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Pesquisador britânico contesta em Campinas níveis de exposição a glifosato considerados “seguros”
Dr.Antoniou: são necessários novos estudos sobre impactos do glifosato para determinar níveis seguros (Fotos Martinho Caires)

Pesquisador britânico contesta em Campinas níveis de exposição a glifosato considerados “seguros”

Os níveis de exposição a glifosato, usados por diversos países, foram questionados nesta terça-feira, 9 de dezembro, em Campinas, pelo pesquisador britânico Dr.Michael Antoniou, do King´s College, de Londres, durante o evento do Fórum Meio Ambiente e Câncer da Criança e do Adolescente. Agricultura e Agrotóxicos foi o tema central da última sessão de 2014 do Fórum, realizada no Centro Boldrini, com a participação de renomados especialistas internacionais.

Chefe da área de Biologia Nuclear do King´s College, o Dr.Michael Antoniou é um dos maiores nomes em pesquisas sobre terapias gênicas e organismos geneticamente modificados. Seus trabalhos têm sido fundamentais para a modificação de posturas na Comunidade Europeia sobre a aceitação dos OGMs.

O pesquisador destacou em Campinas que o glifosato merece destaque por ser o mais usado pesticida no mundo, inclusive no Brasil. Ele observou que 80% dos organismos geneticamente modificados são tolerantes a glifosato, presente por exemplo nas culturas de soja, milho, canola e algodão geneticamente modificadas nos Estados Unidos.

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Uma primeira dúvida levantada pelo cientista britânico: “Por que diferentes países, que têm acesso às mesmas evidências científicas sobre o produto, utilizam diferentes níveis considerados seguros de exposição a glifosato?”. Ele citou os casos da Comunidade Europeia, cuja Ingestão Diária Aceitável (ADI) de glifosato é de 0.3 mg/kg, contra uma ADI de 1 mg/kg na Rússia e China e de 1.75 mg/kg nos Estados Unidos – quase seis vezes portanto do que na Europa.

No Brasil a ADI prevista em lei é de 0.042 mg/kg, o que mereceu o comentário do Dr.Antoniou: “Os reguladores brasileiros parecem ter sido mais verdadeiros em admitir as evidências científicas sobre os efeitos do glifosato”.

O pesquisador ressaltou que os estudos já realizados sobre glifosato mostram que diferentes doses têm consideráveis impactos. Doses muito elevadas em ratos, por exemplo, mostraram uma rápida absorção pelo trato gastrintestinal a partir de soluções aquosas (23-40%) e difusão fácil para os tecidos. [In: Brewster et al., 1991; Anadon et al., 2009]

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De acordo com o Dr.Antoniou, é importante notar que é impossível determinar a bioacumulação de exposições a doses únicas de glifosato. Do mesmo modo, notou que a Ingestão Diária Aceitável, considerada pelos diferentes países, “nunca foi testada em bases a longo prazo”.
Segundo o cientista, existem várias evidências sobre o efeito do glifosato como disruptor endócrino, por exemplo bloqueando a ligação do hormônio ao receptor e prevenindo a ativação de genes. Também teria o impacto de fazer a ligação no lugar do hormônio e mimetizar os seus efeitos.

O Dr.Antoniou citou alguns experimentos sobre efeitos do glifosato. Um deles foi o de que coelhos alimentados com soja geneticamente modificada apresentaram distúrbios da função de enzimas no rim e coração (In: Tudisco et al., 2006).  Outro foi o relacionado a ratos alimentados com soja geneticamente modificada, apresentando perturbações no fígado, pâncreas e funções dos testículos, além de formação anormal dos núcleos e nucléolos de células do fígado, o que indicaria um aumento do metabolismo e alteração potencial das expressões do gene. (In: Malatesta et al., 2002; Malatesta et al., 2003; Vecchio et al., 2004).

“Há muitas evidências dos impactos do glifosato como disruptor endócrino, podendo ter efeitos com níveis extremamente baixos de exposição por tempo prolongado”, afirmou o pesquisador. Ele citou como efeitos a interferência no ácido retinóico (aumento da ação do ácido e defeitos congênitos) e interferência no estrogênio (pela ação que imita o estrogênio e danos em órgãos, tumores).

