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100 anos de etanol, meio século de Proálcool: conquistas e perspectivas para o combustível que mudou o Brasil
Colheita da cana, base do etanol no Brasil, que já entrou na segunda geração do biocombustível. (Foto Adriano Rosa)

100 anos de etanol, meio século de Proálcool: conquistas e perspectivas para o combustível que mudou o Brasil

Campinas, 1 de novembro de 2024

Por José Pedro Soares Martins

Uma das pessoas que discursaram na solenidade de sanção presidencial da Lei do Combustível do Futuro, o presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (UNICA), Evandro Gussi, comentou a respeito da nova legislação: “Podemos dizer que hoje o futuro da mobilidade sustentável chegou e é o Brasil que lidera esse processo. Só que o futuro nunca vem sozinho, não vem por inércia ou de maneira aleatória. O futuro vem pela construção das mãos humanas. E o projeto de Lei do Combustível do Futuro vai transformar esse setor”.

A cerimônia realizada na Base Aérea de Brasília, na manhã do dia 8 de outubro de 2024, que marcou a sanção, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da Lei 14.993/24, a Lei do Combustível do Futuro, representa a abertura de uma nova fase na evolução do etanol no país,  em um momento histórico para o combustível. Em 2025, serão lembrados os 100 anos da primeira vez que o etanol foi utilizado no Brasil para movimentar um veículo. Também em 2025, serão lembrados os 50 anos do lançamento do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), a iniciativa governamental que deu um notável impulso para a produção do etanol da cana-de-açúcar.

Esse duplo e histórico marco na trajetória do etanol no Brasil configura o momento ideal para um balanço sobre o combustível. O protagonismo cada vez maior do etanol da cana-de-açúcar, com a decisiva participação dos empreendedores do estado de São Paulo e de uma sólida cadeia produtiva que já vinha sendo construída antes do Proálcool, teve um impacto profundo na economia nacional, foi determinante para a mobilização de relevantes recursos em ciência e tecnologia, gerou emprego e renda para milhares de brasileiros, contribuiu para ampliar a pauta de exportações e consolidou o Brasil como um país líder em combustíveis renováveis, agora com a perspectiva de influência ainda maior na esperada transição energética global, pelo incentivo que a Lei 14.993/24 dá para combustíveis como o hidrogênio e o SAF.

“Com a recente aprovação do PL Combustíveis do Futuro,  relatado pelo deputado Arnaldo Jardim, o etanol ganha ainda mais protagonismo, permitindo sua diversificação como combustível de aviação (SAF) e fonte de hidrogênio verde. Esse cenário futuro reflete o comprometimento do setor em reduzir a dependência de fósseis e adotar energias renováveis, beneficiando tanto o meio ambiente quanto a economia agrícola”,  resume o chefe-geral da Embrapa Territorial, Gustavo Spadotti, um dos especialistas ouvidos pela Agência Social de Notícias, nesta avaliação sobre a trajetória do combustível que mudou o Brasil.

O Ford que fez o percurso histórico em 1925 (Foto Arquivo INT)

O Ford que fez o percurso histórico em 1925 (Foto Arquivo INT)

No princípio era o sonho dos pioneiros

Agosto de 1925, um automóvel Ford de quatro cilindros que estava sendo utilizado, por empréstimo, pela Estação Experimental de Combustíveis e Minérios (EECM), criada em 1921 pelo presidente Epitácio Pessoa, faz o primeiro trajeto utilizando álcool como combustível. E foi logo em uma corrida no Circuito da Gávea, em prova organizada pelo Automóvel Clube do Brasil. Embrião do futuro Instituto Nacional de Tecnologia (INT), de 1933, a EECM funcionava de forma precária em área da antiga Usina Açucareira, próxima à Praia Vermelha, no Rio de Janeiro.

A necessidade de o país encontrar novas fontes de combustíveis, em um momento de crescimento da frota de automóveis, já tinha sido tema de Epitácio Pessoa na Mensagem Presidencial de 1922, quando alertou para a “colossal importação da gasolina no Brasil”. Sob a coordenação do engenheiro Heraldo de Souza Matos, a EECM foi incumbida de realizar testes para a utilização de álcool em motores de explosão, como um provável substituto da gasolina importada.

Naquele momento, legislações municipais e estaduais já indicavam a possibilidade de adição de até 10% de álcool na gasolina. Mas o Brasil fabricava pouco mais de 150 mil litros anuais de álcool, e era um álcool com baixa concentração, produzido em pequenas destilarias de aguardente.

A Estação Experimental de Combustíveis e Minérios realizou, então, estudos e ensaios para adaptação da gasolina ao motor de explosão e o resultado foi considerado positivo, conforme o diretor da EECM, Ernesto Lopes da Fonseca Costa, comentou na conferência “O Álcool como Combustível Industrial no Brasil”, proferida em 23 de novembro de 1925, na Escola Politécnica do Rio de Janeiro.

“Apesar da prova ter sido considerada demasiadamente pesada para um Ford, motivo pelo qual foi o único desta marca que ousou correr, os resultados obtidos foram completamente satisfatórios, pois percorreu 230 quilômetros, estipulados pelo regulamento da corrida, consumindo exclusivamente aguardente de 269 Cartier ou 709 G .L., à razão de 20 litros para l00 Km”, explicou Fonseca Costa, sobre a corrida da qual o veículo emprestado tinha participado, com o combustível ainda teste, naquele mesmo ano de 1925 em que Henry Ford, conforme notícia publicada no “The New York Times”, previa que o álcool seria “o combustível do futuro”.

Novos experimentos foram realizados na EECM e como consequência o presidente Getúlio Vargas assinaria, a 20 de fevereiro de 1931, o Decreto 19.717, estipulando a obrigatoriedade de adição de no mínimo 5% de álcool à gasolina importada. O decreto também isentava de qualquer imposto o álcool desnaturado confeccionado no Brasil e, entre outras disposição, indicava que a partir de 01 de julho de 1931 “os automóveis de propriedade ou a serviço da União, dos Estados e dos Municípios, sempre que for possível, deverão consumir álcool ou, na falta deste, carburante que contenha, pelo menos álcool na proporção de 10%”.  Esse decreto vigorou por 60 anos, sendo revogado por outro decreto, de 15 de fevereiro de 1991, assinado pelo presidente Fernando Collor de Mello.

Em junho de 1933 foi criado o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), que teria, entre suas atribuições, a de fomentar a produção de álcool anidro. O IAA de fato prossegue os estudos, em unidades próximas a áreas de produção de cana-de-açúcar, em Campos (RJ) e em Cabo (PE). As atividades na unidade pernambucana seriam interrompidas durante a Segunda Guerra Mundial.

