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O remador e ex-toureiro que é guardião do rio Atibaia
Em fevereiro deste ano, o Seo Rubens na plataforma da Associação de Remo que criou: desolação (Foto Adriano Rosa)

O remador e ex-toureiro que é guardião do rio Atibaia

O seo Rubens Godoy, 83 anos, se preparava para fazer mais um corte de cabelo em sua barbearia, em uma ensolarada manhã de 23 de setembro, entrada da Primavera, ao mesmo tempo em que começava, em Nova York, na sede das Nações Unidas, a Conferência de Cúpula do Clima. O barbeiro-remador que mora no distrito de Sousas, em Campinas, é o mais conhecido guardião do rio Atibaia, que sofre em 2014 os efeitos da mais grave estiagem das últimas décadas.

A  seca assustadora é alimentada justamente pelas mudanças climáticas que motivaram a reunião realizada no outro hemisfério, e convocada pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. Enquanto Obama, Dilma Rousseff, Al Gore, Leonardo di Caprio e outros governantes e estrelas se revezavam em reiterar promessas ao microfone, a poucos metros da sala onde permanece o painel “Guerra e Paz”, de Portinari, o seo Rubens renovava o amor ao rio, celebrizado em sua frase:  “Não vivo a reclamar, vivo a remar”.

Em todos os cantos da modesta barbearia, sinais da trajetória do campineiro que seguiu a profissão do pai, Alfredo, depois de transitar por outras trilhas. São fotografias, os vários prêmios que recebeu e, em uma das paredes, um mapa reproduzindo a campanha da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália, na Segunda Guerra Mundial. Foi um presente do amigo Luiz Bertazzoli, um dos 328 campineiros que participaram das operações militares na época, seja patrulhando as costas brasileiras, seja lutando nos campos italianos.

Na Lagoa do Taquaral o Seo Rubens aprendeu a remar no barco do tio (Reprodução Adriano Rosa)

Na Lagoa do Taquaral o Seo Rubens aprendeu a remar no barco do tio (Reprodução Adriano Rosa)

A façanha da FEB  em Monte Castelo, principalmente, foi uma grande motivação para muitos brasileiros abraçarem a carreira militar. Rubens Godoy serviria ao Exército, em Campinas mesmo, por dois anos, no começo da década de 1950. Não era a sua vocação, assim como também não era jogara futebol. “Sempre fui muito ruim”, confessa o torcedor do Corinthians. Já preferia, desde menino, o remo à bola de capotão.

Rubens começou a remar na Lagoa do Taquaral, no começo ainda dos anos 1940. “Era uma lagoa mesmo, com taboa e tudo. Comecei a remar com o meu tio, que tinha um barco lá”, lembra. Mas o remador ainda teria outra profissão, depois de passar rapidamente pela área militar: foi toureiro de circo. Se apresentou em várias cidades, na realidade como palhaço do circo que, às vezes, se aventurava em encarar o bicho e segurá-lo pelos chifres.

Também não seguiu o perigoso ofício e aos poucos assumiu a profissão do pai, que tinha uma barbearia na rua José Paulino, centro de Campinas. A vida mudou quando se mudou para Sousas, por volta de 1957. “Dava para atravessar a rua de olho fechado naquela época”, recorda seo Rubens, que tem o negócio instalado na rua Coronel Alfredo Augusto do Nascimento , hoje a mais movimentada do distrito.

O toureiro Rubens, no circo que rodou várias cidades na região de Campinas (Reprodução Adriano Rosa)

O toureiro Rubens, no circo que rodou várias cidades na região de Campinas (Reprodução Adriano Rosa)

Durante muitos anos remou no Clube Regatas, uma agremiação com rica história no esporte. No final da década de 1990, sempre inquieto, seo Rubens idealizou a Associação de Remo de Sousas, que ainda preside. A sede da Associação fica em uma ilha, cercada de rio Atibaia por todos os lados em tempos normais. Saguis, patos, gansos, lagartos e outros animais são frequentadores habituais da ilha, que continua transpirando vida mesmo na mais grave crise hídrica em muitas décadas nessa região de São Paulo.

“É São Pedro mesmo. Eu ligo para ele e ele não atende”, brinca seo Rubens que, aos poucos, cita alguns fatos que, na sua opinião, contribuíram para agravar a situação do querido Atibaia, um dos formadores do rio Piracicaba e principalmente manancial de abastecimento de água de Campinas. “Quando fizeram o Cantareira eu já dizia que ia faltar água para nós um dia”, diz o remador, em referência ao Sistema Cantareira, que viabiliza o abastecimento de metade da Grande São Paulo com águas da bacia do Piracicaba. “Também teve muita poluição e desmatamento”, completa.

O seo Rubens Godoy mantém a esperança de recuperação do rio amado. Uma das razões é o despertar de consciência, expresso em ações como o Reviva o Rio Atibaia, criado em 1997, pela parceria entre a Associação de Remo de Sousas, Associação Jaguatibaia e Merck Sharp & Dohme (Laboratório MSD). Perto de sua 17a edição, o Reviva se transformou em uma das principais iniciativas de mobilização na bacia do Piracicaba, conhecida em todo Brasil pela luta da população em defesa de seus rios.

Em fevereiro de 2014 o Atibaia quase secou, depois recuperou um pouquinho,  mas estão por todas as partes os sinais de que a situação é gravíssima, e que pode durar anos uma recuperação deste e outros rios.  O seo Rubens continua firme, na barbearia, nas piadas, nas conversas com os amigos, na fé que o Atibaia um dia volte a ser o “lugar saudável” da língua indígena. Cidadão de Sousas, de Campinas, do mundo, ele faz a sua parte, mesmo a milhares de quilômetros da Cúpula do Clima.  (Por José Pedro Martins)   

Seo Rubens, na barbearia: sempre remando com a esperança (Foto Adriano Rosa)

Seo Rubens, na barbearia: sempre remando com a esperança (Foto Adriano Rosa)

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