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Vazão baixa, estiagem, calor e cientistas confirmam: crise hídrica não acabou na região de Campinas e Piracicaba
Rio Piracicaba, no famoso salto, com menos de 10% de sua vazão histórica em janeiro de 2015, ano que continuou a registrar muitas mortandades de peixes nas bacias PCJ (Foto Adriano Rosa)

Vazão baixa, estiagem, calor e cientistas confirmam: crise hídrica não acabou na região de Campinas e Piracicaba

A vazão dos rios da região de Campinas e Piracicaba voltou a cair muito, em um abril marcado por forte estiagem e calor intenso. São dados que alimentam a percepção de cientistas ouvidos pela Agência Social de Notícias, de que a crise hídrica não acabou, de fato, nessa populosa e importante região de São Paulo, ao contrário do que já afirmou o governador Geraldo Alckmin. O cenário, que resgata na memória da população as cenas da seca intensa de 2014 e 2015, também ratifica a fragilidade institucional determinada pelo adiamento, para maio de 2017, da renovação da outorga do Sistema Cantareira.

Às 17 horas desta quarta-feira, 20 de abril, a vazão do rio Piracicaba, em Piracicaba, era de 63,8 metros cúbicos, ou 63 mil litros, de água por segundo. É a vazão mais baixa do ano – nos dias mais chuvosos dos três primeiros meses do ano a vazão do rio Piracicaba chegou próxima dos 800 metros cúbicos por segundo, levando ao alagamento de áreas ribeirinhas.

O rio Atibaia, por sua vez, pouco antes da captação de água para Campinas, no distrito de Sousas, apresentava uma vazão de 12,18 m3/s, um patamar igualmente bem distinto daquele de semanas atrás. O distrito de Sousas chegou a sofrer uma grande enchente no último dia 11 de março. A cidade de Itatiba, principalmente, sofreu com fortes enchentes naquela oportunidade.

A falta de chuvas em um abril já normalmente seco, em comparação com o primeiro trimestre do ano, tem chamado a atenção. De acordo com o Cepagri/Unicamp, choveu em abril em Campinas, até o momento, 9,1 mm, em comparação com a média mensal histórica de 67,2mm. As temperaturas estão muito altas para o mês, chegando a atingir nas tardes 5,2C acima da média esperada para o mês de abril.

Paulo Nobre, do INPE: fim da crise hídrica depende de reduzir desperdícios (Foto Adriano Rosa)

Paulo Nobre, do INPE: fim da crise hídrica depende de reduzir desperdícios (Foto Adriano Rosa)

São dados que apontam para a possibilidade de mais um período de estiagem, mas que não seriam necessários para confirmar que a crise hídrica não acabou, realmente, no estado mais rico e populoso do país, ao contrário do que afirmou o governador Geraldo Alckmin, por ocasião do fim do uso do volume morto do Sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento de quase metade da Grande São Paulo.

“A crise hídrica ainda não acabou. A que passamos foi a primeira, podem vir outras”, destaca Paulo Nobre, meteorologista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Ele participou da II Feira da Sustentabilidade, encerrada no último sábado, dia 16 de abril, em Piracicaba. “Não dá para dizer que a crise hídrica acabou, enquanto permanece o desperdício que chega a 50% em algumas redes”, observou o cientista, um dos mais respeitados do país em sua área.

Para Paulo Nobre, também é fundamental, para se argumentar que a crise hídrica realmente acabou, que ocorra um amplo reflorestamento das matas ciliares e recuperação das nascentes totalmente degradadas, por exemplo nas bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), onde está a região de Campinas e Piracicaba e de onde saem as águas que alimentam o Sistema Cantareira.

Supervisor de Gestão Ambiental da ESALQ-USP, o especialista da Seção de Solos Miguel Cooper também garante que a crise hídrica não acabou e que muitas medidas ainda devem ser tomadas para se assegurar o abastecimento futuro das populações nas bacias PCJ e na própria Grande São Paulo. Cooper foi o coordenador do processo que levou à construção do Plano Diretor Socioambiental da ESALQ-USP.

Miguel Cooper, da ESALQ: "Situação é complexa e deve incluir recuperação de nascentes" (Foto Adriano Rosa)

Miguel Cooper, da ESALQ: “Situação é complexa e deve incluir recuperação de nascentes” (Foto Adriano Rosa)

“O problema não está resolvido, longe disso. Podemos passar novos períodos críticos”, adverte Cooper. Ele nota que a questão da segurança hídrica não está ligada, apenas, ao regime de chuvas. “O problema é mais complexo, envolvendo o uso do solo e a necessária e urgente recuperação das nascentes”, afirma.

Os dados climáticos e a avaliação dos especialistas não deixam dúvidas: a crise hídrica não acabou em São Paulo. Do mesmo modo, são informações que ratificam a fragilidade institucional derivada do adiamento, para maio de 2017, da definição sobre a nova outorga para a Sabesp continuar operando o Sistema Cantareira.

A renovação da outorga deveria acontecer em agosto de 2014, mas a definição foi adiada para o ano seguinte em função da crise hídrica. Mas a definição também aconteceu em 2015, sendo transferida para o primeiro semestre 2017, sem as devidas garantias para as bacias PCJ, onde são captadas as águas que abastecem o Cantareira, por meio de um conjunto de reservatórios nas proximidades de Bragança Paulista e no Sul de Minas Gerais.

No último dia 28 de março,  a Agência Nacional de Águas (ANA) e Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) de São Paulo divulgaram o roteiro para a renovação da outorga, que de acontecer até maio de 2017.  Apesar da complexidade da questão, que envolve o futuro de mais de 20 milhões de pessoas, o roteiro divulgado prevê a realização de apenas duas audiências públicas, além das reuniões técnicas para a definição da outorga, como já divulgou a Agência Social de Notícias (ver aqui). A proposta encaminhada pelo Ministério Público aos dois órgãos oficiais sugeria a realização de três audiências públicas e cinco encontros públicos ao longo do processo. (Por José Pedro Martins)

 

 

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