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Pandemia atrasa em anos o enfrentamento das Doenças Tropicais Negligenciadas no Brasil
Coleta e destinação de resíduos continuam sendo um dilema em grande parte do Nordeste, região com muitas doenças consideradas negligenciadas, um dos sintomas da desigualdade social estrutural no Brasil (Foto Adriano Rosa)

Pandemia atrasa em anos o enfrentamento das Doenças Tropicais Negligenciadas no Brasil

Por José Pedro Soares Martins

Campinas, 10 de agosto de 2022

A pandemia de Covid-19, além de provocar um número impressionante de óbitos e de pacientes com sequelas pela enfermidade, também teve um efeito brutal no enfrentamento das Doenças Tropicais Negligenciadas (DTNs). No caso do Brasil, esforços de décadas relacionados a várias dessas DTNs sofreram múltiplos impactos em decorrência da mais grave crise sanitária global em um século.

A gigantesca subnotificação de novos casos, por exemplo em termos da hanseníase e da Doença de Chagas, é um dos resultados do cenário construído em função da pandemia, que ocasionou confinamentos em massa e forte redução da mobilidade, o que foi muito limitante para o acesso aos serviços de saúde. Em termos também da hanseníase e da Doença de Chagas, houve no âmbito do Brasil uma importante limitação do acesso a medicamentos e a tratamentos que devem ser contínuos.

Dengue, leishmaniose visceral, leptospirose e malária são outras DTNs com alto índice de subnotificação, sobretudo no ano de 2020. Com os efeitos positivos do avanço da vacinação contra a Covid-19, desde o primeiro semestre de 2021, os serviços de saúde retomaram em parte a dinâmica de atenção aos portadores de DTNs. Entretanto, na avaliação de especialistas ouvidos pela Agência Social de Notícias, ainda vai demorar um longo tempo até o resgate completo do elenco de medidas adequadas para notificação de novos casos e tratamento apropriado de pessoas acometidas pelas Doenças Tropicais Negligenciadas, o que exigirá um forte esforço coletivo.

O que e quais são as Doenças Tropicais Negligenciadas

Doenças Tropicais Negligenciadas (DTNs) são classificadas pela OMS como antigas doenças da pobreza que “impõem um fardo devastador, em termos humanos, sociais e econômicos, para mais de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo, predominantemente em regiões tropicais e áreas subtropicais entre as mais populações vulneráveis e marginalizadas”. Antes da pandemia, as DTNs provocavam mais de 500 mil mortes por ano, sobretudo nos países mais pobres, que não têm sistemas de saneamento adequados, o que facilita a proliferação de vetores. 

Milhares de casos de ao menos 14 das 20 doenças negligenciadas classificadas pela OMS são registrados todo ano no Brasil e a distribuição geográfica das DTNs no país coincide com a má distribuição de renda e os déficits em saneamento básico. As regiões Norte e Nordeste, que apresentam a menor renda média brasileira e têm maiores déficits em saneamento, concentram grande parte da incidência das DTNs. A região Norte é território para nove tipos de doenças negligenciadas e a região Nordeste, para oito. São sete as DTNs documentadas no Centro-Oeste, cinco no Sudeste e quatro no Sul.

O Ministério da Saúde considera que são três os níveis de categorização das doenças negligenciadas. São da Categoria 1 as doenças não controladas e/ou emergentes/reemergentes: dengue e leishmaniose. Na Categoria 2 estão aquelas doenças ainda de elevada magnitude: malária, esquistossomose, tuberculose e geo-helmintoses. As enfermidades consideradas em declínio são da Categoria 3: Doença de Chagas, hanseníase, tracoma, raiva, filariose linfática e oncocercose. Esta caracterização, entretanto, é de antes da pandemia de Covid-19, que representou  retrocessos históricos para o combate de muitas DTNs em todo Brasil. Com isso, novas estratégias terão que ser desenhadas no país, para o efetivo enfrentamento das DTNs no cenário pós-pandemia.

