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Ziraldo foi monitorado durante todo o regime militar
Documento mostrando que monitoramento sobre Ziraldo durou desde 1965 (Foto Reprodução)

Ziraldo foi monitorado durante todo o regime militar

Por José Pedro Soares Martins

Campinas, 6 de abril de 2024

Documentos que estão no site Memórias Reveladas, do Arquivo Nacional, comprovam como Ziraldo,  falecido neste sábado, 6 de abril de 2024, aos 91 anos, era considerado um grande inimigo pela ditadura instalada em 31 de março de 1964, por um golpe civil-militar. O monitoramento sobre Ziraldo Alves Pinto (1932-2024) foi constante desde 1965, como mostra um prontuário do Serviço Nacional de Informações (SNI) de 20 de fevereiro de 1970.

O prontuário nota que em 10 de junho de 1965 o “marginado” (expressão do documento) Ziraldo integrava a equipe do corpo de colaboradores da revista “Pif-Paf”, dirigida por Millôr Fernandes. A informação é atribuída ao DOPS do Rio de Janeiro. Também em junho de 1965, segundo o mesmo documento, o “marginado assinou manifesto pela liberdade de Ênio da Silveira”. O jornalista e escritor Ênio da Silveira (1925-1996) foi o líder da editora Civilização Brasileira, de publicações com críticas profundas ao regime militar.

Homenagem da cartunista Synnöve D.Hilkner a Ziraldo

Homenagem da cartunista Synnöve D.Hilkner a Ziraldo

O monitoramento sobre as atividades de Ziraldo foi permanente pelos órgãos da “comunidade de inteligência”. Documento de 13 de agosto de 1980, do mesmo SNI, informa sobre a participação do cartunista no ato público de 31 de julho daquele ano, no Rio de Janeiro, de crítica aos atentados a bancas de jornal “que  vendem literatura de cunho subversivo”. O documento assinala que no ato público os cartunistas Ziraldo e Henrique de Souza Filho, o Henfil, “referiram-se de modo desrespeitoso às Forças Armadas e seus componentes”.

A onda de atentados a bomba a bancas de jornal voltaria a ser citada por Ziraldo, em palestra durante o ciclo “Perspectivas do homem no século XX”, realizado em Campo Grande (MS),  pela Fundação Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. No dia 26 de novembro de 1982 esse ciclo foi encerrado com a participação de Ziraldo que, segundo documento da Agência de Campo Grande do SNI, disse que “um fato que contribuiu muito pare que a imprensa alternativa acabasse, foi o modo violento que o poder empregou, ou seja, mandou queimar o explodir todas as bancas de revistas e jornais que vendessem qualquer tipo de imprensa alternativa e com isso o poder aquisitivo dessas firmas diminuiu”. A observação final do agente que redigiu o documento:  “A exposição feita por ZIRALDO ALVES PINTO caracterizou-se pela inexpressividade, comparando-se com palestras proferidas anterior mente no ciclo de palestras PERSPECTIVAS DO HOMEM NO SÉCULO XX”.

Homenagem do cartunista Fausto Bergocce a Ziraldo

Homenagem do cartunista Fausto Bergocce a Ziraldo

A vigilância sobre Ziraldo se estendeu até depois do fim da ditadura, mostram documentos do Memórias Reveladas. Documento de 14 de junho de 1985 informa que o cartaz exposto em reunião do Comitê Central do  Partido Comunista Brasileiro, no Auditório Nereu Ramos da Câmara dos Deputados, em Brasília, entre 01 e 02 de junho daquele ano, era de autoria de Ziraldo, então presidente da Fundação Nacional da Arte (Funarte), do Ministério da Cultura. O cartaz continha o desenho de uma mão com polegar esticado e a frase “É legal o PCB”.

Documento do SNI sobre  participação de Ziraldo em ato público criticando os atentados a bancas de jornais (Foto Reprodução)

Documento do SNI sobre participação de Ziraldo em ato público criticando os atentados a bancas de jornais (Foto Reprodução)

Entre as centenas de documentos sobre a trajetória de Ziraldo no Memórias Reveladas estão, claro, diversos números de “O Pasquim”, o semanário editado no Rio de Janeiro entre 26 de junho de 1969 e 1991. Um fenômeno de vendas, com a participação do mineiro de Caratinga  e outros mestres do cartunismo e humorismo brasileiros, que consolidou a chamada imprensa alternativa em plena ditadura. Ziraldo, o pai do Menino Maluquinho, entre outros legados, era o próprio sinônimo da alegria que o Brasil sempre teve e terá, apesar dos ditadores de plantão.

 

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