Poemas de Maria do Rosário Lino, autora de vários livros infantis e de poesia, pelo Dia 18 de Maio, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes:
MENINA…
Menina negra
corpo ainda impúbere
obrigada a dar-se
a quem lhe tomou
a infância
o sonho de boneca
a ilusão da vida
dividida
na miséria
do barraco
ou dos viadutos
ou da miséria
desavergonhada
de uma alma deturpada
de um algoz de corpo
sem cara
nem nome
sem dignidade
de homem
de ser humano.
Menina negra
de tantos traços
cabelos loiros
negros, azulados
pele pálida
boca desdentada
menina negra
redesenhada
em cada esquina
chamada abandono
menina negra branca
caída de sono
menina amarela lilás
não sabes nem saberás
porque o destino
te escolheu
para sentir o desatino
neste mundo de Deus.
Menina negra
branca azul
verde parda
a ordem que te desagrega
é a mesma que se acovarda
na hora de te reconhecer:
“nunca te vi”.
Menina
cresceu ainda tão pequena
perdeu a criancice serena
pelas mãos covardes
de uma nação.
País,
não tardes
em rever esta canção
triste
que pariste
ferindo o melhor
do teu próprio
coração…
de menina.
AVENIDA CRIANÇA
Criança.
Eu tive um sonho sabor cereja
e nelo tudo o que você deseja
acontece bem e feliz.
Criança.
Eu sonhei que a vida
era uma larga-grande avenida
de frutas-doces-alegrias
colhidas noite e dia.
A avenida era de grama orvalhada,
nela nascia de tudo, não se perdia nada.
Por ali passeavam duendes de mãos dadas,
brincavam crianças bem alimentadas,
voavam fadinhas em passaradas.
O teto da avenida era o céu.
Meu, seu, tom cor de mel.
Gotas de chocolate desprendiam
das nuvens pudim-de-leite
puro deleite.
Criança.
Eu sonhei que nessa avenida tudo cabia
de paz, de amor, de alegria.
A vida não era cansada para os velhos
de idade nem de sofrimentos
porque simplesmente
idade e sofrimentos não havia.
Criança.
A avenida se expandia mais e mais.
Eu tentava correr atrás,
mas ela era sem fim
e a cada passo meu
surgia um pigmeu
ou um gigante
tantos outros bebês
olhos de diamante
sorrisos cor-de-rosa
tapetes de verso em prosa.
Criança.
A avenida por todos os lados
era um espelho que se refletia.
Piscavam vagalumes sinalizadores
anunciando tudo o que você queria.
O cheiro fresco da tangerina
rescendia no meu paladar.
Sentia o gosto da vida gostosa
de tudo ter e tudo poder dar.
Criança.
Na avenida não existiam dúvidas,
apenas certezas e sensações de plenitude.
Crescia a juventude.
Acordei.
Estou criança
na avenida.
Ave Vida!!!