Nesse período da segunda conflagração militar global, de grandes barreiras para importação de petróleo, em alguns estados nordestinos chegou a mais de 40% a porcentagem de álcool na gasolina. Nas três décadas seguintes, e até o nascimento do Proálcool, em 1975, a “mistura do etanol anidro à gasolina foi determinada pelo mercado internacional do açúcar, servindo o etanol de “regulador” de estoques do açúcar”, observa José Manuel Cabral de Sousa Dias, pesquisador da Embrapa Agroenergia, no artigo “O uso do etanol como combustível no Brasil vai completar um século!”

“Como consequência da composição variável, os motores dos automóveis não apresentavam desempenho regular, o que desagradava aos consumidores e à indústria automobilística”, completa Sousa Dias. Outro evento de ordem planetária, o choque do petróleo em 1973, determinaria a emergência de um novo ciclo para o etanol no Brasil, o da criação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), que representaria um divisor de águas na trajetória do combustível no país.

Pós-choque do petróleo, nasce o Proálcool

Em outubro de 1973, os membros da Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo (OPAEP) iniciaram um embargo petrolífero contra os países ocidentais que apoiaram Israel na chamada Guerra do Yom Kippur. Com a queda na produção, o preço do barril do petróleo, que era de US$ 2,90, subiu para US$ 11,65 em somente três meses. Este período ficou conhecido como o primeiro choque do petróleo, que acendeu o alerta sobre a dependência mundial desse combustível.

No Brasil, onde a preocupação com a importação de petróleo datava do início do século, a repercussão foi imediata. Em 1972, o país gastava 15% de suas exportações com a compra de petróleo e, em 1974, esse percentual subiu para 40%. Evoluiu então no governo militar e em centros de pesquisa a ideia de acelerar estudos para o estímulo a um combustível nacional que substituísse a gasolina derivada do petróleo importado.

Ainda em 1974, foi criada no âmbito da Secretaria de Tecnologia Industrial (STI), do Ministério da Indústria e Comércio, um Programa Tecnológico do Etanol. O ministro Severo Gomes havia convidado o engenheiro e físico baiano José Walter Bautista Vidal para dirigir a STI e ele permaneceu no cargo até 1978, tendo ficado conhecido como um dos “pais” do Programa Nacional do Álcool (Proálcool).

Entre os interlocutores de Bautista Vidal estava o coronel-aviador Urbano Ernesto Stumpf, então chefe da Divisão de Motores do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Tecnológico da Aeronáutica (CTA). Estudos coordenados por Stumpf vinham sendo conduzidos desde 1973 no sentido de desenvolvimento de motores a gasolina que pudessem substituir aqueles movidos a gasolina.

Ao mesmo tempo, na esfera da CTI, o assessor técnico João Bosco de Siqueira reuniu um grupo de pesquisadores que tinha, entre seus membros, alguns dos profissionais que haviam atuado junto ao Instituto de Pesquisas Radioativas em Minas Gerais, em estudos pelo desenvolvimento de um programa nuclear brasileiro que não dependesse do urânio importado. Entre outros, participaram do grupo coordenado por João Bosco de Siqueira profissionais como Paulo Urban, Carlos Urban,  Luís Maurício Wanderley de Souza, Hertz Batista, Anízio Santos, Jair Melo e Firmino Fiúza.

Integrantes desse grupo, em conjunto com profissionais do Instituto Nacional de Tecnologia, elaboraram então o texto “O etanol como combustível”, divulgado em setembro de 1975 e encaminhado ao presidente da República, general Ernesto Geisel. Esse documento contém as bases do Proálcool, anunciado por Geisel em outubro de 1975 e oficializado pelo Decreto nº 76.593 de 14 de novembro de 1975.

“Fica instituído o Programa Nacional do Álcool visando ao atendimento das necessidades do mercado interno e externo e da política de combustíveis automotivos”, diz o artigo 1º. “A produção do álcool oriundo da cana-de-açúcar, da mandioca ou de qualquer outro insumo será incentivada através da expansão da oferta de matérias-primas, com especial ênfase no aumento da produção agrícola, da modernização e ampliação das destilarias existentes e da instalação de novas unidades produtoras, anexas a usinas ou autônomas, e de unidades armazenadoras”, afirma o artigo .

De fato, nesse primeiro momento havia indefinição sobre qual seria a origem do etanol. Chegaram a ser implementados testes de fabricação a partir da mandioca em uma usina em Curvelo (MG), que acabou sendo assumida pela Petrobras, mas os experimentos não foram positivos por uma série de razões técnicas. Por outro lado, a obtenção do etanol a partir da cana-de-açúcar se mostrou cada vez mais viável e esse foi o caminho tomado pelo Proálcool.

Na primeira fase do Programa, entre 1975 e 1979, o governo federal respondeu por cerca de 75% dos investimentos, em construção de novas destilarias e expansão da área cultivada de cana-de-açúcar, como assinalam Michele Gomes da Cruz, Eziquiel Guerreiro e Augusta Pelinski Raiher, em “A evolução da produção de etanol no Brasil, no período de 1975 a 2009“. Naquele momento, a cotação do açúcar estava em baixa no mercado internacional, o que contribuiu para estimular muitos produtores a investir na fabricação do etanol da cana. Prazo de 12 anos para pagamento total dos empréstimos, carência de três anos para início de pagamentos e taxas de juros negativas foram alguns dos atrativos para os interessados em investir no setor.

Entre 1975 e 1979, em função dos estímulos oficiais no âmbito do Proálcool, a área plantada com cana-de-açúcar no Brasil cresceu de 1.969.227,00 hectares para 2.536.976,00 hectares, enquanto a produção de cana aumentou de 91.524.559,00 toneladas para 138.898.882,00 toneladas. Já a produção de etanol saltou de 580,00 metros cúbicos em 1975 para 2.854,00 metros cúbicos em 1979, conforme dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea); Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa); Companhia Nacional de Abastecimento (Conab); Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP); Instituto de Economia Agrícola (IEA) e UNICA, organizados e coligidos por Gomes da Cruz, Guerreiro e Raiher no artigo citado. A maior parte da área plantada com cana já estava situada no estado de São Paulo. O etanol anidro, misturado à gasolina A na proporção de 20%, recebeu os principais estímulos nesse primeiro momento do Proálcool.

CADEIA PRODUTIVA DA CANA E USINAS VIABILIZOU O PROÁLCOOL

Os incentivos praticados pelo governo federal foram fundamentais para o lançamento e crescimento do Proálcool, repercutindo na ampliação e fortalecimento do setor sucroalcooleiro no Brasil. Entretanto, o Programa e tudo o que ocorreu depois apenas foi possível porque já existia uma cadeia produtiva estabelecida, com produtores de cana-de-açúcar e usinas associadas para a produção de álcool. São vários empreendedores que construíram essa cadeia, pessoas com visão de futuro que depois viram o país colher os frutos que plantaram.

Impossível não lembrar do pioneirismo dos engenhos centrais e usinas instaladas em território paulista entre o final do século 19 e início do século 20, entre municípios como Piracicaba, Itu e Porto Feliz. Também foram se estabelecendo, nesses e outros outros municípios, usinas como Amália, Fortaleza, Barbacena, Fortaleza, Gurupiá, Monte Alegre e Schmidt.

