Meu fusca branco estava limpinho, de cabo a rabo. O sujeito da lavagem acertou. Ninguém reconheceria o carro, estava novo. Dona Benedita e sua amiga Lourdes estavam de boca aberta logo que cheguei.
– Camilo, venha logo ver o carro santo em que vamos viajar!!! Sumiu aquele carro feinho que, de vez em quando, nos levava até a Igreja do Rosário. Apareceu outro. Parece que acabou de sair da fábrica.
Dona Benedita e sua amiga já estavam prontas para seguir viajem. E chamar meu fusca 1968 de carro santo foi a glória. Até olhei para a cara do carro para me certificar. Achei que estava mesmo iluminado com aquele primeiro banho depois de anos sujo e fedido.
Com as duas velhinhas encaixadas no banco traseiro e Camilo na frente, acelerei forte para sentir o motor. O Fusca estava poderoso. E lá fomos nós para a cidadezinha adiante de Ribeirão Preto, onde mais tarde ocorreria o casamento da sobrinha-neta de dona Benedita.
No caminho, eu e Camilo falamos das primeiras namoradas que beijamos na boca,‑ pensávamos que era na boca, no início erramos de lugar, e depois acertamos a boca, não o queixo ‑, de futebol, de viagens etc. E as duas velhinhas seguiam no terço, e falavam coisas em tom baixíssimo, impossíveis de entender.
Chegamos a Ribeirão Preto e bebemos água pra refrescar. O calor estava escapulindo do nosso teto. Fomos adiante. Logo depois começamos a agradecer pelo tempo chuvoso que se aproximava.
A chuva caiu pra valer. Foi quando percebi que o limpador de para brisa não funcionava perfeitamente. Estava como antes de eu levar pra arrumar. Parei o carro pra explicar pro Camilo como ajudar – tinha um barbante preso ao limpador do vidro que o bloqueava e o impedia de dar a volta inteira. Na hora em que parasse, ele puxava. Era uma volta e tinha que puxar de novo. “Fácil, n锿. Ele pensou em me matar.
Seguimos bem devagar. Depois de um breve tempo, deparamos com uma área bem ampla antes de uma subida. Notei que as marcas de pneus estavam do lado direito do terreno. Era por ali que eu iria. Comecei a dirigir e ouvi um berro de Camilo: “Para, para, para!!!Temos que ir pela esquerda”!!!!
Percebi que estava na hora de o Camilo decidir um pouco. Ele estava sendo uma voz reserva na condução da viagem. Resolvi ir pelo caminho que ele pedia. Mas nos primeiros metros o carro atolou. Acelerei, acelerei, e só barro que pulava. O fusca foi branco um dia.
“Camilo, é melhor você descer para reduzir o peso”, aconselhei. “Por que eu¿, questionou. “Vou pedir para sua mãe…”. Nem havia terminado a frase e ele já enfrentava a chuvarada.
Mas a nova tentativa de levar o carro foi desastrosa. Dona Benedita e dona Lourdes teriam que descer, e Camilo cuidaria do apoio. O lamentável seria a roupa delas na chuva. Desceram.
Acelerei, e o fusca foi embora. Logo estava no topo da colina. “Salve”!!! gritei. Mas ninguém me ouviu. Lá em baixo os outros enfrentavam a lama. Era lentidão e mudez. De repente, dona Benedita ficou aflita: “Interrompe tudo. Perdi um sapato!!!
Camilo sinalizou com as mãos que elas não deveriam se mover. E foi procurar o sapato. Depois de uns quinze minutos, anunciou: “Achei, achei o sapato”! Depois colocou o sapato na mãe. Só a chuva que não queria se acalmar.
Fomos à frente. E percebemos o semblante da cidadezinha. Parei um pouco para que tentassem reduzir as manchas de barro. Foi uma tentativa. Seguimos em frente. E o pessoal do barro chegou em frente da igreja.
Duas sobrinhas vieram com dois guarda chuvas gigantes nos apanhar. Mas a possibilidade de descerem era nula, estava na cara. Só abraços e beijos à distância.
A volta foi um silêncio só. Parecia o dobro de tempo da ida. Chegamos. Despedida¿ Nada. Desapareceram todos. Fim de viagem.