A demolição, neste final de semana, de um casarão antigo, onde funcionava um hotel, na esquina da Rua Dr.Mascarenhas, reiterou os desafios para a proteção e recuperação do importante patrimônio histórico localizado na avenida Andrade Neves. A demolição do prédio, atingido por um incêndio no ano passado e que se encontrava em situação precária, acontece poucos dias depois que a entrega da “nova” avenida Francisco Glicério e o anúncio da construção do Hospital São Luiz, no local onde funcionava a antiga Rodoviária, alimentaram a esperança de revitalização da região central em geral e do patrimônio situado na Andrade Neves de modo especial.
De fato, a avenida Andrade Neves é o endereço de alguns dos mais importantes bens do patrimônio histórico de Campinas, alguns deles já tombados, como o edifício da antiga fábrica de fundição de ferro e bronze, Lidgerwood Maufacturing Company Limited, que estava abrigando o Museu da Cidade. O edifício foi tombado em 1990 pelo Condepacc. Fruto da união de três museus, o Museu da Cidade encontra-se no momento ameaçado, em função da indefinição em torno do futuro do prédio (ver abaixo).
Entre outros bens históricos, a avenida Andrade Neves conta com o Instituto Penido Burnier, fundado em 1920 pelo médico do mesmo nome e que se tornou uma referência nacional e internacional em oftalmologia. Também encontra-se na avenida o prédio da antiga Delegacia de Polícia, que teve projeto do arquiteto Ramos de Azevedo e onde funcionou, a partir de 1896, a Intendência Municipal, a Câmara e o Fórum.
Outro bem histórico, igualmente tombado, no caso pelo patrimônio estadual, é o edifício da Escola Estadual “Orosimbo Maia”, construído em 1911, com projeto de Carlos Rosencrantz. O antigo Grupo Escolar “Orosimbo Maia”, que faz homenagem ao ex-prefeito de Campinas, foi construído no momento em que a chamada Primeira República fomentou a educação pública. O edifício de dois pavimentos e várias salas merece um cuidado especial e no momento passa pela recuperação de seu teto, muito atingido pelas fortes chuvas de 5 de junho.
Na esquina das avenidas Andrade Neves e Barão de Itapura, encontra-se o terreno onde encontrava-se a Rodoviária de Campinas, construída em terreno da Maternidade e inaugurada em 1976. No dia 28 de março de 2010, o prédio da Rodoviária foi objeto da primeira implosão registrada na cidade. Uma nova Rodoviária foi construída e houve muita especulação sobre como seria ocupado o local onde estava a antiga.
No último dia 21 de junho, foi anunciada pelo prefeito Jonas Donizette a confirmação do início de construção, no espaço da antiga Rodoviária, do Hospital São Luiz, pela Rede D’Or. Foram anunciados 400 leitos, 75 UTIs e 10 salas de cirurgia. O investimento está estimado em R$ 200 milhões.
O anúncio do hospital, associado à entrega do novo trecho da avenida Francisco Glicério, recuperado a partir de projeto da arquiteta e urbanista Maria Rita Amoroso, resgataram a esperança de revitalização do centro de Campinas em geral e da avenida Andrade Neves em particular. Seria um tributo em especial a Ramos de Azevedo, que dá nome a uma praça humilde, mal conservada, na própria Andrade Neves, quase em frente ao terreno onde estava a Rodoviária implodida. Mas a recente demolição de mais um casarão antigo na avenida (atingido por um incêndio em junho de 2015 e em razão do episódio interditado pela Defesa Civil) e as incertezas que cercam o destino do Museu da Cidade mostram que os dilemas sobre o patrimônio histórico de Campinas continuam. (Por José Pedro Martins)
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Futuro do Museu da Cidade é incerto
A inquietação continua em Campinas com o futuro do Museu da Cidade, uma instituição municipal que está sediada, em regime de comodato, em prédio histórico pertencente à Companhia Paulista de Obras e Serviços (CPOS). É uma empresa ligada ao governo de São Paulo, responsável pelas soluções de engenharia elaboradas para os órgãos da administração direta e indireta da administração estadual.
Entre as atividades da CPOS destacam-se: gerenciamento de obras, conservação e ampliação de edifícios, reformas, desenvolvimento de projetos, vistoria de terrenos, laudos de avaliação, regularização imobiliária, processamento de licitações, estudos ambientais e gestão do licenciamento ambiental.
No prédio onde está abrigado o Museu da Cidade funcionava a fábrica da Lidgerwood, uma das primeiras indústrias de Campinas, que começou a operar em 1886. Um século depois, em 1987, a ameaça de derrubada do prédio gerou um forte movimento preservacionista, com ativa participação do arquiteto e ex-prefeito Antônio da Costa Santos, que resultou na criação do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc).
Em 1990 o prédio da antiga Lidgerwood foi tombado pelo próprio Condepacc e depois restaurado pelas arquitetas Sandra Geraldi e Anna Villanueva. Agora a CPOS deseja reaver o prédio e com isso o futuro do Museu da Cidade fica incerto.
O Museu da Cidade foi criado, em 1992, a partir da fusão do acervo de três museus existentes no Bosque dos Jequitibás: Museu Histórico, Museu do Folclore e Museu do Índio. Tem, portanto, uma enorme importância histórica para Campinas, em função da manutenção de um acervo material vasto e eclético, organizando-se em coleções de arqueologia, arte plumária e cestaria, objetos e quadros que datam do século XIX e doações recente.
As coleções de arqueologia, de arte plumária e cestaria são compostas por objetos recolhidos em Sambaquis e expedições a comunidades indígenas do Centro – Oeste e Norte brasileiro realizadas pelo professor Desidério Aytai e os alunos do curso de Ciências Sociais da PUCCAMP no final da década de 1950 e durante a década de 1960. Além destas, existem coleções que relacionam – se com antigas instituições da cidade como Bloco Carnavalesco Azul e Branco, Escola Estadual Culto à Ciência, entre outras.
As incertezas sobre o futuro do Museu da Cidade motivaram um movimento entre artistas, produtores culturais e organizações sociais de Campinas. Um debate público sobre o tema aconteceu no último dia 28 de junho, na Câmara Municipal, por iniciativa do vereador Gustavo Petta, motivado por uma discussão promovida pela Associação dos Amigos do Museu da Cidade.
Participaram, entre outros, o historiador Célio Turino (que destacou a importância dos museus como espaços vivos de preservação da memória e difusão cultural), Mary Ângela Biason (representando a Secretaria Municipal de Cultura) e o presidente da Associação Amigos do Museu da Cidade, João Garboggini, e muitos artistas, gestores e produtores culturais. A Associação dos Amigos do Museu da Cidade vai liderar a continuidade da discussão. A ideia é apresentar alternativas de ordem jurídica e política para o poder público municipal de Campinas, visando a continuidade da titularidade do município sobre o prédio da Lidgerwood e manutenção da sede do Museu da Cidade. [/box]
Cenas do debate sobre o Museu da Cidade