Na década de 1910, os Irmãos Giuseppe e Nicola Carbone criaram a Companhia União dos Refinadores. Outro pioneiro foi Pedro (Pietro) Morganti, nascido na Toscana e que chegou ao Brasil em 1890 com 14 anos, para se tornar um dos maiores empresários do setor sucroalcooleiro. Falecido em 1941, foi proprietário entre outras da Usina Tamoio, de Araraquara, que chegou a ser a maior indústria sucroalcooleira do país e da América do Sul.

Outras famílias se dedicaram ao plantio da cana, contribuindo para o avanço da atividade em São Paulo, como Alves de Almeida, Batista, Junqueira, Nogueira, Reis de Magalhães e Rezende Barbosa. Localizada em Cosmópolis, a Usina Ester, uma das mais antigas em atividade, foi fundada ainda em 1898 por Arthur, José Paulino, Paulo de Almeida e Sidrack Nogueira, além de Antonio Carlos Silva Telles.

Famílias de descendentes de italianos também participaram ativamente na expansão da cultura da cana, como os de sobrenome Annicchino, Balbo, Bellodi, Biagi, Brunelli, Carolo, Colombo, Dedini, Frascino, Furlan, Lorenzetti, Marchesi, Malzoni, Morganti, Ometto, Pilon, Quagliato, Zanin, Zanini e Zillo. As famílias Dedini e Ometto, de modo específico, deram uma notável contribuição, com a fundação, por Mario Dedini e o compadre Pedro Ometto, do embrião das Indústrias Dedini.

Data de 1939 a fabricação, pela Dedini, do primeiro equipamento completo para usinas de cana, um conjunto de moendas para a Usina Nossa Senhora Aparecida. A expertise levou à criação da Codistil. Em 1992, Dedini e Zanini lançam a DZ Engenharia, Equipamentos e Sistemas, que se tornaria a maior fabricante mundial de equipamentos para o mercado de açúcar e álcool. Em um século de história, desde 1920, a Dedini fabricou mais de 100 usinas de cana, mais de 2.600 moendas, mais de 1.250 caldeiras; mais de 880 destilarias de etanol no Brasil e 115 plantas de cogeração de energia.

A Oficina Zanini, embrião de outra empresa fundamental para o crescimento da agroindústria canavieira, foi por sua vez criada em 1950, em Sertãozinho, com a parceria entre Ettore Zanini e Maurílio Biagi. De fato, Dedini, Ometto, Zanini, Biagi e também Zillo-Lorenzetti, Morganti, Silva Gordo, Marchesi, Nogueira e Coury/Furlan se firmaram como grandes marcas do setor, vetores essenciais para a expansão da cana e do etanol no Brasil.

O Grupo Pedro Ometto, especificamente, que se tornou em 1989 o maior produtor de açúcar e álcool do mundo, está na origem da Cosan, criada oficialmente em 2000. Em 2011, a Cosan e a Shell se uniram em joint-venture para formar a Raizen, uma das gigantes globais em energia.

Campanha de propaganda do Proálcool em 1979 (Foto Memória do Transporte Brasileiro)

Campanha de propaganda do Proálcool em 1979 (Foto Memória do Transporte Brasileiro)

1979, novo choque do petróleo

Em 1979, um novo choque do petróleo reafirmou a urgência de criação de alternativas energéticas em escala global. Desta vez, o choque foi originado na revolução fundamentalista liderada pelo aiatolá Khomeini, pela deposição do governo de Xá Reza Pahlevi. Com o corte na produção de petróleo pelo Irã, os preços novamente subiram no mercado internacional. Entre 1980 e meados da década, os preços aumentaram ainda mais, com a guerra entre Irã e Iraque.

Ainda em 1979, um fato da maior relevância para o Proálcool e a história do etanol no Brasil, com o acordo firmado entre o governo federal e a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA) visando o começo da produção de carros movido a etanol de cana-de-açúcar. O acordo foi estabelecido após intensas negociações tendo o empresário Mário Garnero como um dos principais protagonistas.

Garnero relata que a decisão histórica de produção de carros movidos a álcool no Brasil foi tomada a partir de uma ideia que evoluiu desde um encontro que manteve com o então ministro do Planejamento, Mário Henrique Simonsen. Após a solenidade de abertura de uma feira no Palácio de Exposições no Anhembi, Simonsen convidou Garnero para uma conversa, no banco de trás de seu automóvel. No encontro, o ministro afirmou que o Brasil passava por sérios problemas no balanço de pagamentos e que uma das soluções pensadas seria a adoção de racionamento do uso de gasolina.

Então presidente da ANFAVEA e diretor de relações industriais da Volkswagen, Garnero argumentou que o racionamento teria sérias consequências para a indústria automotiva, para a cadeia de fornecedores de autopeças, para o mercado de seguros, enfim, atingiria boa parte do PIB brasileiro e os empregos de milhares de cidadãos. O empresário pediu então um tempo para que fossem encontradas alternativas e Simonsen aceitou. Uma proposta seria apresentada na próxima reunião do Conselho Nacional de Energia (CNE), do qual Garnero era membro.

O presidente da ANFAVEA procurou então os dirigentes das principais montadoras de automóveis no Brasil, que se encontraram em reunião na sede da Volks no Brasil: Wolfgang Sauer, da própria Volkswagen; Joe Sanchez, da General Motors; Joseph O’Neil, da Ford; Silvano Valentino, da Fiat; e Werner Jessen, da Mercedes Benz. Garnero apresentou a situação para os dirigentes e Sauer manifestou-se favorável. A Fiat já estava em estudos avançados para a produção de veículo a álcool e os diretores da GM e Ford pediram um tempo para consultar suas áreas de engenharia.

O passo seguinte, segundo Garnero, foi uma reunião com as lideranças do setor sucroalcooleiro e ela aconteceu no Rio de Janeiro, na sede da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O setor sucroalcooleiro imediatamente deu o aval à proposta de fabricação do automóvel a álcool, garantindo que haveria suficiente produção do combustível.

Garnero assinala que, com efeito, foi fundamental a participação dos produtores de cana-de-açúcar, como nos casos de Maurílio Biagi Filho e João Guilherme Ometto. Também cita o papel especial do então presidente da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (Faesp), Fábio Meirelles, no sentido de convencer o setor sucroalcooleiro a consolidar o estado como o grande produtor de etanol no Brasil. Os usineiros do Nordeste e do Paraná, como no caso de Jorge Wolney Attala, também foram importantes, completa o ex-presidente da ANFAVEA.

Com o apoio do setor automotivo e do segmento sucroalcooleiro, Garnero levou a proposta para a reunião em Brasília do Conselho Nacional de Energia, onde foi surpreendido com a ausência do próprio ministro Mário Henrique Simonsen, que estava demissionário. De qualquer modo o presidente da ANFAVEA apresentou a proposta, encontrando apoio em conselheiros como o ministro João Camilo Penna, da Indústria e Comércio, e o secretário-executivo do CNE, Eduardo Celestino Rodrigues, um respeitado especialista no tema.

