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Tribunais Russell e Permanente dos Povos buscam julgamentos justos (DDHH Já – Dia 41, Art.10)
Sessão do Tribunal Permanente dos Povos em Berlim, setembro de 1988 (Foto José Pedro Soares Martins)

Tribunais Russell e Permanente dos Povos buscam julgamentos justos (DDHH Já – Dia 41, Art.10)

POR JOSÉ PEDRO SOARES MARTINS

A busca de julgamentos justos e de justiça de fato para as vítimas de violações graves a direitos humanos é o grande propósito de iniciativas independentes que têm provocado polêmica e impacto na opinião pública mundial. São os casos do Tribunal Russell e do Tribunal Permanente dos Povos, que já promoveram audiências sobre casos de crimes de lesa-humanidade no Brasil.

Essas iniciativas envolvem geralmente organizações da sociedade civil reconhecidas por sua seriedade e, também, juristas, intelectuais e artistas comprometidos com a defesa dos direitos humanos. Os tribunais independentes reúnem-se para avaliar casos de extrema violência e desumanidade.

O Tribunal Russell, por exemplo, que leva o nome do escritor, pacifista, cientista e filósofo galês Bertrand Russell (1872-1970), reuniu-se pela primeira vez em 1967, entre os dias 20 de novembro a 1º de dezembro, em Estocolmo, Suécia, e Roskilde, Dinamarca, para analisar os crimes cometidos na Guerra do Vietnã. O resultado foi uma dura condenação à política externa dos Estados Unidos no conflito.

Integraram o Tribunal, nesta oportunidade, entre outros, os escritores Julio Cortázar, Alice Walker e Simone de Beauvoir, o filósofo Jean-Paul Sartre (um dos organizadores da iniciativa) e o próprio Bertrand Russell, seu presidente de honra, aos 95 anos de idade. O jurista Lelio Basso foi o relator dessa, e também da segunda edição do Tribunal Bertrand Russell.

O Tribunal Russell II aconteceu em março de 1974, em Roma, e julgou as violações contra os direitos humanos cometidas pelos governos militares no Brasil, Chile, Bolívia e Uruguai. Como testemunha de acusação no caso brasileiro atuou o ex-governador Miguel Arraes, deposto pelo governo militar instaurado em 31 de março de 1964.

Foram ouvidas vítimas do governo militar, pronunciadas análises por parte de renomados juristas internacionais e citadas denúncias como as do promotor público Hélio Bicudo, sobre a formação de esquadrões da morte em São Paulo. O uso da tortura, a perseguição aos opositores políticos e a membros da Igreja Católica e a questão dos desaparecidos foram temas do Tribunal Russell II no caso brasileiro.

Entre outros, atuaram como membros do Tribunal Russell II o escritor Julio Cortázar, os Prêmios Nobel Alfred Kastler (Física) e Georges Wald (Biologia), os teólogos George Casalis e Giulio Girardi e James Petras, professor de sociologia da Universidade de New York.

A sentença foi clara: “O Tribunal declara culpados de violações graves, repetidas e sistemáticas dos direitos humanos, as autoridades que de fato exercem o poder no Brasil, no Chile, no Uruguai e na Bolívia”.

Presença maciça de policiais nas ruas de Berlim durante sessão do Tribunal Permanente dos Povos em setembro de 1988 (Foto José Pedro Soares Martins)

Presença maciça de policiais nas ruas de Berlim durante sessão do Tribunal Permanente dos Povos em setembro de 1988 (Foto José Pedro Soares Martins)

Tribunal Permanente dos Povos – Uma das resoluções do Tribunal Russell II foi a criação do Tribunal Permanente dos Povos (TPP), agora sob a liderança de Lelio Basso. Já foram realizadas várias sessões do TPP, muitas delas relacionadas a violações de direitos humanos no Brasil.

Entre os dias 26 e 29 de outubro de 1988 o Tribunal Permanente dos Povos reuniu-se em Berlim, então Alemanha Ocidental, para julgar as políticas do Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial (Bird). Incremento da dívida externa, o impacto do pagamento dessa dívida na vida dos povos do Terceiro Mundo e impactos ambientais eram alguns efeitos dessas políticas, segundo os acusadores.

A sessão do TPP foi realizada de forma concomitante à reunião anual do FMI e Bird, que acontecia em Berlim nos mesmos dias. As ruas de Berlim foram tomadas por pacifistas, ecologistas e representantes de organizações não-governamentais de vários países, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, do Brasil.

Apesar do aparato policial, ruas de Berlim foram tomadas por manifestantes durante encontros do Tribunal Permanente dos Povos, FMI e Banco Mundial em setembro de 1988 (Foto José Pedro Soares Martins)

Apesar do aparato policial, ruas de Berlim foram tomadas por manifestantes durante encontros do Tribunal Permanente dos Povos, FMI e Banco Mundial em setembro de 1988 (Foto José Pedro Soares Martins)

Um enorme aparato militar tomou conta das ruas de Berlim, que já eram militarizadas – os eventos ocorreram um ano antes da queda do muro e da dissolução dos governos comunistas no Leste Europeu. O contingente militar não impediu, contudo, manifestações de ruas e em vários espaços da metrópole alemã.

