Por José Pedro Soares Martins
Universitários dialogando com a cultura griô, orquestra de violinos na favela da Mangueira (RJ), mídia livre, quilombolas trabalhando com cultura digital, pontinhos de cultura para crianças – estes foram alguns ingredientes da teia da Cultura Viva, que passou a ser esvaziada no governo de Michel Temer, após o impeachment da presidente Dilma Rousseff. As incertezas continuam agora, no governo de Jair Bolsonaro.
Cultura Viva é o conceito que evoluiu e se tornou política pública em vários países do continente a partir da experiência implementada na gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura, no governo de Luis Inácio Lula da Silva. O apoio e a valorização de projetos e produtos culturais nascidos das comunidades são um dos pilares do Cultura Viva, destaca Marcelo Ricardo Ferreira, o Marcelo das Histórias.
Coordenador do Ponto de Cultura Nina e da Rede Usina, ambos de Campinas, Marcelo foi um dos organizadores do III Congresso Latino-Americano de Cultura Viva Comunitária, realizado entre os dias 20 a 26 de novembro de 2017 em Quito, no Equador. Para Marcelo das Histórias, a Cultura Viva Comunitária é uma resposta e um roteiro a seguir, para a superação do paradoxo que marca a riqueza artística e cultural do Brasil.
“O Brasil é um país bem contraditório é explícito na sua vida cultural e científica. Para uma parcela bem pequena da população brasileira que lucra e usufrui da globalização de consumo e comportamento, podemos supor que exerce seus direitos culturais e o acesso aos benefícios científicos. Mas se olharmos com rigor para a história de nossa nação e os seus resultados presentes, veremos que a maioria da nossa população tem seus direitos culturais e científicos suprimidos de forma brutal”, ressalta Marcelo.
Ele enumera as razões pelas quais a democratização dos bens culturais e científicos ainda está distante do conjunto da população. “Isso se dá primeiramente pelas precárias condições materiais de sobrevivência da maioria do população e por interesses econômicos em limitar o povo brasileiro na condição de consumidoras de uma cultura globalizada, que massacra a identidade e ancestralidade brasileira. Existe um rompimento civilizatório com os povos indígenas e afro brasileiros tanto na questão da demarcação de terras quanto preservação de sua culturas”, lamenta o coordenador do Ponto de Cultura Nina.
“Isso é feito por um pacto das elites econômicas que fazem que a nossa educação seja eurocêntrica e instrumentalizada para formar mão de obra barata e uma população sem repertório sobre seus direitos sociais e culturais”, lamenta Marcelo das Histórias. “Nesta realidade os órgãos governamentais de cultura e ciência têm orçamentos insignificantes e comprometido com os projetos das elites . Mas esta sucessiva violação de direitos culturais é combatida diariamente pelos povos tradicionais , periféricos e comunitários e hoje tem inúmeras organizações e movimentos sociais que formulam soluções de políticas públicas, enfrentamentos jurídicos e ações independentes nos territórios para desenvolvimento cultural e criativo”, completa o coordenador do Ponto de Cultura Nina.
O Nina é um dos mais de 3.500 pontos de cultura, atingindo mais de 8 milhões de pessoas, que receberam apoio oficial durante a gestão de Célio Turino à frente do Cultura Viva, durante a gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura. O Nina e muitos outros pontos de cultura continuam atuantes, pela força de seus integrantes e pela sua interação com a vida comunitária.
(27º artigo da série DDHH Já, sobre os 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos no cenário brasileiro. No 27º dia do mês de janeiro de 2019, o artigo corresponde ao Artigo 27: Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja autor.)