Por outro lado, a ideia do carro a álcool encontrou forte oposição na reunião do Conselho, particularmente do general Oziel de Almeida, representante do Conselho Nacional do Petróleo que, segundo Garnero, chegou a afirmar que “este é o plano mais antinacional e antipatriótico que alguém já apresentou no Brasil”. O presidente da Petrobras, Shigeaki Ueki, também se manifestou contrário à ideia. Segundo Garnero, logo após a reunião, Ueki o convidou para almoçar na lendária Churrascaria do Lago. O presidente da Petrobras sustentou que haveria dificuldades na distribuição do álcool e na estrutura operacional da estatal.

Pouco depois da reunião do CNE, em que de qualquer forma a proposta foi aprovada, Garnero teve a oportunidade de se encontrar com o presidente João Batista Figueiredo, que lhe perguntou sobre o projeto do automóvel a álcool. Diante dos impasses relatados pelo empresário, o presidente solicitou imediatamente a gestão do ministro das Minas e Energia, Cesar Cals, que por sua vez obteve de Shigeaki Ueki a adesão da Petrobras.

No dia 19 de setembro de 1979, foi assinado, no Palácio do Planalto, o protocolo histórico entre o governo federal, por meio do Ministério da Indústria e do Comércio, e a ANFAVEA, representados por Camilo Penna e Mário Garnero, para a produção do automóvel a álcool no Brasil. O acordo previa uma produção escalonada, de 250 mil veículos no primeiro ano, 300 mil no segundo e assim por diante, até a produção de 1 milhão de veículos anuais.

No mesmo dia de assinatura do acordo, ele foi divulgado nos principais jornais do mundo, em anúncio pago pelas associadas da ANFAVEA: Volkswagen, Mercedes-Benz, Saab-Scania, Ford, General Motors, Fiat Diesel, Fiat Automóvel, Toyota, Puma e Gurgel Veículos. Teve início então uma forte campanha publicitária e de comunicação, no sentido de convencer o consumidor brasileiro sobre as vantagens do automóvel a álcool.

O primeiro veículo com motor a álcool no Brasil, em escala industrial, foi lançado em 5 de julho de 1979. Era o modelo 147 da Fiat. Logo em seguida, o acordo entre a ANFAVEA e o governo impulsionou a produção por outras montadoras. Era o início na prática do segundo ciclo do Proálcool.

Foram 3 mil veículos a álcool produzidos em 1979 e em 1985 já eram 573 mil, chegando a 697 mil em 1986. A área plantada com cana-de-açúcar cresceu significativamente no período, de 2.607.628,00 hectares em 1980 para 4.314.146,00 hectares em 1987, permanecendo praticamente neste patamar na década seguinte, chegando a 5.100.405,00 hectares em 2002.

Desde meados da década de 1980, os preços do petróleo caíram significativamente, barateando os preços da gasolina. Em 1989, houve um desabastecimento de álcool, afetando a confiança do mercado. A abertura da economia, no início da década de 1990, durante o governo de Fernando Collor de Mello, abrindo o mercado para a importação de veículos, em sua maioria a gasolina, também afetou o mercado dos veículos a álcool. Uma novidade, entretanto, ocorreria em 2003, levando o Proálcool e a produção de etanol a um novo patamar no país.

Campus da Esalq, em Piracicaba: um dos centros de pesquisa  sobre a cana-de-açúcar (Foto José Pedro Soares Martins)

Campus da ESALQ, em Piracicaba: um dos centros de pesquisa sobre a cana-de-açúcar (Foto José Pedro Soares Martins)

CIÊNCIA E TECNOLOGIA IMPULSIONARAM ETANOL E FORAM IMPULSIONADAS POR ELE

“O Proálcool e o etanol se expandiram e se fortaleceram no Brasil com a fundamental contribuição da ciência e tecnologia, de escolas de agricultura como a ESALQ e instituições como o Agronômico de Campinas e a Embrapa”, afirma o agrônomo Nelson Matheus, que há décadas acompanha a evolução do setor sucroalcooleiro e agricultura em geral em São Paulo. Ele mesmo formado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ-USP), foi diretor da Associação de Engenheiros Agrônomos do Estado de São Paulo (AEASP) e evidencia o papel da ciência e tecnologia por exemplo no melhoramento genético da cana-de-açúcar, que foi decisivo para o incremento da produtividade.

De fato, desde 1933 o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) se dedica ao melhoramento genético da cana-de-açúcar. Já foram dezenas de variedades desenvolvidas pelo IAC e lançadas para o setor. Muitas delas já foram apresentadas na Agrishow, em Ribeirão Preto. Em média, 6,5 novas variedades de cana foram lançadas por ano nas últimas duas décadas, por instituições como o próprio IAC, o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), de Piracicaba, criado em 1969 e apoiado pela Copersucar, e a Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroenergético (RIDESA).

Duas das novas variedades consideradas de alta performance, como a IAC 2361 (Nacional) e a IAC 6166 (Regional: Paraná, Ourinhos, Assis e MS), foram apresentas pelo diretor do Instituto Agronômico, Marcos Landell, em encontro promovido pelo Grupo Ideia, nos últimos dias 4 e 5 de setembro, em Ribeirão Preto.

Importantes avanços tecnológicos no setor foram igualmente proporcionados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), criada a 26 de abril de 1973 e que contribuiu para a evolução da agricultura brasileira de forma geral. A Embrapa Territorial, sediada em Campinas, utiliza a tecnologia de satélite para monitorar a agricultura nacional, incluindo as áreas da cana-de-açúcar.

“A tecnologia de satélites tem sido um divisor de águas para a produção sustentável de etanol. Com ela, é possível monitorar as áreas de cultivo, a qualidade do solo e a cobertura vegetal, garantindo uma gestão mais precisa e sustentável da cana-de-açúcar”, afirma o chefe-geral da Embrapa Territorial, Gustavo Spadotti. “Conseguimos também, quase em tempo real, disparar alertas sobre queimadas e incêndios, agilizando seu combate. Além disso, o uso de dados geoespaciais permite aferir práticas como o manejo integrado de pragas e as boas práticas no uso de fertilizantes, otimizando recursos e reduzindo o impacto ambiental. Essa agricultura de precisão é uma ferramenta vital para aumentar a eficiência produtiva e assegurar que o crescimento do setor não comprometa a sustentabilidade”, completa Spadotti.

Novos investimentos em organizações de pesquisa, sobretudo em termos de incremento da sustentabilidade, têm associação direta com o setor sucroenergético. A área de cultivo da cana-de-açúcar é um dos campos de pesquisa, por exemplo, do Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical (CCarbon), criado no início de 2023 e que foi instalado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), em Piracicaba. “O Centro vai intensificar estudos e disseminar conhecimento sobre plantio direto, interação de lavoura, pecuária e floresta e práticas regenerativas, visando a redução das emissões e o maior sequestro de carbono na agropecuária”, sintetiza Carlos Eduardo Pellegrino Cerri, docente do Departamento de Ciência do Solo da Esalq e coordenador do CCArbon. Cerri nota que o CCarbon é fruto de projeto aprovado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), para funcionar como um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela organização.

