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LISBOICES: Viúvo de Variações
António Variações: do campo para os holofotes de Lisboa e do mundo (Foto Divulgação)

LISBOICES: Viúvo de Variações

Por Eduardo Gregori
O Brasil vive uma situação injusta com Portugal. Me ajudem a pensar em nomes da política, das artes, ou do esporte português. Amália Rodrigues, Camões, mais atualmente as fadistas Carminho e Mariza, ou o ator da Rede Globo Ricardo Pereira. Consegue lembrar de mais alguém?
Só percebi essa situação quando cá cheguei. Portugal fala com orgulho do Brasil e intitula o nosso país como o maior do mundo onde se fala a língua que saiu nas caravelas até desembarcar na Terra de Vera Cruz.
A eleição presidencial no Brasil ainda tem imensa cobertura da imprensa. E esse lado do Atlântico preocupa-se sobre o futuro do nosso país.
Chico, Gil, Caetano, Simone, Ney Matogrosso, Ivan Lins, Antonio Fagundes, Regina Duarte e tantos outros artistas brasileiros são amados pelo público português. O show de Gil nos Jardins da Torre de Belém, por exemplo, foi um dos eventos mais concorridos este ano em Lisboa.
Fico a pensar numa retribuição e reverência que não temos do lado brasileiro. Quando liguei pela primeira vez a televisão e ouvi pela primeira vez o rádio aqui, descobri um mundo que falava e cantava em português que eu jamais imaginava que existisse.
Me apaixonei de cara por Marisa Lins, vocalista da banda Amor Electro. Um som e um visual moderno, tão bom ou melhor que muitas bandas que tocam nas rádios do Brasil e do mundo. E tem tanta gente, boa: a loira com ar de diva Aurea, Antonio Carreira, uma versão lusa de Roberto Carlos e a doce e meiga cantora Carolina Deslandes.
E sem falar de um numero sem fim de novos artistas e da cena eletrônica, uma das mais incríveis do mundo. Portugal tem muito para se descobrir além do fado e do Galo de Barcelos.
Nesse quase um ano que estou aqui me apaixonei por outro homem. Um homem de bigode loiro e barba preta, roupas tão estilosas quanto as que eu gosto de vestir e uma voz doce e marcante, além de um corpo deliciosamente másculo.
Livro de Manuela Gonzaga está esgotado

Livro de Manuela Gonzaga está esgotado

Meu marido não tem ciúme, porque meu amor platônico é por António Variações, um homem simples que saiu do campo, no interior de Portugal para os holofotes de Lisboa e do mundo. Foi uma carreira breve, dois discos: Anjo da Guarda (1983) e Dar e Receber (1984), mas que deixou uma marca profunda na música portuguesa e que ecoa até hoje.
Variações misturou muitas referências da música tradicional portuguesa com os sintetizadores, que eram a base da música eletrônica na década de 1980. Um casamento pouco provável, mas que ficou perfeito.
De novo tenho uma sensação de tristeza, a mesma que tive quando passei um tempo de minha vida indo ao Chile e Argentina e conhecendo mais intimamente a música latina. Naquela época, na primeira década dos anos 2000, me apaixonei pela banda argentina Soda Stereo, um furacão que varreu a América do Sul, Central e parte da do Norte, mas que nunca chegou ao Brasil. Cheguei atrasado, Gustavo Cerati, líder do trio, morreu pouco tempo depois de eu me inteirar de sua história e legado.
António Varições morreu há 34 anos, quando seu segundo disco explodia nas paradas com a Canção do Engate, sua mais bela e apaixonada composição. Estou lendo “António Variações, entre Braga e Nova York”, da pesquisadora Manuela Gonzaga, livro que está esgotado. A biografia do cantor reconta sua história e dos lugares que fazia shows em Lisboa, lugares que existem até hoje.
Só assim posso fazer parte de sua plateia. Comprei seus dois discos em vinil em prensagem dos anos 1980. Guardo-os como relíquias e os ouço sempre pela manhã aos sábados, quando estou em casa.
Em plena ditadura, Variações seduziu a todos pelo corpo e pela voz (Foto Divulgação)

Em plena ditadura, Variações seduziu a todos pelo corpo e pela voz (Foto Divulgação)

Me sinto um viúvo de Variações, uma figura que, em plena ditadura, seduziu a todos pelo seu belo corpo e sua doce voz.
Me entristece que uma figura como Variações e tantos outros artistas portugueses não tenham espaço no Brasil. Se fosse diferente, não só Variações, mas outros poderiam mostrar aos brasileiros o quão diversa e maravilhosa é a arte feita em Portugal.

Sobre Eduardo Gregori

Eduardo Gregori é jornalista formado pela Pontifícia Católica de Campinas. Nasceu em Belo Horizonte e por 30 anos viveu em Campinas, onde trabalhou na Rede Anhanguera de Comunicação. Atualmente é editor do blog de viagens Eu Por Aí (www.euporai.com.br) e vive em Portugal

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