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O momento não é tranquilo, mas é favorável para o biogás, a energia do lixo
O granjeiro José Carlos Colombari, proprietário da Granja São Pedro–Colombari, em São Miguel do Iguaçu, no Paraná, começou em 2006 a produzir biogás e gerar energia elétrica a partir dos efluentes líquidos Fotos: Divulgação

O momento não é tranquilo, mas é favorável para o biogás, a energia do lixo

Por Adriana Menezes

Gerados a partir da energia dos resíduos orgânicos, biogás e biometano são alternativas renováveis de energia capazes de suprir até 12% da demanda de energia elétrica do país, segundo estudo da Associação Nacional de Biogás e Biometado (Abiogás), com a vantagem de causar menos impactos ambientais e oferecer soluções para os lixos urbano e rural. Por falta de uma política pública de incentivo e de um programa nacional, o biogás e o biometano são produzidos no Brasil ainda em baixa escala. Mas, segundo o vice-presidente da Abiogás, Alessandro Gardemann, este cenário está mudando e o momento hoje é favorável para a expansão. “Agora chegou a hora dos projetos em escala”, diz Gardemann.

O que permite sua afirmação é, principalmente, a regulamentação do produto nos últimos anos e o desenvolvimento da tecnologia. Além da resolução 482 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em 2012 (aprimorada em 2015), beneficiando pequenos e grandes produtores de biogás e permitindo a adoção pela indústria de alimentos e agroindústria, houve também em 2015 a regulamentação pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), reconhecendo o biometano como combustível, já testado em ônibus e com melhor rendimento que o diesel (em Foz do Iguaçu).

Alessandro Gardemann, vice-presidente da Abiogás, acredita que o cenário está  favorável para a expansão das energias renováveis como biogás e biometano: “Agora chegou a hora dos projetos em escala”     Fotos: Divulgação

Alessandro Gardemann, vice-presidente da Abiogás, acredita que o cenário está favorável para a expansão das energias renováveis como biogás e biometano: “Agora chegou a hora dos projetos em escala” Fotos: Divulgação

Propostas

De acordo com estudo da Abiogás, com base em dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o Brasil só aproveita 0,05% da energia potencial dessa fonte, quando poderia suprir 12% da matriz energética do País, que equivale a um terço da energia produzida pela hidrelétrica de Itaipu (Brasil/Paraguai 14.000 MW).

A entidade já encaminhou projetos ao Ministério de Minas e Energia (MME) que propõem a realização de leilões de energia, simplificação tributária e desonerações na cadeia produtiva de equipamentos para usinas que se utilizarem desse combustível.

A cadeia é formada por grandes e pequenos produtores de biogás. “O Brasil precisa dos dois”, diz Gardemann. O pequeno produtor é o dono da granja, o criador de porcos (conheça um exemplo de produtor no final do texto), a fábrica de suco de laranja, o alambique de cachaça. Enquanto os grandes são os produtores agrícolas, porque todo processo agroindustrial gera resíduo orgânico que pode ser utilizado na geração de energia.

Além de vice-presidente da Abiogás, Alessandro Gardemann é também empreendedor, cuja empresa – a Geo Energética – transforma resíduos de cana-de-açúcar (que seriam descartados) em fonte de energia, pelo processo de biodigestão. Ele que acredita que esta energia alternativa pode vir a ser um futuro programa nacional nos moldes do etanol.

O momento

Ele conta que o biogás no Brasil já teve vários “espasmos” desde a década de 1980, na remanescência da crise do petróleo, quando surgiram iniciativas em pequena escala. Em 2000, a energia do lixo voltou a aparecer como alternativa. “Agora, entendemos que chegou a hora do biogás em escala maior com um grande objetivo energético, porque o Brasil precisa de energia renovável de base, o ano inteiro, em um sistema descentralizado”, afirma Gardemann. “Os grandes potenciais hidráulicos já se esgotaram”, acredita.

Quando afirma isso, não se refere somente às recentes situações de escassez de água que afetaram os sistemas de abastecimento de diversas cidades brasileiras, especialmente no estado de São Paulo. Ele também fala da falta de novas opções. “Há potencial na Amazônia, mas hoje ninguém vai fazer barragem nessa área, com todo o impacto que isso causa.”

Em 2006, foi instalado um biodigestor para tratar os efluentes líquidos dos porcos da Granja São Pedro – Colombari, passando a produzir biogás e gerar energia elétrica    Fotos: Divulgação

Em 2006, foi instalado um biodigestor para tratar os efluentes líquidos dos porcos da Granja São Pedro – Colombari, passando a produzir biogás e gerar energia elétrica Fotos: Divulgação

Capacidade agrícola

Por estas circunstâncias, Gardemann acredita que é preciso haver mais estabilidade no sistema de geração de energia. “O biogás é a única fonte renovável que dá garantia de operação o ano inteiro. Esta é uma grande oportunidade”, defende. O gás natural do Brasil, ele lembra, está só na costa brasileira. O outro gás consumido é comprado da Bolívia. Enquanto o biometano, diz Gardemann, é um gás natural renovável que pode suprir a demanda nacional.

Itaipu já possui, inclusive, um projeto de produção de biometano. “Essa mudança está ocorrendo no mundo inteiro, em substituição ao diesel. É uma tendência”, diz o empreendedor. Com a enorme capacidade agrícola do Brasil, Gardemann acredita que o país tem todas as condições para investir na energia gerada pelos resíduos orgânicos. Já existe a regulamentação e a tecnologia.