Cerri cita o bom exemplo do setor sucroalcooleiro paulista, como case mundial de descarbonização e contribuição com a transição energética, e entende que a produção de biocombustível pode crescer ainda mais no Brasil, em várias regiões. Nesse sentido, entende que o hidrogênio verde, contemplando a produção de hidrogênio a partir de biocombustível, é o futuro em termos de energia renovável, e que o Brasil tem totais condições de liderar esse processo, a partir do que já feito no estado de São Paulo. “Quando os postos de combustíveis tiverem uma estação de produção de hidrogênio a partir do etanol, será uma enorme transformação de impacto global”, sinaliza.

Carlos Cerri, da ESALQ: setor sucroalcooleiro é exemplo de descarbonização (Foto Divulgação)

Carlos Cerri, da ESALQ: setor sucroalcooleiro é exemplo de descarbonização (Foto Divulgação)

O carro flex e a expansão do etanol

Em abril de 2003 foi lançado o primeiro carro flex do Brasil, o Gol Total Flex 1.6, resultado da parceria entre a Volkswagen e a Magneti Marelli. Em junho seguinte foi a vez do lançamento do Corsa Flexpower, desta vez consequência da parceria entre GM e Delphi. A Bosch também contribuiu significativamente para o advento e fortalecimento do carro flex no país, permitindo ao consumidor utilizar gasolina ou álcool no tanque. Foi mais um importante e decisivo incremento à expansão do etanol da cana no país.

Entre 2003, ano de lançamento, até 2012, a produção de veículos flex-fuel cresceu de 48.178 unidades para 3.162.939 unidades. No mesmo período, a fabricação de carros a gasolina caiu de 1.152.463 para 273.922 veículos, segundo dados da Anfavea.

Houve uma notável expansão dos canaviais a partir do lançamento do automóvel flex, de 5.371.020,00 hectares em 2003 para 7.531.000,00 hectares em 2009. Nesse período a produção de cana subiu de 396.012.158,00 toneladas para 612.211.200,00, com a relevante contribuição, mais uma vez, dos melhoramentos promovidos por instituições como a Embrapa e o Instituto Agronômico de Campinas. O rendimento da cana no período evoluiu de 72,58 toneladas por hectare em 2003 para 81,29 tonelada por hectare em 2009. No mesmo período, a produção de etanol da cana saltou de 14.470,30 metros cúbicos em 2003 para 25.866,06 metros cúbicos em 2009, conforme dados da UNICA, Mapa, IPEA, Conab, ANP e IEA.

A crise financeira internacional de 2008 repercutiu fortemente em várias atividades econômicas e não foi diferente no setor do etanol.  Assim, a produção de etanol hidratado começou a cair, declinando de 18,6 bilhões de litros na safra de 2009–2010 para 13,96 bilhões de litros na safra de 2012–2013. Já a produção de etanol anidro cresceu de 7 bilhões de litros na safra de 2009–2010 para 9,6 bilhões na safra de 2012–2013.

Na safra 2013-2014, a área cultivada de cana no Brasil chegou a 10.652.691 hectares, com uma área colhida de 8.811.430 hectares. A crise econômica no país, a partir de 2014, repercutiu novamente no setor sucroenergético e a área plantada permaneceu mais ou menos no patamar de 9 a 10 milhões de hectares nos anos seguintes. Foi de 9.849.857 hectares na safra 2022-2023, com área colhida de 8.288.867 hectares.

Antônio dos Reis Pereira: só usa álcool como combustível (Foto Arquivo Pessoal)

Antônio dos Reis Pereira: só usa álcool como combustível (Foto Arquivo Pessoal)

O carro flex, em suma, mudou para melhor o panorama do etanol da cana no Brasil. Dos 39.095 automóveis flex licenciados em 2003, a frota subiu para o recorde de 2.834.334 licenciados em 2012. No ano seguinte, novos números históricos, com 2.833.091 veículos flex licenciados.  De  fato, a crise econômica brasileira a partir de 2014 repercutiu muito no mercado e a frota foi declinando nos anos seguintes, mas sempre com números acima de 1,5 milhão de veículos licenciados. Nova recuperação e em 2019 foram 2.123.841 licenciados. A pandemia de Covid-19 afetou novamente o segmento a partir de 2020 e em 2022 a frota flex licenciada foi de 1.437.713 veículos, sempre acima da frota exclusivamente a gasolina, que foi de 44.286 automóveis licenciados em 2022,  conforme dados da ANFAVEA. Desde o lançamento do carro flex, a área plantada e colhida de cana-de-açúcar apenas cresceu no país, e o mesmo na fabricação do etanol.

“Meu carro é flex e não quero outro”, diz Antônio dos Reis Pereira, nascido em Minas Gerais e morador de Campinas. Motorista profissional há mais de 35 anos, Pereira costuma afirmar que o tanto que viajou pelo Brasil daria para dar várias voltas ao mundo ou ir diversas vezes até a Lua. Ele diz que todos os automóveis que já teve foram flex, desde que essa modalidade chegou ao mercado. “Só uso álcool, o carro flex é excelente, sem comparação”, completa, resumindo o sentimento de milhares de brasileiros que diariamente experimentam e vivem na prática a grande revolução econômica e social provocada pelo etanol no país, com especial impulso a partir do Proálcool e, agora, com novas perspectivas abertas para o futuro, em função de rápidos avanços tecnológicos.

Cultivo da cana presente em 1.200 municípios (Foto Adriano Rosa)

Cultivo da cana presente em 1.200 municípios (Foto Adriano Rosa)

O ESTADO DA ARTE DO ETANOL DEPOIS DE 100 ANOS

Ficaram evidentes os impactos do etanol na economia e na sociedade brasileira, em 100 anos de uma história recheada de desafios superados, de barreiras sobrepostas pela ciência, tecnologia, empreendedorismo e ousadia. De acordo com dados do IBGE e Agrosatelite, o cultivo da cana-de-açúcar é uma atividade hoje presente em 1.200 municípios brasileiros, cerca de 20% do total, e com isso o país é o maior produtor mundial, com aproximadamente 716,4 milhões de toneladas processadas na safra 2023/2024. O Centro-Sul, com a liderança de São Paulo, soma 91,3% da produção, enquanto o Norte-Nordeste responde por 8,7%.

Como consequência desse vigor, o Brasil é o maior produtor (46 milhões de toneladas) e o maior exportador de açúcar do planeta, com 35,3 milhões de toneladas exportadas no ciclo 2023/2024,  valor correspondente a 25% da produção global e 50% da exportação mundial, segundo dados da UNICA. 