Atuaram como membros do TPP, entre outros, o escritor uruguaio Eduardo Galeano, o Prêmio Nobel da Paz argentino Adolfo Perez Esquivel, o bispo mexicano Sergio Mendes Arceo (um dos expoentes da Teologia da Libertação) e o belga François Rigaux, que atuou como presidente do Tribunal.

Entre outras situações foram analisados os impactos da dívida externa no Brasil e também das políticas econômicas do FMI e Banco Mundial na vida dos povos indígenas na Amazônia. Nesses casos, atuaram como testemunhas o padre Angelo Pansa (que atuava junto às comunidades indígenas na Amazônia brasileira). o economista Aloisio Mercadante (que depois seria eleito senador) e o economista Paulo Schilling, representante da Comissão Justiça e Paz.

O cancelamento da dívida contraídas pelos países em desenvolvimento, uma ampla conferência internacional para discutir novos rumos para o FMI e Banco Mundial e que essas instituições, renovadas, promovam o desenvolvimento e não mais a violação de direitos de comunidades locais e os impactos ambientais. Estas sugestões estavam contidas na decisão final (aqui, em italiano) da reunião de Berlim do Tribunal Permanente dos Povos.

Muro de Berlim, em pé em setembro de 1988: um ano depois ele seria derrubado (Foto José Pedro Soares Martins)

Muro de Berlim, em pé em setembro de 1988: um ano depois ele seria derrubado (Foto José Pedro Soares Martins)

Crianças brasileiras – Entre os dias 17 e 19 de março de 1999 o Tribunal Permanente dos Povos reuniu-se no Memorial da América Latina, em São Paulo, para julgar “A Violação dos Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente no Brasil”. Várias organizações, como Ordem dos Advogados do Brasil, Conselho Federal de Psicologia, Universidade São Francisco e PUC-São Paulo, contribuíram na organização do evento. Centrais sindicais italianas colaboraram para viabilizar a sessão.

Atuaram como jurados nessa sessão do TPP: Dr. Philippe Texier , Magistrado e Membro da Comissão Nacional Consultiva dos Direitos do Homem, França. •Dr. Giorgio Gallo, Engenheiro e Porta-Voz da Rete Radié Resch, Itália. •Dr.ª Maria Catalina Batalha Pestana, Doutora em Psicologia Educacional e Diretora do Plano para a Eliminação do Trabalho Infantil do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, Portugal. •Dr.ª Melita Cavallo, ex-presidente da Associação Italiana dos Magistrados pelos Menores e pela Família, Professora, Itália. •Deputada Federal Luiza Erundina de Sousa, ex-prefeita do Município de São Paulo, Professora Universitária de Serviço Social, Brasil. •Dr. Dirceu Aguiar Cintra Junior, Magistrado, Presidente da Associação Juízes para a Democracia, Brasil. •Sr.ª Margarida Genevois, ex-presidente da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, Membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil, Brasil. •Dr. Idibal Piveta, advogado e teatrólogo, membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de São Paulo, Brasil. •Dr. Edson Ulisses de Melo, advogado e ex-presidente da Seccional de Sergipe da Ordem dos Advogados do Brasil, Brasil. •Pe. Joacir Della Giustina, padre e Coordenador Geral da Pastoral do Menor da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil, Brasil.

Denúncias de incremento da exploração sexual infantil, do trabalho infantil, de casos de crianças e adolescentes vítimas de drogas e de aumento da presença de meninos e meninas nas ruas motivaram a realização da sessão especial do Tribunal Permanente dos Povos no Brasil.

“Com base em todos esses elementos o Tribunal considerou comprovadas as denúncias, relativamente às infrações graves de direitos, reconhecendo que o governo brasileiro tem obrigações jurídicas que não está cumprindo, caracterizando-se a culpa do governo por dolo e negligência, estando comprovados também os prejuízos decorrentes desse comportamento contrário ao direito”, afirmava o TPP em sua sentença (aqui) sobre o caso. O Tribunal fazia então uma série de recomendações ao governo brasileiro e demais instâncias para o fim das múltiplas violências contra crianças e adolescentes no país.

Assim, o Brasil tem participado em vários momentos dos principais tribunais independentes, especificamente do Tribunal Russell e do Tribunal Permanente dos Povos. Sinal de que a comunidade internacional está atenta às seguidas violações aos direitos humanos em território brasileiro.

(41º artigo da série DDHH Já, sobre os 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos no cenário brasileiro. No 10º dia do mês de fevereiro de 2019, o artigo corresponde ao Artigo 10:Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir seus direitos e deveres ou fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.)

 

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