Por José Pedro Martins
Identificação de protozoários em importantes pontos de captação de água, proliferação de mortandades de peixes, preocupante emergência de elementos mutagênicos em alguns corpos hídricos, contaminação com metais pesados e agentes químicos, continuidade da poluição por esgotos sem tratamento. A forte estiagem de 2014 escancarou a má qualidade das águas no estado de São Paulo, particularmente nas regiões de São Paulo e Campinas, com grandes riscos para a saúde pública e demandando medidas urgentes de proteção dos recursos hídricos. O panorama inquietante está presente em um documento oficial: o relatório “Qualidade das águas superficiais no estado de São Paulo 2014″, da Cetesb, a agência ambiental do governo paulista.
Os números do relatório deixam claro o impacto da redução das chuvas em 2014 na qualidade das águas em São Paulo. Ao mesmo tempo, o documento confirma que as águas paulistas continuam recebendo o impacto de múltiplas fontes de poluição, não totalmente controladas. São fontes poluidoras cujos efeitos são eventualmente diluídos e/ou encobertos nos momentos de vazões normais das águas.
O relatório começa destacando exatamente o padrão irregular das chuvas em 2014. O Gráfico 1 do documento indica um volume médio anual de chuvas de 1.438 milímetros entre 1995 e 2013. Em 2014, o volume de chuvas foi de 1.055 mm, ou 26% a menos do que a média dos 19 anos anteriores. Considerando somente os dados de chuva na bacia do Alto Tietê, onde está a Grande São Paulo, 2014 foi o quinto ano mais seco desde o inicio das medições, em 1879.
Esgotos domésticos – O relatório da Cetesb ratifica os esgotos domésticos sem tratamento como a grande fonte de poluição das águas em São Paulo. E nesse sentido o documento adverte que, nos últimos três anos, “houve uma redução do ritmo de evolução do índice de tratamento dos esgotos domésticos, dificultando inclusive nas regiões mais urbanizadas o múltiplo uso dos recursos hídricos”.
O relatório observa que o índice de tratamento de esgotos domésticos em São Paulo evoluiu em 4% anuais entre 2010 e 2012: foi de 51 para 55% de 2010 para 2011 e para 59% em 2012. Subiu, entretanto, somente 1% em média nos anos seguintes, para 60% em 2013 e 61% em 2014. No tocante ao índice de coleta e de afastamento de esgoto, “não se teve alteração em 2014, mantendo o porcentual de 90%”, nota o relatório, acrescentando: “Desta forma, devem ser mantidos os trabalhos para o alcance da universalização”.
Estes dados indicam que não foi somente a forte estiagem a causa da degradação da qualidade das águas paulistas em 2014. Ainda há muito a ser feito para a universalização da coleta e sobretudo tratamento de esgotos domésticos no estado mais rico e populoso do país. E os principais avanços devem ser feitos nas regiões mais ricas e populosas deste estado, como a Grande São Paulo e a região de Campinas, localizadas, respectivamente, nas bacias do Alto Tietê e dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ).
De acordo com o relatório, as bacias com menores proporções em tratamento de esgoto, e menor qualidade de águas, são as do Alto Tietê (50%), Baixada Santista (53%), Mogi Guaçu (57%), Paraíba do Sul (61%) e PCJ (66%). São justamente as regiões mais populosas do estado. Nas demais, os índices de tratamento de esgoto são muito maiores, o que se reflete na qualidade da água também muito maior.
Índices – Um dos indicadores medidos, em 200 pontos de amostragem, é o Índice de Qualidade das Águas (IQA), que considera os corpos hídricos em geral, levando em conta o impacto dos esgotos. O documento afirma: “Considerando a série histórica disponível, para cada um dos 200 pontos, 17 apresentaram uma diminuição sistemática dos valores do IQA, indicando tendência de piora no período compreendido entre 2009 e 2014. Os rios Tietê e Piracicaba na maioria dos pontos de monitoramento apresentaram uma piora de qualidade (IQA), sendo, inclusive registradas duas ocorrências de mortandades com grande proporção e repercussão. Por outro lado, as ações de saneamento e de controle das fontes industriais mantiveram 34 pontos com tendência de melhora”.
O relatório da Cetesb mostra que houve uma piora mais significativa no Índice de Proteção da Vida Aquática (IVA), que mede a qualidade das águas para a manutenção dos organismos aquáticos. “Essa piora foi ocasionada, principalmente, pelo aumento do estado de trofia dos corpos hídricos, com 31% de ambientes eutrofizados, o que representa um incremento de 11% com relação ao ano anterior”, explica o relatório da Cetesb. A eutrofização é a poluição causada pelo excesso de nutrientes nas águas, levando à proliferação de algas. Á saturação de nutrientes é provocada por atividades domésticas, industriais e agrícolas, como o excesso de fertilizantes.
Na mesma linha, o relatório da Cetesb mostra que “a comunidade Fitoplanctônica (ICF) também apresentou uma piora em 2014, com um aumento de pontos classificados como Regular e Ruim, não sendo obtida nenhuma ponderação Ótima”.
O aumento substancial nas mortandades de peixes, a identificação de protozoários em importantes pontos de captação de água, a preocupante emergência de elementos mutagênicos em alguns corpos hídricos e a contaminação com metais pesados e agentes químicos, em vários pontos dos corpos hídricos são outros elementos apontando que está longe a total garantia de qualidade das águas em São Paulo. A estiagem apenas agravou e deixou mais evidente o enorme desafio a ser enfrentado.