Do mesmo modo, o Brasil é o segundo maior produtor de etanol, em um ranking liderado pelos Estados Unidos. Na safra 2023/2024, o volume produzido foi de 35,9 bilhões de litros, sendo mais de 80% derivados da cana-de-açúcar. São 6,27 bilhões de litros de etanol produzidos a partir do milho.

Apesar de toda essa pujança, a cana-de-açúcar cobre somente 1,2% do território brasileiro, 0,9% dos quais destinados à produção etanol (cana e milho), conforme dados da ANP. “No início do Proálcool, foi levantado o alarmismo de que o território nacional iria se transformar em um grande canavial, expulsando das melhores terras a produção de alimentos, para dar lugar ao plantio da cana-de-açúcar”, comenta o empresário Mario Garnero. Ele nota que, entretanto, em 1979, a produção anual era de cerca de 2 milhões de metros cúbicos de álcool, a maior parte destinada para misturar a gasolina,  ao  passo que a produção de grãos era de 6 milhões de toneladas. 

Quatro décadas depois, a produção de álcool em 2018 chegou a 28 milhões de metros cúbicos, enquanto a safra de grãos atingiu 230 milhões de toneladas. De acordo com o primeiro levantamento da safra 2024/2025, feita pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e divulgada a 15 de outubro, será batido um novo recorde de área cultivada e produção de grãos, com 81,34 milhões de hectares cultivados e produção de 322,47 milhões de toneladas, 8,3% ou 24,62 milhões de toneladas a mais do que o verificado em 2023/24. 

O setor sucroenergético é responsável pela geração de 730 mil empregos formais, segundo a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério do Trabalho e Previdência de 2023. Somados os empregos indiretos gerados pelo setor, são aproximadamente 2,2 milhões de pessoas empregadas na cadeia da cana-de-açúcar.

Segundo estudo de Moraes, Bacchi e Caldarelli (“Accelerated growth of the sugarcane, sugar, and ethanol sectors in Brazil (2000-2008): Effects on municipal gross domestic product per capita in the south-central region”, Biomass & Bioenergy, 2016), a existência de uma planta de etanol no município eleva o PIB médio per capita no ano de instalação da usina em US$ 1.098,00 enquanto o das 15 cidades mais próximas tem acréscimo médio de US$ 458,00.

O valor bruto movimentado pela cadeia sucroenergética supera US$ 100 bilhões, com um PIB de aproximadamente US$ 40 bilhões, montante equivalente a cerca de 2% do PIB brasileiro, segundo a UNICA. Ainda conforme a UNICA, o número de produtores rurais de cana-de-açúcar independentes é de cerca de 70 mil fornecedores.

Estes são os números que comprovam o sucesso do Proálcool e do empreendedorismo típico de uma cadeia produtiva cada vez mais ativa e voltada para o futuro. E com o suporte essencial da ciência e tecnologia, o etanol vislumbra um futuro ainda mais promissor, considerando o contexto global de muitos desafios relacionados ao enfrentamento das mudanças climáticas e às demandas da transição energética.

Eduardo Vasconcellos Romão: setor vive novo momento, com foco em dados e novos produtos no horizonte (Foto Divulgação)

Eduardo Vasconcellos Romão: setor vive novo momento, com foco em dados e novos produtos no horizonte (Foto Divulgação)

Um dos fornecedores que estão na base da cadeia produtiva é Eduardo Vasconcellos Romão, engenheiro agrônomo formado pela ESALQ e produtor na região de Jaú, interior de São Paulo. Ele é ex-presidente e o atual diretor-tesoureiro da ORPLANA – Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil, que foi fundada em 29 de junho de 1976, visando organizar a classe dos produtores e ampliar sua representatividade no Brasil e no exterior.

Com sede em Ribeirão Preto, a ORPLANA conta, atualmente, com 32 associações de fornecedores de cana, sendo 24 no estado de São Paulo, 1 no Mato Grosso, 1 no Mato Grosso do Sul, 3 em Minas Gerais e 3 em Goiás. A ORPLANA representa aproximadamente 11 mil fornecedores de cana em toda Região Centro-Sul do Brasil e a partir de setembro de 2019 passou a ter abrangência nacional.

Romão observa que, além de organizar e representar o setor, a ORPLANA atua hoje fortemente com bancos de dados, “que são fundamentais por exemplo para a cada vez mais solicitada rastreabilidade dos produtos e para receitas não agrícolas para o setor, como créditos de carbono”. O diretor da ORPLANA, que foi o primeiro brasileiro a presidir a Associação Mundial dos Produtores de Açúcar de Beterraba e de Cana (WABCG), entende que o setor sucroalcooleiro está vivendo a quarta etapa de sua história.

A primeira foi a da produção de açúcar e etanol. A segunda etapa, a da produção de energia a partir dos resíduos. A terceira, do etanol 2G, já em fase adiantada. E a quarta etapa é a dos novos produtos que serão gerados a partir do etanol, como o hidrogênio verde e o SAF. “É mais uma notável contribuição do setor para os necessários avanços da sustentabilidade e o Brasil pode confirmar uma liderança global, tem muito espaço para crescer”, diz Romão, pertencente a uma família que há gerações trabalha com a cana-de-açúcar. Uma família, portanto, que tem vivenciado na prática os avanços constantes do setor, em sintonia com os avanços tecnológicos que Romão conhece bem, como ex-aluno de uma das principais instituições científicas em agronomia na América Latina.

Gustavo Spadotti, da Embrapa: canaviais paulistas são modelo de sustentabilidade produtiva (Foto Divulgação)

Gustavo Spadotti, da Embrapa: canaviais paulistas são modelo de sustentabilidade produtiva (Foto Divulgação)

O protagonismo de São Paulo

O estado de São Paulo continua sendo líder absoluto no setor sucroenergético. Em 2000, quando a área colhida de cana no Brasil foi de 4,8 milhões de hectares, com área plantada de 4,9 milhões, São Paulo somava 2,5 milhões de área colhida.  Em 2021, quando a área plantada e colhida praticamente foram equivalentes, em torno de 10 milhões de hectares, São Paulo respondeu por 5,4 milhões de área colhida.

São 472 municípios paulistas envolvidos no cultivo da cana-de-açúcar, equivalendo a mais de 70% do total do estado. O faturamento da agroindústria canavieira no Estado de São Paulo superou R$ 105 bilhões na safra 2023/2024, segundo o Conselho dos Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Etanol do Estado de São Paulo (Consecana-SP).

O setor sucroenergético responde por quase metade do valor gerado por toda a agropecuária do Estado de São Paulo, segundo dados da UNICA. Em 2023, a atividade canavieira agregou R$ 59,2 bilhões à produção agropecuária paulista, sendo a 1ª no ranking do Valor da Produção Agropecuária (VPA) do estado, de acordo com o Instituto de Economia Agrícola (IEA).

