POR JOSÉ PEDRO SOARES MARTINS
A violência tem várias faces na Amazônia, além do crime da escalada da destruição da floresta e da invasão das terras indígenas. Esta é a “mensagem” que o massacre de mais de 50 presos em Manaus, após rebelião de 17 horas em presídio na capital amazonense, mostrou ao mundo no dia 1º de janeiro de 2017.
Manaus merece uma atenção especial em uma reflexão mais ampla sobre o que ocorre na Amazônia. O Atlas do Desenvolvimento Humano nas Regiões Metropolitanas Brasileiras, elaborado pelo PNUD, IPEA e Fundação João Pinheiro, escancarou a profunda desigualdade existente na região metropolitana (RM) onde está a Zona Franca de Manaus, de onde saem muitos sonhos de consumo do Sudeste-Sul maravilha.
Segundo o Atlas, existem em Manaus bairros com Alto Desenvolvimento Humano (nos critérios do PNUD), com Índice de Desenvolvimento Humano de 0,930, mas também muitas áreas de Baixo Desenvolvimento Humano, com IDH de pouco mais de 0,500. Seis das doze Unidades de Desenvolvimento Humano (equivalentes a bairros e vizinhanças) de menor IDH entre todas as regiões metropolitanas brasileiras, todas com IDH de 0,528 para baixo, estão na RM de Manaus. O Atlas do Desenvolvimento Humano considera 11.122 UDH nas regiões metropolitanas.
Outro estudo, o Mapa da Violência, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), revela números inquietantes sobre a capital do Amazonas – e sobre a Amazônia em geral, localizada, em território brasileiro, em sua maior parte na Região Norte.
De acordo com o Mapa da Violência, entre 2004 e 2014 o número de homicídios por armas de fogo na Região Norte subiu de 1.784 para 3.932, correspondendo a 120,4% de aumento, apenas menor, proporcionalmente, aos 123,7% de incremento na Região Nordeste, e muito acima dos 66,5% de aumento na Região Centro-Oeste, 24,1% na Região Sul e -35,7% na Região Sudeste.
No Amazonas o aumento do número de homicídios por armas de fogo foi de 233,0% entre 2004 e 2014, proporção apenas menor do que os incríveis 445,1% no Rio Grande do Norte, 367,0% no Maranhão, 314,0% no Ceará e 246,6% no Piauí.
Comenta o Mapa da Violência, sobre a explosão de homicídios por armas de fogo nas regiões Norte e Nordeste nos últimos anos, que a reorientação do fluxo de capitais e de mão de obra para locais “até então virgens de desenvolvimento” e a aprovação do Plano Nacional de Segurança Pública e Fundo de Segurança Publica na virada dos séculos 20/21 foram elementos que, “potencializados pela guerra fiscal empreendida por diversos municípios para atrair investimentos, originaram a emergência de novos polos de desenvolvimento, seja no interior dos estados tradicionais, seja em outros estados, como a Zona Franca de Manaus, Camaçari, Suape, Ananindeua, Arapiraca etc”. Esses novos polos, avalia o Mapa, “atraíram investimentos e fluxos populacionais, mas também criminalidade e violência, diante da virtual ausência das instituições do Estado, fundamentalmente as da Segurança Pública”.
A síndrome da violência na Amazônia já vinha sendo detectada há anos pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pelo Conselho Indigenista Missionário. Seus levantamentos anuais de assassinatos de trabalhadores rurais e indígenas mostram que a região concentra cerca de 70% das mortes, muitas delas associadas à defesa da floresta, como no célebre caso de Chico Mendes. Grandes obras como a usina de Belo Monte também têm sido criticadas por seu potencial de alimentar a violência, entre outros aspectos.
São números e fatos suficientes para confirmar que a Amazônia demanda uma política de desenvolvimento muito abrangente. O chamado “pulmão do mundo”, pelo que representa em biodiversidade, água e proteção do clima, merece um conjunto de ações urgentes, de real defesa da vida, em todas as suas dimensões.
(62º artigo da série DDHH Já, sobre os 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos no cenário brasileiro. No 3º dia do mês de março de 2019, o artigo corresponde ao Artigo 3: Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.)