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Bienal Naïfs do Brasil, no Sesc Piracicaba, portal para a cultura popular (SISTEMA S E O BRASIL – I)
"Favela", de Carlos Valério (Foto José Pedro S.Martins)

Bienal Naïfs do Brasil, no Sesc Piracicaba, portal para a cultura popular (SISTEMA S E O BRASIL – I)

Por José Pedro S.Martins

O “Início do garimpo de ouro em Cuiabá”, por Albina de Oliveira, mato-grossense também autora de “Ofertas a São Benedito”.  Um retrato dos “Ribeirinhos de Marajó”, do paraense Fernando Araújo. A cena mostrando um “Vendedor e pedinte”, do mineiro Calderari. A imemorial “Benzedeira”, da paulista Shila Joaquim. a lembrança do “Meu Pequizeiro”, da goiana Rosa Domingues.

Esses recortes da vida comum, de carne, sangue e ossos, dos brasileiros dos quatro cantos do país são algumas das obras da 14ª edição da Bienal Naïfs do Brasil, em cartaz até o dia 25 de novembro, no Sesc Piracicaba. Sob o tema geral “Daquilo que escapa”, proposto pelos curadores Ricardo Resende, Armando Queiroz e Juliana Okuda Campaneli, estão expostas 155 obras, dos mais diversos suportes e técnicas, escolhidas entre os 1164 trabalhos de 583 artistas, de 24 estados.

A Bienal Naïf de Piracicaba alcançou essa dimensão após uma trajetória iniciada com a criação em 1986, pela unidade local do Sesc, da Mostra Nacional de Arte Ingênua e Primitiva, como parte do Projeto Cenas da Cultura Caipira. A Mostra somou 38 obras de 19 artistas mas rapidamente a ideia evoluiu, até que em 1992 fosse realizada a primeira edição da Bienal Naïf do Brasil, a principal exposição do gênero em território nacional.

"Festejo de São João", de Célia Santiago (Foto José Pedro S.Martins)

“Festejo de São João”, de Célia Santiago (Foto José Pedro S.Martins)

Uma explosão de criatividade, um panorama multicolorido e comovente do imaginário popular, do Brasil profundo, seja das florestas amazônicas, do agreste nordestino ou de outros cenários no Sul, Sudeste e Centro-Oeste. A Bienal Naïf se tornou um portal para narrativas poéticas, estéticas e políticas, mas sempre carregando no coração a diversidade que embeleza o Brasil.

Em total sintonia, portanto, com o projeto multidisciplinar, pluriétnico e libertário, no sentido da liberdade de expressão, que marca a atuação do Sesc no campo das artes. Assim define Danilo Miranda, diretor do Sesc São Paulo, sobre a iniciativa de décadas da unidade piracicabana:

__ As ideias de liberdade e autonomia, caras em sentido e significado nas ações do Sesc, se traduzem no lastro das catorze edições da Bienal Naïfs do Brasil, iniciativa que, depositária de um legado de reflexão e produção coletiva com o envolvimento de variados atores da área cultural, se constitui ainda como espaço propício na confluência de estímulos aos artistas, para os que se descobrem artistas, educadores, pesquisadores, públicos distintos e envolvidos nesse projeto, abrigando diferentes propostas curatoriais, as visões acerca da arte naïf e suas possíveis reverberações e desdobramentos.

"Sabor brasileiro", de Marilene Gomes (Foto José Pedro S.Martins)

“Sabor brasileiro”, de Marilene Gomes (Foto José Pedro S.Martins)

A Bienal Naïf do Brasil é a soma de todos os afetos e inteligências de muitas pessoas. E aceita divergências, como aquela relacionada ao próprio termo Naïf, durante muito tempo associado à ideia de “arte ingênua”. Na edição atual, uma frase do artista Nilson Pimenta, confirma que a questão é muito polêmica. “Popular sim, ingênuo jamais”, ele avisa.

Obras como “Favela”, em colagem e pintura, do paulista Carlos Valério, ou “Retrato de Famílias”, do paraibano Gildo Xavier, sobre a multiplicidade de arranjos familiares no mundo atual, ratificam que, não, a visão naïf não tem nada de ingênua.

"Santa Ceia Feminina", de Silvia Maia (Foto José Pedro S.Martins)

“Santa Ceia Feminina”, de Silvia Maia (Foto José Pedro S.Martins)

A mostra também inclui obras alusivas aos tantos desafios brasileiros no campo socioambiental, como “Maloca Tucuya”, de Duhigó, do Amazonas, ou “Período de cheia no Pantanal”, do mato-grossense Wender Carlos.

Mas também não faltam as manifestações celebrativas da vida, como em “Festejo de São João”, um trabalho maravilhoso em cerâmica e massa de Célia Santiago, amazonense que mora em Embu, São Paulo. Ou em “Xirê – Dança dos Orixás”, de Arieh, paraense residente em São Paulo.

"Descaso", de Iara Coimbra (Foto José Pedro S.Martins)

“Descaso”, de Iara Coimbra (Foto José Pedro S.Martins)

As vozes latinoamericanas também estão lá, como em “A procissão de inauguração da Igreja São Francisco em 1930″, do nicaraguense Norman Corrales, residente em Boa Vista (RR), ou em “Mercado Naïf”, do haitiano Adolphe, morador em São Paulo.

Um Brasil aberto a sua singularidade, a sua mestiçagem, que conversa com seus irmãos de continente e não tem preconceito e nem intolerância, de qualquer natureza. A Bienal Naïfs do Brasil é o retrato do país que muitos ainda valorizam e teimam em acreditar.

"Goya não imaginava que todo dia seria um Três de Maio diferente", de Matheus Souza (Foto José Pedro S.Martins)

“Goya não imaginava que todo dia seria um Três de Maio diferente”, de Matheus Souza (Foto José Pedro S.Martins)

(Primeira de uma série de reportagens sobre a contribuição do Sistema S para o Brasil, na cultura, na educação, na cidadania, na sustentabilidade).

 

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