“A manutenção da cadeia sucroalcooleira e a expansão do etanol em São Paulo é crucial para a competitividade da agricultura paulista e para o processo de “desfossilização” – neologismo – energética no Brasil. Os canaviais paulistas já se destacam pelo uso eficiente dos recursos naturais, economia circular pela reutilização da torta de filtro e da vinhaça. e pela alta produtividade, consolidando-se como modelo de sustentabilidade produtiva”, sintetiza Gustavo Spadotti, chefe-geral da Embrapa Territorial, sobre o papel crucial do setor sucroenergético de São Paulo e suas perspectivas. A presença dos mais importantes centros de pesquisa sobre o setor em território paulista é  mais uma garantia de que novos caminhos sendo abertos.

O E2G E O FUTURO DO ETANOL NO BRASIL

No dia 24 de maio de 2024, a Raízen, maior produtora global de etanol da cana-de-açúcar, inaugurou  sua nova planta de Etanol de Segunda Geração (E2G), no Parque de Bioenergia Bonfim, em Guariba (SP). A segunda planta de etanol celulósico da companhia representou um investimento de R$ 1,2 bilhão e é a maior do mundo, já contando com 80% do volume contratado sobre capacidade de produção de 82 milhões de litros por ano.

“Com uma pegada de carbono 80% menor que a gasolina comum brasileira e 30% menor que o Etanol de Primeira Geração (E1G), esta iniciativa representa uma inovação tecnológica significativa no setor de bioenergia, sendo um exemplo da economia circular rentável, destacando-se pela redução de desperdícios e impactos ambientais, uma vez que aumentamos em 50% a produção sem precisar de um hectare a mais de cana e não compete com a produção de alimentos”, destacou Ricardo Mussa, CEO da Raízen.

O E2G, etanol de segunda geração, é fabricado a partir dos resíduos resultantes do processo de fabricação do etanol de primeira geração, o etanol feito da cana-de-açúcar. Este é apenas um dos avanços tecnológicos no setor do etanol da cana no Brasil, que abrem novas perspectivas para o etanol em futuro próximo. A própria Raízen, por exemplo, já anunciou a construção de nove plantas do etanol celulósico, todas com seus volumes comercializados, em euros, em contratos de longo prazo. O planejamento da empresa contempla outras onze plantas, somando 20 unidades de E2G com a capacidade de produzir 1.6 bilhão de litros por ano.

A ampliação da produção de E2G representa, entretanto, apenas uma das possibilidades abertas para o etanol no Brasil nos próximos anos. A produção de combustível de aviação (SAF) é outra delas, considerando as próprias  demandas associadas ao enfrentamento das  mudanças climáticas. Estudos indicam que o SAF pode reduzir a emissão de COentre 70% e 90%em comparação com o querosene de aviação atualmente utilizado. O SAF é processado com a utilização de hidrogênio que reage com o dióxido de carbono (CO2), gerando os hidrocarbonetos de cadeia longa semelhantes ao do querosene de aviação. Desta forma, o hidrogênio produzido a partir do etanol também é um caminho promissor para o setor sucroalcooleiro no Brasil. O futuro está em aberto e ele já está acontecendo. Nesse sentido a Lei do Combustível do Futuro, de 8 de outubro de 2024, pode ser de fato o portal para um novo e brilhante período da história de sucesso do etanol no país, contemplando os avanços robustos conquistados a partir do Proálcool.

Um futuro em aberto, com base nas conquistas socioambientais do etanol da cana e que lhe credenciam a novos voos no cenário da urgente transição energética global. De acordo com estudo publicado no início de 2023, entre 2000 e 2020 o setor canavieiro brasileiro retirou em média 9,8 milhões de toneladas de CO2 por ano da atmosfera. Isto significa a captura de 196 MtCO2 em duas décadas pelo segmento, de acordo com estudo assinado por pesquisadores da Agroicone, Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp e Embrapa Meio Ambiente.

O estudo revelou que 25% da área plantada com cana-de-açúcar em 2020 já tinham essa finalidade em 2000. Os 6,1 milhões de hectares acrescidos com a cultura em duas décadas corresponderam à conversão de áreas que, antes, eram destinadas a pastagens (60%), culturas anuais (16%) e mosaicos (22%). Somente 1,6% das novas áreas plantadas com cana-de-açúcar eram originalmente de vegetação nativa.

Do mesmo modo, o consumo de etanol hidratado pelos automóveis flex, combinado à mistura atual obrigatória de 27% de etanol anidro na gasolina, reduziu a emissão de gases de efeito estufa (GEE) em mais de 660 milhões de toneladas de CO2eq desde março de 2003 (data do lançamento dos veículos flex no Brasil), até dezembro de 2023, segundo dados da UNICA, com base em informações da ANFAVEA.

Outro ganho notável é derivado da bioeletricidade gerada a partir do processamento da cana, geralmente próxima dos centros consumidores, o que significa redução das perdas do sistema e a necessidade de investimentos em transmissão. Em 2023, a geração de bioeletricidade para a rede a partir da biomassa de cana foi de 21 TWh. É um montante equivalente a cerca de 25% da geração de energia elétrica pela Usina Itaipu em 2023 ou a atender 4% de todo consumo nacional do Brasil no ano, ou 10,8 milhões de unidades consumidoras residenciais, estima a Unica. Segundo o Balanço Energético Nacional 2024, da Empresa de Pesquisa Energética, a capacidade instalada de geração de eletricidade a partir do bagaço da cana aumentou de 9.881 megawatts em 2014 para 11.988 MW em 2023.

Fabio Raya, pesquisador da Unicamp: "Potencial do agave é imenso" (Foto Divulgação)

Fabio Raya, pesquisador da Unicamp: “Potencial do agave é imenso” (Foto Divulgação)

AGAVE É NOVA OPÇÃO PARA A PRODUÇÃO DE ETANOL

A seca intensa verificada neste ano no estado de São Paulo e grande parte do Brasil não deixou dúvidas sobre a urgência de busca de novos roteiros para viabilizar a transição energética. Pois uma planta originária do México, mas que se adaptou muito bem no semi-árido e outras regiões do Brasil, pode vir a ser mais uma importante opção no cardápio de alternativas para a produção do etanol no país. É o agave, uma planta que está na origem da fabricação tanto da tequila quanto das fibras de sisal e que está no centro de linhas de pesquisa envolvendo duas das principais instituições científicas paulistas, ambas sediadas em Campinas, a Unicamp e o Instituto Agronômico.

A Unicamp é uma das parceiras, ao lado da Shell e do Senai Cimatec, da Bahia, entre outras instituições, do Programa Brave – Brazil Agave Development, lançado em novembro de 2022 e que contempla a construção de uma biorrefinaria de etanol a partir do agave na caatinga baiana. O Brave, que também envolve USP, Unesp e Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), abrange o trabalho de dezenas de pesquisadores, empenhados na viabilização do uso do agave para a produção de etanol.