Principais impactos da pandemia no enfrentamento das DTNs

Foram diversos e de grande magnitude os impactos da pandemia no enfrentamento das doenças tropicais negligenciadas no Brasil e nos demais países em que as DTNs são endêmicas. Desde o momento que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia pelo novo coronavírus como emergência de saúde pública global, no dia 11 de março de 2020, “houve um impacto muito negativo no acesso das pessoas aos serviços de saúde, pelas restrições na circulação” e outras consequências das medidas tomadas pelas autoridades sanitárias e pelos próprios cuidados das pessoas para não se infectarem, comenta o Diretor Executivo da DNDi América Latina, Sergio Sosa-Estani.

A DNDi, na sigla em inglês para Drugs for Neglected Diseases initiative, é uma organização sem fins lucrativos de Pesquisa e desenvolvimento (P&D) orientada pelas necessidades dos pacientes, que desenvolve tratamentos seguros, eficazes e acessíveis para milhões de pessoas em situação vulnerável que são afetados por doenças negligenciadas, em particular a doença de Chagas, as leishmanioses, a doença do sono, o HIV pediátrico, a Hepatite C, as filarioses e Micetoma.

O Diretor Executivo para a América Latina nota que, desde que os efeitos das vacinas contra a Covid-19 foram mostrando seus benefícios, a partir do primeiro semestre de 2021, houve uma parcial recuperação do acesso aos serviços de saúde e, também, em termos dos impactos da pandemia nos programas e projetos executados pela DNDi com vários parceiros, por exemplo em pesquisas para o desenvolvimento de novos medicamentos. O cronograma de trabalho de todas essas iniciativas, observa Sergio Sosa-Estani, foi duramente afetado nos momentos iniciais da pandemia, sobretudo, em razão do fechamento de laboratórios e da dedicação quase exclusiva dos serviços de saúde para o atendimento a casos de Covid-19.

O gestor da DNDi nota que, com a atenção global para o enfrentamento do Sars-CoV-2, recursos financeiros, humanos e materiais foram especialmente dirigidos para essa batalha. De novo, com os impactos positivos derivados do avanço da vacinação em algumas regiões do planeta, como Europa, América do Norte e parte da América Latina, agora a DNDi “tem feito importante esforço para a retomada das agendas com os parceiros, inclusive com os doadores”.

Sergio Sosa-Estani adverte que, se de fato houve uma enorme movimentação de recursos para o combate à Covid-19, resultando no desenvolvimento em tempo recorde de várias vacinas contra o Sars-CoV-2, por outro, o mesmo não pode ser dito em termos da distribuição global dos efeitos positivos dessa mobilização. “Em razão das iniquidades estruturais existentes no mundo, são muitas populações, por exemplo na África, que foram e estão sendo negligenciadas no acesso às vacinas”, protesta.

Subnotificação de casos no Brasil 

Uma importante subnotificação de novos casos de Doenças Tropicais Negligenciadas (DTNs) foi um dos efeitos da pandemia de Covid-19 no Brasil, gerando uma situação nebulosa em relação ao real número de pacientes e uma incógnita em relação ao seu futuro. Dados do próprio Ministério da Saúde e do DATA-SUS confirmam essa subnotificação, como em relação à tuberculose.

Entre 2015 e 2019, estava sendo observada uma curva ascendente no coeficiente de incidência de tuberculose por 100 mil habitantes no país, segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação/Secretarias Estaduais de Saúde/Ministério da Saúde e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), incluídos no Boletim Epidemiológico Tuberculose 2022, publicado em março de 2022 pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.

Essa incidência foi de 34,3 por 100 mil em 2015, 34,4 em 2016, 35,8 em 2017, 36,9 em 2018 e 37,1 em 2019. Em 2020, primeiro ano da pandemia, o coeficiente de incidência caiu para 32,6 por 100 mil habitantes e em 2021, para 32,0 por 100 mil. Um dado inquietante registrado no Boletim Epidemiológico Tuberculose 2022 é o da incidência crescente da tuberculose na população preta/parda em relação à população branca. O percentual de casos na população preta/parda era de 61,9% dos casos em geral em 2012 e subiu para 69,0% dos casos em 2021, enquanto a população branca somava 35,9% dos casos em 2012, caindo para 28,9% em 2021. A população indígena manteve o mesmo percentual no no total de casos no período, de 2,1%.

