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O homem que cheirava a amêndoas
(Crédito André Sarria)

O homem que cheirava a amêndoas

Isabel sabia que alguma coisa ia mal com seu marido, sua suspeita começara quando ele começou a cheirar a amêndoas. Naquele dia ele chegou em casa mais cedo que de costume, disse que estava cansado e que iria dormir um pouco. Os dias passavam e o cheiro de amêndoas que vinha de seu marido deixava-a cada vez mais preocupada.

Apesar de suas manifestações de que fosse ao médico, seu marido insistia que estava bem, que sua saúde era das melhores e que esquecesse aquela loucura de cheiro de amêndoas. Apesar de continuar com a pulga atrás da orelha, Isabel baixou a guarda, afinal, o que dizer ao médico? “Estou preocupada, pois meu marido cheira a amêndoas?”

Talvez o médico a chamaria de louca ou coisa do tipo; deixou essa preocupação de lado, pois talvez fosse coisa de sua cabeça. Passou o tempo e, um dia, Isabel foi se reunir com um médico especialista em doença de Parkinson.

Chegou bem antes da hora marcada e, tão logo se sentou na sala de espera, teve uma crise de ansiedade. Suas mãos tremiam e a cabeça era como se inchasse e murchasse como uma bexiga. “Como é possível, meu Deus? vou ter um treco!” A sala inteira cheirava a amêndoas!

Os pacientes que ali estavam, todos, cheiravam a amêndoas o mesmo cheiro de amêndoas, que vinha de seu finado marido estava ali tão presente quanto a imagem que ainda tinha dele. Tentou manter a calma, tomou um copo de água e viu que, sentado a sua frente, estava um senhor tomando água. Isabel teve uma ideia, era maluca, mas lógica já não importava pra ela.

Precisava cheirar aquele copo. Esperou que o senhor se distraísse com uma revista e, num gesto rápido, pegou o copo da lixeira, disfarçou, foi ao banheiro carregando aquele atestado de loucura. Isabel cheirou o copo e reconheceu aquele mesmo cheiro de amêndoas que vinha de seu marido. Foi ali que ela descobriu que tinha um dom.

A história narrada foi baseada na inglesa Joy Milne, pois ela possui o que se chama de super olfato, uma habilidade de sentir odores que a maioria das pessoas não possui. Essa habilidade talvez tenha vindo de uma experiência chamada de sinestesia, uma condição neurológica em que os sentidos se misturam, é como se Joy fosse capaz de ver o fluxo de cheiros e experimentar sensações.

Ela descobriu esse dom quando começou a sentir cheiro de amêndoas que vinha de seu marido Les que falecera vítima de Parkinson. A doença de Parkinson é uma condição em que as células produtoras de dopamina no cérebro são destruídas, levando a tremores e dificuldades de movimento, e ainda não existe cura para essa doença.

Joy Milne e seu apurado senso de olfato (Foto Telegraph.co.uk)

Joy Milne e seu apurado senso de olfato (Foto Telegraph.co.uk)

Até onde se saiba, não existe nada na literatura que mostre que quem é diagnosticado com essa doença possui algum cheiro diferente, por assim dizer. Então, quando Joy conheceu o neurobiologista Tilo Kunath, especialista em doença de Parkinson, ela perguntou sobre esses estranhos cheiros, e ele disse que não conhecia nada a respeito, mas que existiam muitos casos de cães que eram treinados para diagnosticar câncer de pulmão, diabetes e malária, então por que isso não poderia ocorrer com Joy, com certeza, esse assunto deveria ser investigado.

O neurobiologista então fez um teste com Joy. Ele lhe entregou algumas camisas usadas por pessoas que tinham Parkinson e outras que não tinham. Joy somente tinha que cheirá-las e dizer quem tinha a doença e quem não a tinha. Ela acertou todas, com exceção de uma, de qual ela disse que tinha a doença, mas ela não tinha sido diagnosticada com Parkinson.

Passados oito meses, a pessoa que Joy “confundiu” dizendo que tinha a doença, de verdade, foi diagnosticada com a doença de Parkinson. Antes mesmo de ela ter sido diagnosticada, Joy já farejara a doença nela. Esse era o teste final e, de verdade, Joy era capaz de detectar, ou de cheirar, a doença muito antes mesmo de ser diagnosticada. Hoje, Joy, uma enfermeira aposentada, está envolvida em pesquisas com diagnóstico de doenças e seus cheiros.

Grupos de diversos países coletam odores de pessoas e os analisam através da chamada cromatografia com detector de massas, equipamentos que são capazes de separar cada “cheiro” que a pessoa apresenta e, com isso, é capaz de comparar um padrão de cheiros entre pessoas saudáveis e pessoas enfermas e encontrar um composto-chave que poderia ser o indício da doença.

Existem diversos trabalhos na literatura, nos quais veterinários e pneumologistas coletam cheiros da respiração de gado e tentam, a partir desses cheiros, encontrar compostos que poderiam ser indicadores de tuberculose bovina. Uma forma segura e rápida de diagnóstico.

Essa história de Joy me fez lembrar o livro “O Perfume” do escritor alemão Patrick Süskind. O livro conta a história de um homem que possui um olfato bastante desenvolvido que lhe dá uma percepção extremamente apurada do mundo e das pessoas ao seu redor. Um dos meus trechos favoritos diz o seguinte:

“As pessoas podiam fechar os olhos diante da grandeza, do assustador, da beleza, e podiam tapar os ouvidos diante da melodia ou de palavras sedutoras, mas não podiam escapar do aroma, pois o aroma é um irmão da respiração. Com esta, ele penetra nas pessoas, elas não podem escapar-lhe caso queiram viver. E bem para dentro delas é que vai o aroma, diretamente para o coração, distinguindo lá categoricamente entre atração e menosprezo, nojo e prazer, amor e ódio. Quem dominasse os odores dominaria o coração das pessoas.”

A natureza se comunica através de odores, plantas falam com suas vizinhas através de uma mistura de cheiros, sendo que cada um deles representa uma palavra e as misturas formam frases. Ao “ouvir” esses “sons”, as plantas respondem e modificam seu metabolismo, podendo influenciar no comportamento de insetos e outros animais; assim as plantas podem controlar o comportamento deles. Pouco se sabe sobre a influência dos odores na espécie humana.

Talvez Jay, que, há muitos anos viu que algo ia mal com seu marido porque ele cheirava a amêndoas, tenha aberto uma nova linha científica.

 

Sobre Andre Sarria

Os certificados e papéis dizem que eu sou cientista, mas prefiro ser mais um "escutador" da natureza do que cientista. A natureza fala e eu a traduzo em linguagem de gente. Nasci em Cajobi e trabalhei em Londres como Pesquisador no Rothamsted Research. Atualmente moro em Madrid onde sou Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento em uma empresa Europeia de agricultura.

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