Por Adriana Menezes
Após duas horas e meia de performance na produção de três aquarelas, o artista Egas Francisco fez a leitura imediata e precisa do que acabara de acontecer no Espaço Arena do Sesc-Campinas, na noite desta terça-feira (26/01): “Eu fui muito atrevido”, disse-me já exausto. O atrevimento de Egas, ao lado do músico Guga Costa e da bailarina Hellen Audrey, foi revelar o que se passa em sua mente enquanto pinta. Atrevimento que deixou o público, acima de tudo, agradecido de estar ali. Foi o que ele mais ouviu – “muito obrigado” – de quem se aproximava para um abraço no final. Em resposta, Egas atrevia-se em agradecer humildemente ao público. E saíram todos do Sesc agradecidos pela oportunidade de vivenciar o processo de criação do artista e de vê-lo verdadeiramente de corpo e alma, livre e revelado.
A bailarina Hellen Audrey deu forma aos caminhos do pensamento do artista, enquanto o cantor Guga Costa sonorizou a evolução da mente livre e criativa de Egas Francisco. Estava ali toda a sensualidade que habita a sua obra, tudo em movimento. O artista generosamente tornou palpável e visível ao público a liberdade necessária para que sua arte exista. Foi uma lição prática de que a arte só acontece com liberdade de corpo, voz, mãos, pincéis, mente e emoção.
“Nunca fiz nada parecido”, disse Guga após a performance ao lado da bailarina Hellen, parceiros nas vidas amorosa e profissional, ambos formados pela Unicamp – em MPB e Dança, respectivamente. “Nós sempre queremos ver o Egas fluindo”, disse Hellen. Guga fez a ponte entre o pintor e o programador Cássio Quitério do Sesc-Campinas, que resultou no projeto “Pintura e Movimento”, com mais duas performances previstas para 23 de fevereiro e 22 de março.
A água
A temática de ontem era a imprevisibilidade da água como matéria-prima para a aquarela. Assim começou Egas Francisco a falar diante do público, às 19h34, em frente à mesa onde estava o rolo de papel com cerca de 5m X 1m : “Para mim, os caminhos são impostos pela água. É um grande rio que corre, e nesse rio eu navego, com os fantasmas que habitam o rio. Esses fantasmas vêm me seduzir, na tela onde a água e a tinta copulam.”
Egas apresentou as três formas de expressão artística da performance: pintura, música e dança. Falou da sonoridade do músico Guga Costa, que faria os “sons de água”; e do corpo de mulher da bailarina Hellen Audrey, que se expressaria por “corpo, gesto e respiração”.
“A aquarela é a protagonista. Eu sou aquele que traduz o que ela me impõe, os caminhos da sedução”, concluiu o artista, que em seguida começou a pintar e foi acompanhado por música e dança. Cerca de 40 minutos depois, Egas pintou o vestido branco da bailarina. Pincelou seu corpo, acompanhando por alguns minutos os seus movimentos em uma espécie de coreografia improvisada.
Hellen tinha em cena duas bacias com água e uma com sal grosso. Molhou a cabeça e respingou no público, em seguida Guga derramou sobre ela a água de uma das bacias, os dois se abraçaram, se perseguiram, se olharam e dançaram como se estivessem em um duelo. Egas continuava pintando sua aquarela, depois também pincelou o cantor.
Liberdade e arte
Quase uma hora depois de iniciada a performance, o público começa a ficar curioso para entender a pintura de Egas. Alguns se aproximaram da mesa para ver a aquarela. Muita gente já estava com uma taça de vinho na mão para saborear enquanto assistia ao processo de criação. Por volta de 20h55, o artista começa a fazer a segunda tela em outra mesa menor. Às 21h20, ele chega à terceira tela, colocada no chão. Perto de 22h terminou a performance.
Fim do processo artístico e uma clara exaustão dos artistas. A liberdade que impulsiona a arte pode ser vista e tocada. A sensação foi de muita intimidade com Egas Francisco. O público expressou e interagiu na forma de abraços e agradecimentos. Levou na memória uma linda noite de atrevimento na arte.