Política e investimento

Falta agora maior incentivo das políticas públicas e mais investimento privado. “Precisa ainda difundir, porque muitos geradores de resíduos não têm conhecimento disso.” No início da produção de biogás no Brasil, alguns insucessos contribuíram para criar uma imagem negativa, mas muita coisa mudou de lá pra cá, inclusive a tecnologia, que tem maior controle do processo, ele diz. “Nos Estados Unidos, o biometano é considerado um combustível avançado. Aqui falta essa compreensão. Precisa mudar essa imagem.”

Porcos que geram energia

O suinocultor José Carlos Colombari, proprietário da Granja São Pedro – Colombari, em São Miguel do Iguaçu, no Paraná, começou em 2006 a produzir biogás e gerar energia elétrica. Os cinco mil suínos produzem cerca de 45 m3/dia de efluentes líquidos, que são direcionados a dois biodigestores de lagoa coberta, que operam em série. O plantel atual possibilita a produção diária de 750 m3 de biogás.

Em 2006, foi instalado um biodigestor para tratar o efluente, produzir biogás e gerar energia elétrica. Após dois anos, a unidade já operava em geração distribuída (GD) – conectada à Companhia Paranaense de Energia (Copel) também fornecendo energia para a rede. Em 2010, a granja aumentou o volume de efluente gerado e mais um biodigestor foi instalado para atender à nova demanda.

Biofertilizante

Além de ser autossuficiente em energia elétrica, a propriedade usa biofertilizante proveniente do processo de tratamento do efluente, aplicando-o sobre as pastagens, que crescem duas vezes mais rápido do que com uso de fertilizante tradicional.

O biogás produzido tem alta concentração de gás sulfídrico (H2S). Ele é direcionado a um filtro de absorção com reação química em solução. Após ser filtrado, ele é aproveitado para geração de energia elétrica por meio de um grupo motogerador de 100kVA, que apresenta potencial de produção de 50 kWh, convertendo o biogás em 500 kWh/dia.

Localização: São Miguel do Iguaçu/PR; Início da produção de biogás: 2006; Atividade: Suinocultura – Terminação; Capacidade: 5.000 suínos; Vazão Efluente (m3/dia): 45~60; Produção Biogás (m3/dia): 750; Uso do biogás: Motor; Uso do biofertilizante: Aplicação – lavoura e pastagem; Produção de energia elétrica (kWh/dia): 1.000

Competitividade

A Associação Nacional de Biogás e Biometano (Abiogás) é uma sociedade civil organizada que foi criada em novembro de 2014 por iniciativa de empresas, investidores, fornecedores de equipamentos e consumidores de biogás. De acordo com a entidade, o país disporia de cerca de 23 bilhões de metros cúbicos ao ano de biogás, que permitiria a geração de 37 milhões de megawatt (MWh) a um custo de 30% a 40% mais baixo do que se tem atualmente.

Para viabilizar o preço viável, no entanto, ainda é necessário criar políticas públicas para que haja a inserção desta energia gerada por resíduos orgânicos na matriz energética nacional. Segundo a secretária executiva da Abiogás, Camila Agner, o país contava, segundo os números mais recentes disponíveis, com 79 MW em capacidade instalada. E o custo da energia dessa fonte hoje está no mesmo patamar de outras renováveis em uma faixa de preços entre R$ 180 a R$ 220/MWh. Já no leilão de A-3 de 2014, quando houve a possibilidade de negociar energia de resíduos o preço-teto estabelecido foi de R$ 169/MWh.

A maior parcela da capacidade existente está no Sul e Sudeste do país em pequenas propriedades, onde se localizam as usinas de maior porte. “A autoprodução é muito interessante, pois com o aprimoramento pode-se abater a energia gerada para o mesmo CNPJ, mas em diferentes locais como para cooperativas de pequenos produtores. Além disso, tratamento de esgotos pode levar a economia de energia em unidades de empresas de saneamento em um mesmo estado. Realmente é um passo interessante”, finaliza Camila Agner.

Fonte: Vice-presidente da Abiogás, Alessandro Gardemann, em entrevista; e Assessoria de Imprensa. 

O que é biogás?

O biogás é o gás produzido a partir da decomposição da matéria orgânica (resíduos orgânicos) por bactérias. Descoberto no século XVII, só no século XIX foi considerado fonte de energia depois que Louis Pasteur fez uma demonstração com uma mistura de estrume e água.

No processo de decomposição da matéria orgânica, a energia química do gás se converte em energia mecânica por meio de um processo controlado de combustão, ativando um gerador que produz energia elétrica.

Combustão direta, gaseificação e reprodução do processo natural são as três maneiras pelas quais a biomassa se transforma em energia. Normalmente, o biogás é composto por 60% de metano (em média), 35% de dióxido de carbono e 5% de uma mistura de hidrogênio, nitrogênio, amônia, ácido sulfídrico, monóxido de carbono, aminas e oxigênio.

Há aproveitamento de biogás proveniente de aterros sanitários, do tratamento de esgoto, biogestores domésticos e resíduos agrícolas e industriais.

Fontes sobre biogás: Geração de Energia Elétrica a partir do Biogás proveniente de aterro sanitárioGeração de Energia Elétrica a partir do Biogás proveniente do tratamento de esgotoMinistério do Meio AmbienteRevista TAE – Tratamento de Água e Efluentes 

*Esta matéria foi publicada na edição de março da revista eletrônica da Pré-Univesp

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