Capa » Blog Cultura Viva » DEVANEIOS? TALVEZ SIM, TALVEZ NÃO.
DEVANEIOS? TALVEZ SIM, TALVEZ NÃO.
A antropóloga e professora Regina Márcia Moura Tavares (Foto Martinho Caires)

DEVANEIOS? TALVEZ SIM, TALVEZ NÃO.

Regina Márcia Moura Tavares

Tarde iluminada, depois da chuva!

Apreciando as cores, as formas, a vista deslumbrante e o céu de um azul ofuscante matizado a cada momento pelas nuvens brancas, caminho relembrando minha meninice cheia de devaneios no quintal imenso da casa onde nasci. Revejo na memória meus pais inteligentes e o avô materno amantes da boa conversa, da música e da ação política, os quais colocaram em mim o gosto pelo conhecimento, a importância da superação das dificuldades e de se buscar sempre a melhor formação intelectual para uma atuação construtiva na sociedade.

Tais lembranças me levam à consideração do que, recentemente, li: “Os Devaneios do Caminhante Solitário” de Jean-Jacques Rousseau, obra postumamente publicada, na qual ele coloca que num mundo corrompido resta ao indivíduo refugiar-se na inação para reencontrar uma forma de liberdade.

Repentinamente, sinto-me identificada com o filósofo genebrino e concluo que os pensamentos, os projetos e as ações que tiveram e fizeram meus familiares e eu mesma no campo da Cultura, incluída aqui a ação Educativa e Cidadã, ficaram suspensos num espaço indefinido, pois em nada influenciam os comportamentos no mundo contemporâneo. A propósito, gerações e gerações vêm empreendendo estudo, reflexão, trabalho e energia para que a Vida Humana se torne um pouco mais confortável para todos, mais digna e esperançosa. Códigos religiosos e ideologias vários elegem valores sociais propondo padrões comportamentais para a população, em todos os quadrantes do globo, sem que as ações deletérias, a corrupção e a miséria desapareçam do planeta.

Constata-se, então, que em todas as sociedades humanas há algo comum, ou seja, há sempre um único grupo com poder de controle sobre o sistema social, principalmente quando a Comunicação Social é do tipo vertical. Vale lembrar que entre os povos ágrafos o conhecimento dos padrões comportamentais do grupo é passado de geração em geração pelos mais velhos, através da oralidade e a autoridade do Conselho dos Anciãos – isto devido ao fato de não existirem outras formas de aquisição de conhecimento na horizontal. No Egito antigo, mesmo já existindo os hieróglifos, somente tinham acesso à escrita os sacerdotes do templo e os faraós.

Percebe-se, então, que as formas de Comunicação Social vigentes numa sociedade são responsáveis pela própria organização do Poder nelas. No século XVI a imprensa de Gutemberg revolucionou a sociedade ocidental e não foi por acaso que Lutero, no mesmo século promoveu a Reforma Protestante, questionando os dogmas do catolicismo até então detentor exclusivo da verdade sobre a Vida e a Morte. E assim a Modernidade foi-se instalando no mundo ocidental questionando padrões anteriores, propondo novos que garantiram novas estruturas de poder. Várias criações foram estimuladas e novos atores sociais ganhando espaço pouco a pouco impondo novos valores à sociedade.

E a Roda da Vida continua sempre com ganhadores e perdedores!

Pergunto a mim mesma de que valem tantos códigos e credos inventados por nossa espécie Homo Sapiens sapiens, de fantástica capacidade criativa, se sua sobrevivência no passado e hoje é o resultado de ação predatória permanente? (Entre outros, pesquisas informam que a maior ave de rapina noturna do mundo, a coruja bufo-real, se alimenta de 552 espécie de vertebrados enquanto o ser humano preda 3.007 espécies, nem sempre para comer).

Atribui-se, habitualmente, o comportamento predador nas sociedades humanas aos modelos de organização do sistema produtivo. Acredito, porém, que não se pode descartar a ideia de ele ser um instinto natural de um representante da Classe Mammalia que se apropria de tudo que lhe possa garantir o conforto e algumas facilidades, o que inclui explorar o ambiente natural utilizando recursos que jamais voltarão.

No momento presente, o mundo todo está incomodado com o aumento da temperatura no planeta, seus impactos na saúde da população e na produção de alimentos. Da mesma forma, ansioso com o que nos reserva a Pós-Modernidade com os acelerados avanços na Tecnologia da Informação e a Biotecnologia. Parece-me, entretanto, que o maior problema que temos pela frente a exigir um enorme esforço de criatividade é o de sermos o mesmo Homo Sapiens que, sob a alva túnica ou a negra toga será sempre o lobo à espreita para cravar os dentes!

Regina Marcia_500X500Regina Márcia é antropóloga, especialista em Preservação do Patrimônio Cultural, escritora, conferencista, membro da ACL, do IHGGC e demais entidades culturais.

Reg3mar@gmail.com

Sobre ASN

Organização sediada em Campinas (SP) de notícias, interpretação e reflexão sobre temas contemporâneos, com foco na defesa dos direitos de cidadania e valorização da qualidade de vida.