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Olho Latino reafirma poder de criação (e subversão) da arte coletiva
Série Cabides: cada artista do Grupo Olho Latino pendurou o que achava mais pertinente (Foto Martinho Caires)

Olho Latino reafirma poder de criação (e subversão) da arte coletiva

A proposta era traduzir a agonia do humano dilacerado, retalhado, no mundo contemporâneo, e o resultado foi a série “Acéfalos”, uma pungente denúncia do esquartejamento moral e, por que não dizer, da própria cultura nos tempos que correm. Assim o Grupo Olho Latino trabalha, há 20 anos, em uma intensa experiência de arte coletiva, como pode ser apreciado na exposição tripla Focos Antológicos, que vai até o dia 26 de março no Museu de Arte Contemporânea de Campinas (MACC).

É tripla porque, além da exposição “Resquícios”, que celebra as duas décadas do Olho Latino enquanto Grupo e do Museu Olho Latino, sediado em Atibaia, Focos Antológicos reúne retrospectivas lembrando os 50 anos de trajetória de Paulo Cheida Sans (“Lampejos Atemporais”) e os 40 anos de carreira de Celina Carvalho (“O Guardião das Sombras”).

Lisa França: arte coletiva, mas cada artista aplica o seu olhar, mostra o seu estilo (Foto Martinho Caires)

Lisa França: arte coletiva, mas cada artista aplica o seu olhar, mostra o seu estilo (Foto Martinho Caires)

O vigor da arte coletiva é nítido nas séries produzidas pelo Olho Latino, uma proposta centrada na gravura mas que também abrange outras linguagens e outros suportes, como no caso da série de esculturas “Acéfalos”. Uma das mais ativas integrantes do Grupo, Lisa França, resume o processo criativo.

“A partir de uma ideia inicial, geralmente maluca, todos mergulhamos fundo, na pesquisa de materiais, na busca do suporte, na procura da abordagem. E cada um aplica o seu estilo, o seu olhar, apesar de no final haver uma certa identidade coletiva nas peças”, diz a artista, que também dá aulas e mantém um ateliê no distrito de Sousas, em Campinas.

Peça da instigante série "Acéfalos", exemplo da abordagem crítica do Olho Latino (Foto Martinho Caires)

Peça da instigante série “Acéfalos”, exemplo da abordagem crítica do Olho Latino (Foto Martinho Caires)

De fato, quem contempla a série “Cabides” pode pensar que as obras são todas do mesmo artista. Não são, embora o Grupo Olho Latino, como outros coletivos de arte, acabe atuando como um corpo único na sua diversidade.

A instalação que mescla pescaria com mobile e lanterna sintetiza um pouco do pensamento do Grupo Olho Latino. Juntos, os criadores procuram pescar a luz da alegria e da beleza, alguns dos mais nobres propósitos da arte. O Grupo é formado atualmente por Alex Roch, Celina Carvalho, Cibele Marion Sisti, Lisa França, Maricel Fermoselli, Paulo Cheida Sans, Suely Arnaldo, Walcirlei Siqueira e Young Koh.

Alex Roch foi vestido a caráter no MACC: o prazer da partilha (Foto Martinho Caires)

Alex Roch foi vestido a caráter no MACC: o prazer da partilha (Foto Martinho Caires)

Acima de tudo, os colegas demonstram curtir muito estarem juntos, compartilhando afetos, saberes e fazeres. “É muito bom estarmos juntos. Nós dividimos também nossas angústias, que não são raras para quem faz arte no Brasil”, diz Alex Roch, outro integrante, que foi vestido a caráter na vernissage de Focos Antológicos, na última quinta-feira, 18 de fevereiro, no MACC. Ele chegou bastante animado, de cartola e colete floridos, em preto e branco, como as cores da instalação coletiva.

Como os demais, Alex mantém intensa atividade individual, ao lado da participação no Olho Latino. E, também a exemplo dos demais, e em sintonia com a proposta de arte crítica do Grupo, ele tem uma obra muito atenta aos dilemas contemporâneos. No final de 2015, por exemplo, produziu dois presépios muito atuais. Em um deles, a Sagrada Família é cercada pela lama, lógica referência ao trágico acidente com uma barragem de rejeitos em Mariana (MG). O outro presépio era sobre os ataques terroristas em Paris, que deixaram mais de 100 mortes.

Celina Carvalho, 40 anos de trajetória artística (Foto Martinho Caires)

Celina Carvalho, 40 anos de trajetória artística (Foto Martinho Caires)

Paulo Cheida e Celina Carvalho - Particularmente esfuziantes, na abertura da tripla exposição Focos Antológicos, estava o casal Paulo Cheida Sans e Celina Carvalho, comemorando, respectivamente, 50 e 40 anos de trajetória artística e, juntos, 15 do Museu Olho Latino, de sua iniciativa. Foi uma forma de reunir e divulgar importante material, principalmente de gravura, que vinha sendo coletado em várias partes do Brasil e outros países latino-americanos. A ideia inicial era montar o museu em Campinas, mas o processo evoluiu para a estruturação da parte expositiva em Atibaia, onde a proposta encontrou ampla aceitação por parte da Prefeitura. (Site do Museu aqui)

Mas, a par do trabalho com o Grupo Olho Latino, o casal mantém suas carreiras individuais. Na mostra “O Guardião das Sombras”, Celina Carvalho faz uma pequena retrospectiva dos 40 anos de atividades artísticas. “Em todos os meus trabalhos, eu passo a minha infância”, ela explica. No MACC, estão obras isoladas ou séries, como “Seguidores do Mestre”, “Caretas” e “Figuras Exclusas”. Em todas, a mirada reflexiva e provocadora.

Paulo Cheida: por uma arte autônoma, independente (Foto Martinho Caires)

Paulo Cheida: por uma arte autônoma, independente (Foto Martinho Caires)

Infância. A palavra e inspiração também é central na obra de Paulo Cheida Sans. Isto fica claro na exposição “Lampejos Atemporais”, a terceira da tríplice Focos Antológicos. Peças como a instalação “Gavetas do Tempo (Homenagem ao meu pai…)”, a instalação “A infância perdida” e a série “Comigo” são um mergulho do artista na própria biografia, nas reminiscências do tempo.

Paulo Cheida fez sua primeira aparição pública no Salão de Arte Moderna da Juventude de São Paulo, no próprio MACC, em 1966. Ele tinha 11 anos e a precocidade foi obviamente notada. Assim, participar de uma mostra tripla, 50 anos depois, foi considerado um emotivo marco pessoal para o artista. A arte “autêntica, independente de modismos”, é defendida com ênfase por Cheida e esta perspectiva é presente ao longo de sua caminhada, individual e coletiva, no âmbito do Olho Latino.

Na exposição "Lampejos Atemporais", reminiscências da infância de Paulo Cheida (Foto Martinho Caires)

Na exposição “Lampejos Atemporais”, reminiscências da infância de Paulo Cheida (Foto Martinho Caires)

Celebração da vida, do estar juntos, de cooperar. E da arte como plataforma de exaltação da beleza, de crítica das injustiças e desigualdades e de proposta de novos jeitos de viver e conviver. O Olho Latino e seu casal inspirador, Paulo Cheida Sans e Celina Carvalho, reafirmam que o coletivo, em tempos de egoísmo e individualismo exacerbados, pode ser subversivo. (Por José Pedro Martins) 

Instalação coletiva do Olho Latino: poder criador (Foto Martinho Caires)

Instalação coletiva do Olho Latino: poder criador (Foto Martinho Caires)

 

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