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Ateliê Aberto: da Vila Industrial ao Cambuí para o mundo, a conexão de Campinas com a arte contemporânea
Detalhe de "Quando", obra do artista Nazareno

Ateliê Aberto: da Vila Industrial ao Cambuí para o mundo, a conexão de Campinas com a arte contemporânea

Ousadia, inovação, generosidade: algumas palavras que podem ser usadas para descrever o perfil e a trajetória de 19 anos do Ateliê Aberto, uma das mais instigantes experiências no cenário da arte contemporânea, de Campinas para o mundo. O mais novo lance dessa iniciativa transformadora, provocativa, é o lançamento do livro “Metadados”, ao mesmo tempo um balanço e uma nova modalidade de intervenção artística, em total coerência com o conceito do Ateliê Aberto, que ainda tem muito a oferecer para a cidade onde floresceu, desde o primeiro espaço, na Vila Industrial.

Contemplado pelo ProacSP (Incentivo à Cultura do Estado de São Paulo), o livro bilíngue foi lançado na última quinta-feira, 28 de abril, no Café Container, no Cambuí. Presentes muitos artistas que atuaram em vários momentos do Ateliê Aberto e que foram celebrar o território de criação que manteve sua abertura para o novo em todos os três endereços que habitou em Campinas, mas sobretudo fomentou uma conversa permanente entre diferentes linguagens, estilos e propostas.

Entre outros, estava lá Ricardo Cruzeiro, que esteve junto em várias ocasiões com o Ateliê, com obras como a série de pinturas de insetos com tintas metálicas. “Uma estética nova, jovem, onde nunca houve preconceito em arte”, disse Cruzeiro, sobre o conceito praticado pelo espaço.

Henrique Lukas e Maíra Endo, gestores do Ateliê Aberto e organizadores do livro "Metadados" (Foto Martinho Caires)

Henrique Lukas e Maíra Endo, gestores do Ateliê Aberto e organizadores do livro “Metadados” (Foto Martinho Caires)

Também presentes no lançamento dois dos últimos gestores do espaço, Maíra Endo e Henrique Lukas, igualmente dois dos responsáveis pela edição, ao lado da crítica Ruli Moretti e Samantha Moreira, a fundadora do Ateliê. Lukas explicou a configuração diferenciada do livro, composto de duas partes, como o título indica: “Meta” e “Dados”. “O leitor pode escolher por onde entra no livro. São dois percursos possíveis, com os respectivos ícones de navegação”, comentou Lukas, que começou no Ateliê como estagiário em 2011 e depois tornou-se sócio, atuando em curadoria e gestão de projetos.

No lado “Meta”, o leitor vai encontrar o que sempre teve no Ateliê Aberto, um elenco de artistas apresentando seus trabalhos. Cada página, explica Henrique Lukas, foi colocada à disposição do artista como se fosse uma parede em branco, para que ele pudesse livremente se expressar. Uma galeria literária, uma literatura das artes visuais, ressignificando e reencantando, como o Ateliê fez em toda sua caminhada.

São mais de 60 participações, de nomes como Marcelo Moscheta, Thiago Martins de Melo, Nazareno, Daniel Acosta, Virginia de Medeiros, Luisa Nóbrega, Igor Vidor, Rogerio Ghomes, Lia Chaia, Paulo Meira, Nino Cais, André Severo, Marcio Harum e Ricardo Basbaum. Fotografia, poesia, pintura, arquitetura, várias trilhas criativas em um amálgama denso, propositivo, com a marca da diversidade, como é a arte contemporânea.

Ainda na parte “Meta”, estão vários textos inéditos, escritos especialmente para o livro, de profissionais que de alguma forma tiveram contato com o Ateliê Aberto desde os primórdios. São reflexões sobre estética, ética, o papel do Ateliê Aberto e de outros sites, como o Torreão, de Porto Alegre, que ao longo do tempo mantiveram um diálogo fervilhante com a poliédrica experiência campineira.

Lilian Maus, Melina Marson, Lucas Guedes e Ana Helena Grimaldi são alguns dos autores dos textos, que complementam, com a palavra doce e livre, o arco-íris de invenção proporcionado pelo Ateliê Aberto. Artista e especialista em projetos de arte e educação, Ana Helena Grimaldi participou do lançamento do livro e ficou particularmente emocionada quando folheou o texto com sua assinatura.

Ana Helena Grimaldi: "Ateliê transformador" (Foto Martinho Caires)

Ana Helena Grimaldi: “Ateliê transformador” (Foto Martinho Caires)

“É um orgulho estar no livro e estar na história do Ateliê, que transformou a minha própria história”, descreveu Ana, que assinou o texto “Lugares de ensinar e aprender – As experiências que me habitam”, um breve relato de sua contribuição em termos de arte e educação, em uma parceria iniciada em 2011 com Samantha Moreira, quando foi convidada pela fundadora do Ateliê Aberto para atuar na coordenação da ação educativa da exposição “Daquilo que me Habita”, sediada no Centro Cultural Banco do Brasil, de Brasília.

Depois vieram outras parcerias e oportunidades de ação conjunta, nas quais Ana Helena Grimaldi pode aplicar e desenvolver suas ideias no âmbito da relação entre arte e educação. Uma dessas ideias é a da busca “da extensão do tempo em que a pessoa permanece diante de uma obra de arte”. O maior interesse nessa relação, destaca, está “não no que o artista quis transmitir sobre a obra, mas em como a pessoa a interpreta”. O seu trabalho de educação e arte está, então, na valorização do próprio repertório do cidadão, na forma como ele interage com a obra de arte e, de algum modo, a reinventa.

