POR JOSÉ PEDRO SOARES MARTINS
A Emenda Constitucional 95/2016, que institui Novo Regime Fiscal e ficou conhecida como PEC do Teto, foi promulgada no dia 15 de dezembro de 2016. A emenda estabeleceu um teto para os gastos públicos da União pelos próximos 20 anos, o que gerou e continua gerando muitas críticas nas áreas de educação, saúde e ação social.
Um incisivo alerta sobre as consequências legais da Proposta de Emenda Constitucional-PEC 241 (que antecedeu a EC 95) foi dado por Paulo Sena, assessor Parlamentar da Câmara dos Deputados e considerado um dos maiores especialistas em Direito e financiamento educacional no país. Em estudo sobre o tema, Sena observou que a PEC 241 visava alterar o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), de modo a instituir o chamado “novo regime fiscal”.
Sena citava então o artigo 104 da PEC 241, que estipula: “A partir do exercício financeiro de 2017, as aplicações mínimas de recursos a que se referem o inciso I do parágrafo 2º e o parágrafo 3º do art.198 e o caput do art.212, ambos da Constituição, corresponderão, em cada exercício financeiro, às aplicações mínimas referentes ao exercício anterior corrigidas na forma estabelecida pelo inciso II do parágrafo 3º e do parágrafo 5º do art.102 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”.
Para o especialista, ao propor a mudança do ADCT e fixar nova norma (aplicação do ano anterior corrigida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA) de cálculo dos mínimos constitucionais de Educação e Saúde, o governo federal “não apenas muda a regra, mas atinge e fere princípio sensível, e assim viola cláusula pétrea” da Constituição brasileira, que acaba de completar 28 anos.
É a Constituição Federal, comentou Paulo Sena, que prevê que a vinculação de recursos da receita de impostos à manutenção e desenvolvimento do ensino, estabelecida no citado artigo 212, “não é apenas uma regra de locação, mas é, também e principalmente, um princípio constitucional. Um princípio constitucional sensível, na expressão de Pontes de Miranda”, diz Sena, se referindo a um dos grandes juristas brasileiros.
“Uma vez desrespeitado este princípio”, continuava o assessor legislativo, “ocorre a mais grave sanção no Direito Constitucional: a decretação de intervenção federal. Se a própria Federação, como forma de Estado, é objeto (art.60, parágrafo 4º, I) de cláusula pétrea, sanção da gravidade da intervenção federal não pode ter outra natureza”.
Sena completou: “A constatação de que a vinculação é um princípio constitucional, que enseja a intervenção federal (art.34, VII, “e”, CF), sob a qual sequer pode ser apreciada qualquer emenda constitucional (art.60, parágrafo 1º, CF) leva à conclusão inescapável de que se trata de cláusula pétrea. Cláusula pétrea violada pela PEC 241, de 2016″.
Impactos no orçamento – Um estudo do consultor de Orçamento e Fiscalização Financeira Marcos Rogério Rocha Mendlovitz para a Câmara dos Deputados apontou uma perda de R$ 58 bilhões em recursos, resultantes da aplicação da PEC 241/2016 no âmbito da Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE). Segundo a projeção do consultor, as despesas federais com MDE, abrangendo pontos como transporte escolar, compra de material didático e pagamento dos salários dos profissionais de Educação, seriam reduzidos anualmente abaixo dos 18% da receita líquida dos impostos. Este é o percentual mínimo que a Constituição prevê para gastos do governo federal em Educação, com a receita líquida de impostos.
Reação da sociedade – Diante dos apontados impactos na ordem constitucional e nos recursos para o setor nos próximos anos, afetando diretamente a implementação do PNE 2014-2014, organizações da área educacional se mobilizaram.
