantes inovações e um precursor daquele que viria a ser um dos principais polos científicos e tecnológicos do Brasil.
“O Olhar de Hercule Florence sobre os índios brasileiros” esteve anteriormente em cartaz na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, na Universidade de São Paulo (de maio a agosto de 2015), está seguindo em 2016 um roteiro pelo interior paulista, começando pelas cidades de Tupã, agora Campinas (12/05 a 12/06) e depois Ribeirão Preto (17/06 a 07/09/2016).
Com curadoria, pesquisa e textos de Glória Kok (Museu de Arqueologia e Etnologia da USP), Francis Melvin Lee (Instituto Hercule Florence) e Marília Xavier Cury (Museu de Arqueologia e Etnologia da USP), a exposição reúne cerca de 150 itens, entre desenhos, pinturas, objetos, fotografias, vídeos, livros e mídias digitais que apresentam um panorama histórico e social dos povos Apiaká, Munduruku, Bororo, Guaikuru (atualmente Kadiwéu), Kayapó (hoje Panará), Coroado (Kaingang), Xavante Paulista, Guaná e Guató, e documentam as dinâmicas destes grupos.
A realização é do Instituto Hercule Florence (IHF), com apoio do Programa Incentivo à Cultura do Estado de São Paulo (ProacSP), Governo de São Paulo, MACC e Prefeitura de Campinas. Os organizadores esperam que o resgate histórico dos 190 anos que separam os registros oitocentistas de Hercule Florence e a situação atual possa contribuir para uma perspectiva futura sobre a situação indígena no Brasil. Para Campinas, é o momento de resgatar a trajetória de uma figura fundamental para se entender a construção da cidade, e particularmente sua estruturação como polo de pesquisa e desenvolvimento.
Por sua vez, “A viagem fluvial de Hercule Florence” é uma introdução e contextualização à exposição “O Olhar de Hercule Florence sobre os Índios Brasileiros”, tendo a curadoria de Marina Woisky e Francis Melvin Lee (Instituto Hercule Florence) e traz cerca de 35 reproduções de imagens e notas de viagem de autoria de Hercule Florence, realizadas durante sua participação na Expedição Langsdorff.
Cientista e artista – Nascido em Nice, na época italiana e hoje na França, em 1804, Antoine Hercule Romuald Florence herdou do pai a vocação para o desenho. Apaixonado pelo mar, e iluminado pelas aventuras de Robinson Crusoé, aos 18 anos se alista na Marinha. Em 1824 já está no Rio de Janeiro, trabalhando como livreiro, vendedor de roupas e tipógrafo, ofício que seria muito útil, depois, em sua estadia em Campinas.
Em 1825, Florence é recrutado para uma das mais importantes e turbulentas expedições científicas realizadas no Brasil Imperial, aquela liderada pelo conde e naturalista russo Georg Heinrich von Langsdorff. Até 1829, Florence foi um dos responsáveis pelo registro iconográfico da exposição que percorreu 13 mil quilômetros de vários estados e fez uma relevante documentação etnográfica e geográfica do “Brasil profundo”. Inicialmente o desenhista principal foi Johann Rugendas, papel depois assumido por Aimé Adrian Taunay.
A expedição foi marcada por tragédias. Em 1828, Taunay se afogou no rio Guaporé, no Mato Grosso. O próprio Langsdorff foi vítima de doenças tropicais, o que acabou inviabilizando a publicação dos achados científicos da forma como tinha sido idealizado.
Em 1830 Florence já está na Vila de São Carlos, o nome de Campinas até 1842. Ele se casa em primeiras núpcias com Maria Angélica Álvares Machado e torna-se inicialmente comerciante. Depois será proprietário rural.
Não havia tipografia, ainda, na Vila, e Florence desenvolve o próprio método, a Polygraphie. Ele também é precursor da ciência de registrar os sons dos pássaros, que denominou Zoophonie. Em 1858, sua tipografia imprimiu o primeiro jornal de Campinas, “Aurora Campineira”.
Mas a sua maior invenção, provavelmente entre 1832 e 1833, já morando em Campinas, foi a fotografia, pelos estudos pioneiros que realizava, de forma simultânea com nomes como Louis Daguerre (1787-1851). Morando no interior do Brasil, em uma época não muito aberta a inovações, Florence acabou não tendo o reconhecimento devido, como teve Daguerre em solo europeu.
Florence casou-se em segundas núpcias com Carolina Krug, nascida em 1828 em Kassel, na Alemanha, e desde 1852 residindo em Campinas. Em 3 de novembro de 1863 o casal inaugura o Colégio Florence, um marco na história da educação local, e que em 1889 será transferido para Jundiaí, em função da febre amarela que devastou Campinas.
Hercule Florence morreu em 27 de março de 1879. Seu nome e obra são muito citados e conhecidos no meio intelectual e acadêmico e entre os profissionais da fotografia, mas de forma geral Campinas ainda não conhece e reconhece devidamente o seu trabalho. O Festival de Fotografia de Campinas “Hercule Florence”, que já soma nove edições, sob a coordenação e curadoria do fotógrafo Ricardo Lima, é uma das únicas iniciativas que lembram à altura o importante inventor. Mas a cidade ainda pode fazer muito mais. As exposições que abrem nesta quinta-feira, 12 de maio, no MACC “José Pancetti” e Biblioteca Municipal “Professor Ernesto Manuel Zink”, podem ajudar a começar a mudar essa narrativa. (Por José Pedro Martins)
Ouvi falar que o bairro Jardim Florence em Campinas tem esse nome por ser loteamento de uma área rural deste grande fotógrafo, é verdade?