A queda exponencial da notificação de novos casos, de pessoas acometidas por Doenças Tropicais Negligenciadas, o que pode levar à explosão de casos no pós-pandemia, já havia sido identificada por exemplo no estudo “Análise das internações e da mortalidade por doenças febris, infecciosas e parasitárias durante a pandemia da COVID-19 no Brasil“, assinado por Stefan Vilges de Oliveira e Nikolas Lisboa Coda Dias, respectivamente professor e aluno do Curso de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), e também por Álvaro A. Faccini-Martínez,  médico e pesquisador, do Instituto de Investigaciones Biológicas del Trópico, Universidad de Córdoba, Córdoba, Colômbia.

O objetivo do estudo, segundo o professor Stefan, era verificar a evolução dos casos de leishmaniose visceral, leptospirose, dengue e malária em 2020, com base em informações epidemiológicas registradas em bancos de dados oficiais, no caso do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS), disponível no endereço eletrônico do Departamento de Informática do SUS (DATASUS). O professor da UFU nota que “vários estudos já indicavam o aumento de casos represados de doenças” em consequência dos protocolos de enfrentamento da pandemia, como o confinamento e o distanciamento social. O propósito então foi verificar “o perfil epidemiológico de algumas dessas doenças no Brasil”.

O levantamento feito com base nas informações do DATASUS mostrou que, entre 2017 e 2019, a média mensal de internações ocorridas nos meses de janeiro a agosto foi de 222,25 internações por leishmaniose visceral, 220,5 por leptospirose e 160,67 por malária. Já em 2020, entre janeiro e agosto, a média mensal foi de 125,38 internações por leishmaniose visceral, 155,87 por leptospirose e 113,25 por malária, números que representam uma queda na média de internações na ordem de 43,59%, 29,31% e 29,51%, respectivamente, em comparação com as médias dos três anos anteriores à pandemia.

Enquanto a média de internações diminuiu para as três doenças consideradas, duas delas (leishmaniose e malária) classificadas como Doenças Tropicais Negligenciadas pelos critérios da OMS, por outro lado houve aumento da mortalidade em 2020 em decorrência das três enfermidades. De novo em comparação com a média dos oito primeiros meses de 2017 a 2019, a taxa de mortalidade no mesmo período em 2020 aumentou em 32,64% para leishmaniose visceral, 38,98% para leptospirose e gravíssimos 82,55% para malária.  Números em relação a 2020, primeiro ano da pandemia e que precisavam ser melhor estudados, observaram os autores do estudo.

Os indicadores iniciais já apontavam, de qualquer modo, para um quadro ainda mais desafiador, no pós-pandemia, em relação a essas doenças que já apresentam números gravíssimos no Brasil. Apenas a malária é mais letal do que a leishmaniose entre as doenças parasitárias no planeta. Provocada por 20 espécies do protozoário parasita Leishmania, transmitido por mosquitos infectados, é doença curável e mais de 100 mil pessoas já foram tratadas por Médicos Sem Fronteiras em todo mundo.

Altíssima subnotificação também em Doença de Chagas. Foram 4.169 casos de Doença de Chagas aguda em 2019 e 2.193 em 2020, representando um decréscimo de 47,39%, segundo o Boletim Epidemiológico Especial Doença de Chagas, da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, de abril de 2021. O mesmo Boletim informa que, no ano de 2020, o primeiro da pandemia, houve uma diminuição na distribuição de benznidazol para os estados. É o medicamento utilizado no tratamento da Doença de Chagas aguda. Foram 241.200 comprimidos distribuídos em 2020, contra 274.500 em 2019.

Subnotificação e dificuldade no acesso a medicamentos na hanseníase 

Os impactos da pandemia foram igualmente evidentes no enfrentamento da hanseníase no Brasil e em todo o mundo. Esses efeitos ficaram claros no relatório que o Conselho de Direitos Humanos da ONU recebeu da Relatora Especial das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação contra as Pessoas Afetadas pela Hanseníase e seus Familiares, Alice Cruz. A hanseníase é doença infectocontagiosa e o agente etiológico é o bacilo Mycobacterium leprae (M. Leprae).

Nesse relatório, Alice fez uma estimativa com base em dados oficiais dos Estados nacionais e outros fornecidos por organizações da sociedade civil dos países endêmicos em hanseníase, como o Brasil. A estimativa foi a de que teria havido um declínio de 50% na detecção de novos casos de hanseníase “e também no tratamento adequado dos mesmos”, segundo a relatora.