“O potencial do agave para a transição energética é imenso”, afirma Fabio Raya, pesquisador do Laboratório de Genômica e bioEnergia (LGE) do Instituto de Biologia da Unicamp. Ele nota que, perfeitamente adaptado ao semi-árido, o agave, entre outros diferenciais, precisa de um volume de chuvas de 300 a 800 milímetros por ano, por hectare, enquando a cana-de-açúcar demanda um volume de 1.200 a 1.800 milímetros de chuvas anuais, por hectare. Além do mais, o agave consegue resistir a longos períodos sem chuva.

Raya lembra também que o rendimento do agave por hectare pode chegar a 880 toneladas de alta densidade energética, proporcionando ainda o armazenamento de 617,7 toneladas de água e a captura de 385,4 toneladas de carbono. Outro dado que ratifica as enormes perspectivas abertas pelo uso do agave para a produção do etanol é que ele pode ser cultivado em toda exensão da caatinga, que soma 84 milhões de hectares entre a Região Nordeste e o norte de Minas Gerais, enquanto a atual produção de cana-de-açúcar abrange cerca de 8 milhões de hectares, entre o interior de São Paulo, regiões do Centro-Oeste e áreas de estados nordestinos próximas ao litoral.

Em função de todos esses elementos é que um conjunto de instituições públicas e privadas se reuniu no Brave, que já tem resultados relevantes. Foi no âmbito do programa que cientistas do LGE-IB da Unicamp aplicaram engenharia genética para desenvolver uma cepa geneticamente modificada da levedura Saccharomyces cerevisiae, que tem a capacidade de digerir o principal carboidrato presente no agave.

A cepa desenvolvida pelos pesquisadores da Unicamp, que gerou um pedido de patente encaminhado ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), contribui para o processo de produção do etanol a partir do agave. As pesquisas na Unicamp sobre agave utilizaram variedades na coleção do Instituto Agronômico de Campinas.

Etanol do milho – O êxito do álcool da cana como combustível no Brasil, confirmando a tendência do país a liderar as energias renováveis, impulsionou de fato os estudos e projetos envolvendo a produção de etanol de outras espécies. É também o caso do etanol do milho, que tem produção crescente no país. Na safra de 2023/2024, a produção foi de cerca de 6 bilhões de litros, alta de 36% em relação ao ciclo anterior e de 800% nos últimos cinco anos, conforme estimativas da União Nacional do Etanol de Milho (Unem). O chefe-geral da Embrapa Territorial, Gustavo Spadotti, projeta de fato um bom futuro para o etanol do milho no país, como mais um impacto positivo do sucesso do etanol da cana: “Além da cana-de-açúcar, o etanol de milho tem se mostrado uma alternativa importante para a diversificação da matriz energética brasileira. O Estado de São Paulo, ao lado do Centro-Oeste, tem adotado essa cultura de forma estratégica, complementando a produção de etanol de cana e oferecendo coprodutos valiosos como o DDG (Dried Distillers Grains ou, traduzido, grãos secos de destilaria) para ração animal e óleo de milho, ambos com alto valor agregado. O avanço do etanol de milho contribui para aumentar a oferta de bioenergia e ajuda a garantir a segurança alimentar e energética, reforçando a importância do Brasil como líder global na transição para energias renováveis”.

Ministros João Camilo Penna, da Indústria e Comércio, e Amaury Stabile, da Agricultura, saindo de reunião sobre o Proálcool em Brasília, em janeiro de 1980 (Foto inserida no Projeto Memórias Reveladas, do Arquivo Nacional)

Ministros João Camilo Penna, da Indústria e Comércio, e Amaury Stabile, da Agricultura, saindo de reunião sobre o Proálcool em Brasília, em janeiro de 1980 (Foto inserida no Projeto Memórias Reveladas, do Arquivo Nacional)

SNI MONITOROU TRAJETÓRIA DO PROÁLCOOL

O Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão mais poderoso da “comunidade de inteligência” durante o regime militar, monitorou toda a trajetória do Programa Nacional do Álcool (Proálcool) e do etanol da cana-de-açúcar. É o que mostram os documentos arquivados no Projeto Memórias Reveladas, do Arquivo Nacional. Os documentos também revelam que o monitoramento do Proálcool e do etanol,  por agentes da “comunidade de inteligência”, prosseguiu mesmo durante o período de redemocratização do Brasil, com a posse do presidente José Sarney em 1985. O SNI foi criado em 13 de junho de 1964, pela lei federal 4341, logo depois portanto do movimento civil-militar de 31 de março que depôs o presidente João Goulart.

Os documentos arquivados no Projeto Memórias Reveladas mostram que o SNI e demais órgãos da “comunidade de inteligência”, como as Divisões de Segurança e Informação dos ministérios, registraram toda a documentação oficial referente ao Proálcool, desde o seu lançamento em 1975. Pronunciamentos de autoridades federais e estaduais, os projetos de financiamento aprovados, eventuais críticas ao Proálcool, como do empresário João Conrado do Amaral Gurgel, todo esse movimento relacionado ao Programa e ao etanol da cana foi acompanhado de perto pelos agentes do SNI e outras agências, que também elaboraram análises detalhadas sobre o tema.

Documento sobre visita de professores norteamericanos a usina no interior de São Paulo, encaminhado ao SNI

Documento sobre visita de professores norteamericanos a usina no interior de São Paulo, encaminhado ao SNI

O monitoramento abrangeu até detalhes como marchinhas de Carnaval encaminhadas à censura no final de 1979, com o mesmo título “Proálcool”. No dia 12 de dezembro de 1983, a Agência Central do SNI em Brasília registrou outro documento curioso, elaborado sob responsabilidade do Ministério do Exército. Era o documento originado da 11a Divisão de Infantaria Blindada, sobre a visita, em 19 de junho daquele ano, de três professores da Universidade de Nova York à Usina Santa Elisa, em Sertãozinho (SP). Segundo o documento registrado pelo, SNI, o objetivo da visita era “obter dados para uma pesquisa sobre mudanças sociais decorrentes da realização do PROGRAMA PROALCOOL”.

“Durante o período em que permaneceu trabalhando na área da Usina, em contato com trabalhadores, fazendo levantamento da qualidade de alimentação, quanto ganha por dia, modo de vida, conforto junto a sociedade e etc, o referido grupo foi acompanhado por um empregado da Usina, responsável pela manutenção de viaturas e maquinários”, relatou o agente que escreveu o documento.

Outro documento, datado de 13 de fevereiro de 1989 e sempre sob a chancela de “CONFIDENCIAL”, resumiu o Simpósio Internacional de Avaliação Sócio-Econômica da Diversificação do Setor Canavieiro”, promovido pela Planalsucar e realizado de 1 a 5 de agosto de 1988 em Águas de São Pedro, vizinha do polo sucroenergético de Piracicaba. “O encontro reuniu técnicos e empresários do BRASIL e de mais 13 países, num total de 250 participantes”, informou o responsável pelo documento, que sintetizou as apresentações de todos os conferencistas no evento. O documento deixa claro que o monitoramento sobre as atividades do setor canavieiro, presente em todo o ciclo do Proálcool, permaneceu mesmo após o fim do governo militar.

 

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