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Prisões arbitrárias foram uma das marcas do governo militar (DDHH Já – Dia 68, Art.9)
Homenagem a Millôr Fernandes no 41º Salão Internacional de Humor de Piracicaba, uma das janelas de liberdade durante o regime militar (Foto José Pedro Soares Martins)

Prisões arbitrárias foram uma das marcas do governo militar (DDHH Já – Dia 68, Art.9)

POR JOSÉ PEDRO SOARES MARTINS

Prisões arbitrárias foram uma das marcas do governo militar (1964-1984) no Brasil. Foi uma das constatações da Comissão da Verdade, que divulgou seu relatório no dia 10 de dezembro de 2014. O documento mostrou que muitas prisões e outras ações repressivas ocorreram no interior de São Paulo. O relatório é uma mostra das violações aos direitos humanos na história recente do país, como no caso do artigo 9 da Declaração Universal.

Um dos casos mais impressionantes, citados no relatório, é o das torturas sofridas por uma religiosa de Ribeirão Preto, a irmã Maurina Borges da Silveira. Diz o documento, sem meias palavras: “Nem mesmo votos religiosos foram suficientes para impedir que uma freira fosse desrespeitada. Irma Maurina, diretora do orfanato Lar Santana em Ribeirao Preto, Sao Paulo – sob o pretexto de que teria cedido uma sala no lar para deposito de material do grupo Forcas Armadas de Libertação Nacional (FALN), a qual na realidade fora utilizada sem o seu conhecimento, por antigo colaborador da casa, com abuso de confianca – foi vítima de violência sexual quando estava sob custódia do Estado”. O relatório descreve em seguida o depoimento de uma companheira de cela da irmã Maurina, um dos casos que contribuíram para que a Igreja – que havia apoiado o golpe militar – tenha passado progressivamente para a resistência e oposição ao regime.

Ainda em Ribeirão Preto, outro caso emblemático, desta vez da repressão no ambiente acadêmico, no campus da Universidade de São Paulo (USP). A Comissão Nacional da Verdade nota que, além das expulsões e prisões de professores e reitores, um dos instrumentos utilizados foram os Inquéritos Policiais Militares (IPMs). Vários deles foram instalados na USP. Diz o documento: “houve diretores, como José de Moura Gonçalves, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), e Álvaro Guimarães Filho, da Faculdade de Higiene e Saúde Pública, que se recusaram a permitir a condução desses inquéritos nas dependências das suas escolas. Segundo as informações levantadas pela Comissão da Verdade da USP (CV/USP), em Ribeirão Preto foram registradas duas prisões de professores na delegacia de polícia municipal: Luiz Carlos Raya e Hona Tahim.”

Sorocaba e Congresso de Ibiúna – Sorocaba e região foram outro território da presença da repressão no interior paulista. Um dos casos de maior destaque foi o da ação policial no 30º Congresso da União Nacional de Estudantes (UNE). Para a Comissão Nacional da Verdade, um caso significativo sobre a vigilância à atuação do movimento estudantil. Relata o documento: “Um caso emblemático de prisão coletiva foi a realizada no XXX Congresso da UNE – União Nacional dos Estudantes, em Ibiúna (SP), no mês de outubro de 1968. Desde a movimentação pela organização do Congresso da UNE, o DOPS de São Paulo criara uma operação, em conjunto com as polícias da Guanabara, de Minas Gerais, do Paraná e do Rio Grande do Sul, entre outros estados, para acompanhar e desmobilizar o evento estudantil. Assim, foi lançada a chamada Operação Ibiúna, que ocorreu em três fases: monitoramento, repressão e judicialização. Na primeira fase, o DOPS, por meio de um agente secreto, mapeou toda a produção de jornais e panfletos do movimento estudantil e acompanhou as discussões entre os estudantes sobre o congresso. Segundo o relatório sobre a Operação Ibiúna, assinado pelo delegado titular do DOPS, Italo Ferrigno, as forcas policiais paulistas sabiam desde o fim de setembro de 1968 que o congresso ocorreria na região de Sorocaba. Assim, mobilizaram todas as autoridades da região, no intuito de comunicarem ao DOPS qualquer movimentação estudantil. Foi desse modo que os agentes envolvidos na operação descobriram o sitio. A ação repressiva propriamente dita (segunda fase) se realizou no dia 12 de outubro. Noventa e cinco investigadores do DOPS participaram da ação (…)”.

Os estudantes presos nessa operação, acrescenta o relatório da Comissão sobre o episódio, “foram denunciados perante a 2a Auditoria da 2a Região Militar, como incursos na reação criminal prevista no artigo 36 do Decreto-Lei no 314/67, por terem realizado um congresso estudantil não permitido pelo Decreto-Lei no 228 de 28 de fevereiro de 1967. Alguns, considerados líideres do movimento, foram presos em flagrante, como foi o caso de José Dirceu de Oliveira e Silva e de Luiz Gonzaga Travassos da Rosa, em favor dos quais foi impetrado perante o Supremo Tribunal Federal (STF) o habeas corpus no 46.470/68; e de Jose Benedito Pires Trindade, Omar Laino, Helenira Rezende de Souza Nazareth, Marcos Aurélio Ribeiro, Francisco Antônio Marques da Cunha, Franklin de Souza Martins e Walter Aparecido Cover, em favor dos quais foi impetrado perante o STF o habeas corpus no 46.471/68″. Como se viu, entre os estudantes estavam alguns nomes que se tornariam muito conhecidos na história recentíssima do país.

Se o interior também foi território de repressão política, também foi de contestação. Na cidade de Piracicaba nascia, em 1974, o I Salão de Humor, logo internacional. O primeiro salão teve a participação de grandes nomes do humor, como Millôr Fernandes, Ziraldo, Zélio, Jaguar, Fortuna e Ciça. O Salão se transformou em uma referência, e passou a contar a cada ano com milhares de trabalhos enviados de dezenas de países. Os maiores nomes do humor gráfico no planeta já participaram do Salão Internacional do Humor de Piracicaba, uma das janelas de liberdade de expressão durante o regime militar.

(68º artigo da série DDHH Já, sobre os 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos no cenário brasileiro. No 9º dia do mês de março de 2019, o texto corresponde ao Artigo 9: Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.)

 

 

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