Alice Cruz em sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (Foto Nações Unidas)

Alice Cruz em sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (Foto Nações Unidas)

Posteriormente, acrescenta Alice Cruz, a Organização Mundial da Saúde (OMS), através do Programa Global de Hanseníase, publicou os dados enviados pelos governos dos países endêmicos, dando conta de um declínio em geral de cerca de 30% na mesma detecção de novos casos e no tratamento oportuno dos mesmos.

“Assim, com variações naturais entre os diferentes países, o que podemos afirmar com base em fontes diversas, de diferente agências, é que houve um declínio muito substantivo na capacidade dos Estados nacionais em detectar e tratar oportunamente a hanseníase. As consequências disso são em termos do desenvolvimento de incapacidades físicas relacionadas à hanseníase e aumento na transmissão, inclusive em crianças”, afirma a relatora especial das Nações Unidas.

Ela defende que, pelo que foi observado, “podemos falar em um retrocesso importante no movimento de décadas do enfrentamento à hanseníase por conta da pandemia de Covid-19, pela incapacidade da maioria dos governos dos países endêmicos em dar uma sustentação aos serviços de hanseníase nesse contexto, o que está relacionado com o fato de que não houve antes um investimento suficiente nos sistemas de saúde e com o fato de que historicamente esses governos foram pouco ativos na garantia doso direitos econômicos e sociais”.

Em relação ao Brasil, segundo país no mundo em número de novos casos, depois da Índia, Alice Cruz assinala que os dados oficiais são de queda de cerca de 50% na notificação em 2020 e 2021, o que representa um impacto devastador nos esforços de enfrentamento da enfermidade nos próximos anos. Segundo o Boletim Epidemiológico sobre Hanseníase, do Ministério da Saúde, o número de casos novos notificados no país caiu de 27.864 em 2019 para17.979 em 2020 e 15.155 em 2021.

A relatora das Nações Unidas também nota ter ocorrido no Brasil “problemas importantes no acesso das pessoas afetadas pela hanseníase às medidas de mitigação da crise econômica, como no caso dos subsídios governamentais destinados a pessoas em situação de vulnerabilidade”. Alice Cruz salienta que como agravante para dificultar esse acesso das pessoas com hanseníase aos subsídios governamentais atuou a “própria exclusão estrutural de pessoas que não têm acesso à internet ou não sabem usar as plataformas administrativas de acesso a esse subsídio”.

A relatora das Nações Unidas adverte ainda para uma “endemia silenciosa” no cenário da pandemia. “Existem os problemas que se tornam invisíveis, como em termos da violência de gênero. Hoje sabemos, com base em coleta de dados em todo o mundo, sobre a enorme quantidade de mulheres afetadas pela hanseníase que são vítima de violência doméstica, incluindo violência física, psicológica e sexual, e na pandemia essa endemia silenciosa foi agravada”, acrescenta Alice Cruz, que também alerta para a continuidade da transmissão da hanseníase entre crianças.

Ainda no caso do Brasil, outro impacto no contexto da pandemia foi da importante redução do acesso de pessoas com hanseníase aos medicamentos usados no tratamento que deve ser contínuo. O colapso na entrega de medicamentos foi denunciado pelo Movimento de Reintegração das Pessoas Afetadas pela Hanseníase e seus Familiares (Morhan), que pediu providências ao Ministério da Saúde e à Procuradoria Geral da República.

Datam de março de 2020, logo portanto no início da pandemia, os primeiros relatos de que pessoas com hanseníase não estavam conseguindo acesso, em unidades do Sistema Único de Saúde (SUS), aos medicamentos usados na poliquimioterapia (PQT) empregada no tratamento da doença. A PQT prescrita pela Organização Mundial da Saúde (OMS) abrange medicamentos como rifampicina, dapsona e clofazimina.

As denúncias prosseguiram e no dia 3 de setembro de 2020 a Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH) e o Morhan protocolaram representação junto ao Ministério Público Federal (MPF), solicitando instauração de inquérito civil para garantir a regularização do abastecimento de medicamentos para tratamento de hanseníase no país e responsabilizar o poder público por prejuízos causados à saúde e vida dos usuários que dependem do SUS. A representação foi protocolada pelo advogado integrante da Rede Jurídica e de Direitos Humanos do Morhan, Carlos Nicodemos.