No dia 18 de setembro de 2016, o presidente da Comissão de Educação da ONU, Gordon Brown, recebeu em Nova York um dossiê elaborado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), com estudos e críticas sobre a PEC 241/2016 e seus efeitos na Educação no Brasil. No dossiê, a CNDE defendia que a PEC 241, assim como outras iniciativas do governo Temer no setor, “colocam em risco a garantia do direito à educação no Brasil”. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação considera que a PEC 241 vai na direção contrária às recomendações dos Comitê sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas.
Outras importantes organizações se manifestaram. “A Proposta de Emenda Constitucional nº 241/2016, que propõe o Novo Regime Fiscal (NRF), e seu Substitutivo, se aprovado nos termos em que está proposto, resultará em prejuízos irreparáveis às políticas sociais que garantem os direitos de crianças e adolescentes no Brasil”, defendeu em comunicado a Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente, uma das mais respeitadas instituições da áreas social.
Para a Fundação Abrinq, a PEC nº 241/2016, e seu Substitutivo, “não incluem na Exposição de Motivos, no Parecer do Relator e no rol de indicadores a serem monitorados para medir o desempenho do Novo Regime Fiscal os indicadores sociais que serão impactados pela medida. A Fundação Abrinq acredita que o monitoramento dos impactos sociais – positivos e negativos – de quaisquer medidas de governo devem estar contemplados para uma efetiva avaliação de políticas públicas”, observou a instituição.
Para a Fundação Abrinq, ao não detalhar quais políticas são prioridade de governo e, consequentemente, de investimentos, “todas essas políticas e programas estão em risco de serem reduzidas a ponto de perderem a sua efetividade, ou descontinuadas, caso o texto da PEC nº 241/2016 permaneça como está – independente de uma análise mais aprofundada – e seja aprovado. Inclui-se no rol de efeitos danosos da PEC nº 241/2016 os impactos que a imposição de um limite de gastos para o Poder Judiciário terá sobre a operação – já deficiente – do Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes”.
Impactos no PNE – A Fundação Abrinq avaliou os impactos da PEC 241 no Plano Nacional de Educação – PNE (Lei nº 13.005/2014), que estabelece 20 metas que devem ser alcançadas nos próximos dez anos para melhoria da qualidade da educação no Brasil, como: a erradicação do analfabetismo; o aumento do número de vagas em creches e a equiparação do rendimento médio dos profissionais do magistério da rede pública com o dos demais profissionais com escolaridade equivalente são metas que constam na citada lei.
O Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) e o Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (CONGEMAS) também se manifestaram, em nota conjunta, sobre os efeitos perversos da PEC 241/2016 na Educação, Saúde e outras áreas sociais a partir de 2017.
As organizações alertavam que o país passa por um rápido processo de mudança na estrutura demográfica, em decorrência do aumento da expectativa de vida e da queda da taxa de natalidade. “Em 2036, projeta-se uma população de 227 milhões de habitantes, 9,3% superior à população atual. No que se refere à estrutura etária, os resultados mostram que a população com 60 anos ou mais representará praticamente o dobro da atual, passando de 24,9 milhões para 48,9 milhões, o que pressionará o gasto público tanto para saúde, quanto para educação e assistência social”, afiram as entidades, entendendo que a PEC 241 afetaria os gastos nessas áreas.
“No caso da saúde as medidas propostas, uma vez implementadas, irão agravar ainda mais o quadro de asfixia financeira que atualmente o Sistema Único de Saúde (SUS) atravessa. Os aumentos do desinvestimento, do desemprego e da queda da renda da população forçam, naturalmente, a busca da população pelos serviços e ações de saúde no SUS. Para a educação, a PEC 241/2016 inviabilizará o cumprimento das metas e estratégias do Plano Nacional de Educação”, afirmam CONASEMS, UNDIME e CONGEMAS, no comunicado que resume o espírito de grande parte da sociedade civil brasileira em relação à PEC 241/2016, que coloca em dúvida o futuro do país em áreas estratégicas e essenciais.
(57º artigo da série DDHH Já, sobre os 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos no cenário brasileiro. No 26º dia do mês de fevereiro 2019, o artigo corresponde ao Artigo 26: Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do ser humano e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.)