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Debates sobre futuro da água na região de Campinas e Piracicaba têm pequena participação popular
Reunião técnica pública sobre renovação da outorga do Sistema Cantareira, na CATI, em Campinas (Foto José Pedro Martins)

Debates sobre futuro da água na região de Campinas e Piracicaba têm pequena participação popular

Apesar da forte estiagem de 2014 e 2015, que confirmou a enorme vulnerabilidade do abastecimento hídrico, os debates sobre o futuro da água na região de Campinas e Piracicaba estão apresentando escassa participação popular. Esse fato preocupante foi reafirmado na sexta-feira, dia 29 de julho, durante reunião pública sobre a renovação da outorga do Sistema Cantareira, realizada no auditório da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), em Campinas.

A região de Campinas e Piracicaba está localizada nas bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ). Essa região com mais de 5 milhões de pessoas e enorme atividade industrial há anos enfrenta a vulnerabilidade do sistema de abastecimento de água. Há muito consumo de água, pelas áreas urbanas e setor industrial, mas com uma disponibilidade hídrica cada vez menor.

Durante o período de inverno, como o atual, a disponibilidade hídrica nas bacias PCJ fica ainda mais grave, com índices equivalentes aos de países secos do Oriente Médio. E a tendência é de cenário pior a cada ano, em razão das mudanças climáticas que estão acontecendo no planeta.

Em 2015, a disponibilidade hídrica nas bacias PCJ foi de 298,70 metros cúbicos por habitante/ano, contra a média de 408 metros cúbicos por habitante/ano em 1996. Os dados são de um estudo do Consórcio Intermunicipal das Bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí e indicaram que a região do PCJ vive mesmo sob estresse hídrico, pelos parâmetros das Nações Unidas.

Além da baixa disponibilidade hídrica, a região das bacias PCJ continuam convivendo com a má qualidade das águas em muitos trechos de diversos rios, em razão principalmente dos esgotos urbanos lançados sem tratamento nos corpos d´água. A área das bacias PCJ foi uma das que mais avançaram em tratamento de esgotos urbanos nos últimos anos no Brasil, chegando a 70% de tratamento, mas ainda falta muito para ser atingido o índice ideal. A forte crise econômica atual é um agravante, pois repercutirá na diminuição dos investimentos em saneamento, que já são historicamente limitados no Brasil.

Público presente na reunião na CATI, no dia 29 de julho em Campinas (Foto José Pedro Martins)

Público presente na reunião na CATI, no dia 29 de julho em Campinas (Foto José Pedro Martins)

Mesmo com essas perspectivas nada positivas para uma região populosa, rica e muito industrializada, a participação popular tem sido reduzida nas discussões mais estratégicas sobre o futuro da água nas bacias PCJ. Isto está ficando claro nos eventos do calendário de renovação da outorga do Sistema Cantareira, como no caso da reunião técnica pública de ontem em Campinas.

O Sistema Cantareira é formado por reservatórios alimentados com águas da bacia do Piracicaba. Esses reservatórios fornecem água para o abastecimento de metade da Grande São Paulo e também contribuem para o abastecimento na região de Campinas. Está em discussão uma nova outorga, ou seja, uma nova autorização para a Sabesp continuar gerenciando o Sistema. Como noticiou a Agência Social de Notícias (aqui), a reunião de Campinas expôs os sérios conflitos que cercam a renovação da outorga.

Mas o encontro na CATI também comprovou outro dado muito inquietante, a baixa participação da sociedade civil organizada no processo. Como tem sido comum nesses momentos, estavam presentes representantes do poder público, federal, estadual e municipal, do setor privado e de organizações que já participam há anos da discussão sobre as águas. Participação popular, de organizações não-governamentais ou do chamado cidadão comum, foi mais uma vez muito reduzida, diante da importância dos assuntos em pauta.

Isto, apesar da advertência que o próprio Consórcio PCJ fez antes da reunião. “O Consórcio PCJ acredita ser necessária a participação massiva da comunidade nesses encontros, seja por meio das associações civis organizadas ou da participação individual, independentemente de serem membros ou não dos comitês bacias, para que todos estejam cientes dos acordos que estão sendo discutidos e que os mesmos sejam cumpridos, tanto durante o processo de debate e construção de uma proposta justa para todas as bacias envolvidas, como depois de ser renovada a outorga”, afirmou o Consórcio em comunicado enviado à imprensa.

Trata-se de um dilema que não é novo. Há anos existe a indagação sobre se os órgãos públicos, sobretudo federais e estaduais, que controlam os sistemas de abastecimento, têm real interesse em efetiva participação popular nas discussões. Essa situação se refere, por exemplo, à própria composição dos Comitês de Bacias Hidrográficas, que pela legislação brasileira e paulista são os órgãos que definem, ao menos em teoria, o uso das águas em suas regiões de atuação.

Ocorre que esses comitês, de forma geral, são controlados pelo governo estadual. Sempre houve a queixa de que os usuários, o chamado cidadão comum, não estão devidamente representados nos comitês. Este panorama gera a pergunta sobre se a reduzida participação popular em momentos como o da renovação da outorga do Sistema Cantareira – um tema que interessa a milhões de pessoas – não é fruto de uma estrutura que não estimula a real presença popular e cidadã nos órgãos que teoricamente deveriam decidir o futuro desses milhões de moradores.

Ainda haverá duas audiências públicas no processo de renovação da outorga do Cantareira. Seria muito saudável uma maior participação cidadã nesses momentos, assim como na mobilização pela democratização de fato das decisões nos comitês de bacias hidrográficas e outros órgãos públicos. Sem o controle social, os cidadãos ficarão a mercê do que interesses poderosos decidirem. O que está em jogo é a qualidade de vida da população. (Por José Pedro Martins)

 

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