Sempre citando várias pesquisas, o Dr.Antoniou salientou que o glifosato causou malformações em embriões de galinha e do sapo em doses muito abaixo (~ 96ppm) daquelas utilizadas na pulverização agrícola. (In: Paganelli A et al., 2010). Nestes experimentos, os animais apresentaram defeitos de desenvolvimento neuronais e cranianos.

Dra.Nise Yamagushi: fundamental o cuidado com lavradores expostos a agrotóxicos

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Em experimentos in vitro com células humanas, citou o pesquisador, os herbicidas glifosato a 0,5 ppm afetaram a ação dos andrógenos, os hormônios masculinos, e interromperam a ação e formação de estrógenos, os hormônios femininos (In: Gasnier C et al., 2009).

Na ausência de pesquisas oficiais, lembrou o Dr.Antoniou, organizações não-governamentais europeias promoveram um estudo sobre a presença de glifosato em urinas de cidadãos. Foram examinadas urinas de 182 pessoas, em 18 países, e 44% foram positivas a glifosato, indo da presença de 0.16 μg/L na Suíça a 1.82 μg/L na Letônia.

O britânico citou ainda estudos sobre a relação entre a introdução de cultivos geneticamente modificados e glifosato e a deterioração da saúde nos Estados Unidos (In: Swanson NL et al. (2014) Journal of Organic Systems, 9: 6-37.)

Os estudos, segundo o especialista do King´s College, mostraram que desde o início do uso do glifosato na soja no começo da década de 1990, houve aumento da incidência do câncer de fígado nos Estados Unidos. O mesmo com a incidência de câncer de rim no mesmo período.

Diante de tantas evidências científicas (e ele citou muitas outras no encontro em Campinas), o Dr.Michael Antoniou fez várias sugestões, para se determinar os reais níveis seguros de exposição a glifosato, como: realização de extensas pesquisas de biomonitoramento em várias matrizes (urina, sangue, leite materno) e setores da população (adultos, crianças, crianças; urbanas vs rural); estudos de longo prazo de toxicidade em animais de laboratório com glifosato e formulações de herbicidas à base de glifosato acima e abaixo nos níveis considerados aceitáveis de ingestão diária; avaliação completa da capacidade de disrupção do sistema endócrino do glifosato de forma isolada e em combinação com outros pesticidas em níveis ambientalmente relevantes de exposições; e investigação de mecanismos epigenéticos, incluindo efeitos multigeracionais.
Enquanto isso, segundo o Princípio da Precaução, ele consideraria prudente a restrição do uso de herbicidas à base de glifosato, com o banimento das fumigações aéreas, não utilizá-lo como dessecante pré-colheita e banimento dos usos domésticos e urbanos.

A última sessão do ano do Fórum Meio Ambiente e Câncer da Criança contou com outros especialistas no evento no Centro Boldrini. A presidente do Boldrini, Dra.Silvia Brandalise, citou vários estudos mostrando o aumento da incidência de câncer em criança e adolescente nas últimas décadas. O professor Mohamed Habib, com muitos anos de pesquisa no tema, destacou a urgência de maior controle da sociedade sobre pesquisas com organismos geneticamente modificados. A Dra.Nise Hitomi Yamagushi, da USP, pediu maior atenção à exposição de trabalhadores rurais a agrotóxicos. Josiana Arippol, da Ética da Terra, acentuou o imperativo de que “a economia não deve prevalecer sobre a vida”.

Josiana Arippol, da Ética da Terra: economia não deve prevalecer sobre a vida

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O Fórum Meio Ambiente e Câncer da Criança e do Adolescente, como explica a presidente do Centro Boldrini, Dra.Silvia Brandalise, tem o objetivo de “chamar a atenção da sociedade, a partir da divulgação de estudos científicos, sobre a possível associação de fatores ambientais no aumento da incidência de câncer da criança e do adolescente”. O Fórum terá continuidade em 2015, com novos eventos e discussões pela Internet.

 

 

 

 

 

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