Artur Custódio: ainda são enormes os desafios relacionados à hanseníase no Brasil (Foto Adriano Rosa)

Artur Custódio: ainda são enormes os desafios relacionados à hanseníase no Brasil (Foto Adriano Rosa)

O coordenador nacional do Morhan, Artur Custódio, assinala que prosseguem os esforços para que os medicamentos sejam produzidos no Brasil. “Medicamentos que vinham para o Brasil, fabricados na Índia e doados pela Novartis, não chegaram por falhas na produção naquele país. Outros medicamentos que viriam da Europa tiveram problemas com a baixa qualidade. O Brasil precisa ter produção própria e rapidamente”, sustenta Custódio.

O coordenador do Morhan comenta que, em função dos impactos globais da pandemia no enfrentamento da doença, a Organização Mundial da Saúde lançou no segundo semestre de 2021 a campanha “Não esqueça da hanseníase”. No Brasil, a campanha liderada pelo Morhan já teve apoio de órgãos como a Fiocruz e o Conselho Nacional de Saúde. “Mas o governo federal não assinou ainda a adesão à campanha”, lamenta.

Custódio entende que, no pós-pandemia, o enfrentamento das doenças tropicais negligenciadas em geral e da hanseníase em especial apenas retomará um ritmo adequado “se essa questão for colocada na agenda política de verdade, com envolvimento dos poderes públicos e sociedade em geral, com campanha publicitária forte”. “Temos muito desafio pela frente”, conclui, resumindo o sentimento dos especialistas e organizações que há anos atuam no enfrentamento das Doenças Tropicais Negligenciadas.

Os impactos da pandemia no roteiro da OMS para enfrentamento das DTNs até 2030 

No final de janeiro de 2021 a Organização Mundial da Saúde lançou um novo roteiro para o enfrentamento das Doenças Tropicais Negligenciadas até 2030, em consonância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O roteiro Ending the neglect to attain the Sustainable Development Goals: a road map for neglected tropical diseases 2021–2030 foi formulado com o objetivo de “acelerar a ação programática e renovar o ímpeto, propondo ações concretas focadas em plataformas integradas para a entrega de intervenções e, assim, melhorar a relação custo-eficácia e a cobertura de programas”. O roteiro foi aprovado pela Assembleia Mundial da Saúde (WHA 73) em novembro de 2020.

Entre as metas do roteiro estão a erradicação da dracunculíase (doença do verme-da-guiné) e da bouba, que pelo menos 100 países eliminem ao menos uma das DTNs, a redução em 75% dos anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (DALYs) relacionados às DTNs e a redução de 90% na necessidade de tratamento para Doenças Tropicais Negligenciadas até 2030.

O roteiro é fruto do trabalho de dois anos e foi concluído após ampla consulta global, iniciada portanto antes da pandemia de Covid-19. Para vários especialistas, a pandemia pode afetar consideravelmente o cumprimento das metas da iniciativa da OMS. O roteiro contempla as metas de 75 países com zero novos casos autóctones de hanseníase até 2023, 95 países até 2025 e 120 países até 2030.

A Relatora Especial das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação contra as Pessoas Afetadas pela Hanseníase e seus Familiares, Alice Cruz, lembra que a OMS “faz recomendações, lança guias, mas quem efetivamente implementa as ações para colocar em prática as políticas são os Estados nacionais”, então depende essencialmente dos governos nacionais implementar o que é recomendado pelo roteiro lançado em janeiro de 2021, em plena pandemia. Ela assinala que ainda não percebeu, de maneira geral, “um processo de fortalecimento dos sistemas públicos de saúde, com cobertura universal efetiva e uma forte rede de cuidados primários”, para que seja efetivamente colocado em prática o roteiro proposto pela OMS.

Para Sergio Sosa-Estani, Diretor Executivo da DNDi América Latina, de fato deve haver “um comprometimento geral” para que o roteiro da OMS seja levado à prática. “E é muito importante que ao longo do processo seja executado um efetivo monitoramento das ações, para que ocorram eventuais ajustes e sejam dadas as respostas dadas aos objetivos propostos”, sintetiza Sosa-Estani, reiterando o apelo para que haja um esforço coletivo para o enfrentamento das Doenças Tropicais Negligenciadas no pós-pandemia.

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