Para Ana Helena Grimaldi, por tudo o que tem promovido de encontros e interconexões, o Ateliê Aberto tem sido um dos mais relevantes projetos em arte e cultura contemporânea em Campinas e no Brasil nas últimas décadas. ” Sempre trouxeram artistas de ponta, promoveram workshops, mantiveram a essência de um espaço independente”, resume.

"Amanhã vai ser maior", de Ivan Grilo

“Amanhã vai ser maior”, de Ivan Grilo

História, desde a Vila Industrial - O lado “Dados” do livro reúne a documentação da memória afetiva e criativa do Ateliê Aberto, desde a sua fundação e o primeiro espaço, em uma casa na Vila Industrial, bairro de enorme importância histórica e cultural em Campinas. A “Casa 1″ do Ateliê ficou na rua Dr.Carlos de Campos, entre junho de 1997 e fevereiro de 2001, sob a coordenação de Samantha Moreira e Reginaldo Pereira.

“Era assim, uma casa de vila, com cachorro, horta, bananeiras, janelas grandes, pé direito alto e piso de madeira. 1997, eu (recém chegada de uma especialização na Itália), Tuca (minha pequena beagle que sorria com rabo de helicóptero) e Patrícia Favrim (historiadora), amigas desde a universidade e do movimento estudantil, com o desejo de dividirmos um espaço entre casa, lugar de acontecimentos e ateliê”, começou escrevendo Samantha, no texto em que sintetiza a gênese do projeto.

Depois dessa fase pioneira, já com muita experimentação, o Projeto BR 500, realizado a convite de Fabio Luchiari, junto ao Museu de Arte Contemporânea de Americana, gera a necessidade de um novo lugar para o Ateliê. A “Casa 2″ já é materializada no Cambuí, na rua Santos Dumont. São vários coordenadores, produtores e estagiários nessa etapa, sempre com a presença de Samantha Moreira, e desde maio de 2009 com Maíra Endo também na coordenação.

"Uma linha", de Marcelo Moscheta

“Uma linha”, de Marcelo Moscheta

Vinda de São Paulo, tendo feito Artes Visuais na Unicamp, onde se formou em 2002, e Administração de Empresas na PUC-Campinas, Maíra se especializou em gestão e produção de projetos culturais. Na “Casa 2″, diz Maíra, o Ateliê Aberto se consolidou como um “espaço autônomo de arte contemporânea”. Um lugar de experimentação, produção e residências artísticas, mas sobretudo visando a “intersecção entre artes visuais e cinema, literatura, performance, teatro”, lembra ela.

A “Casa 3″, último espaço físico habitado pelo Ateliê Aberto, funcionava na rua Major Solon, também no Cambuí. E de novo muito frenesi produtivo, com a participação de vários nomes como produtores, estagiários e colaboradores, além da gestão de Maíra, Henrique e Samantha.

Henrique Lukas escreveu, sobre a “Casa 3″: “A terceira casa não era apenas uma casa, ela foi um tempo. Ela era muito maior que os concretos e tijolos no número 911 da Major Solon, ela era nós três, nossos amigos, família, frequentadores do espaço, nossas gestas, músicas, livros, encontros, a cidade, parceiros, os projetos, as trocas, os artistas, as obras, o aprendizado”.

"Sem título", de Carolina Krieger

“Sem título”, de Carolina Krieger

Ele cita, entre outros projetos, o Ruídos Urbanos Amplificados, em que um artista era convidado para uma intervenção na fachada da casa, que assim mudava constantemente. Lia Chaia, Ana Almeida, Rogério Ghomes e Carla Barth foram alguns deles. “Uma proposta de conexão com o espaço público, o contexto, o bairro”, conta Henrique.

Recentemente, a necessidade de deixar a casa. E o mais recente projeto, “Metados”, abrangendo uma exposição realizada ano passado e o livro, agora lançado. É o tempo de retrospectiva e de pensar sobre o que foi feito, para se avaliar o que pode vir por aí, os próximos passos. Uma das alternativas imaginadas, afirmam Maíra e Henrique, seria a ocupação de um espaço público em Campinas, um sonho antigo.

Cartas para você não me esquecer, de Rogério Ghomes

Cartas para você não me esquecer, de Rogério Ghomes

Enquanto o sonho não se viabiliza por aqui, os três não param. Maíra Endo está à frente de produtora e prestadora de serviços em projetos culturais, e Henrique Lukas e Samantha Moreira estão envolvidos no projeto “Chão”, em São Luis do Maranhão. “É um espaço independente, em uma casa tombada do século 18, onde ocorrem residências e outras ações”, ele informa.

Viabilizar a continuidade do Ateliê Aberto em Campinas seria a garantia do prosseguimento  da efervescência, da turbulência criativa que ele sempre promoveu na cidade, que é ora província, ora metrópole. De qualquer maneira uma cidade globalizada, que tem fome e sede de arte nada provinciana. (Por José Pedro Martins)

Rádio Catimbó Vozes Amazônicas, de Paulo Meira

Rádio Catimbó Vozes Amazônicas, de Paulo Meira

 

 

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