Paris será a sede no final de 2015 da 21ª Conferência das Partes da Convenção das Mudanças Climáticas, a COP-21 ou Conferência do Clima. Há uma grande expectativa porque na capital francesa deve ser sacramentado um acordo global pela redução de emissões de gases que agravam o aquecimento global. Já são 23 anos de negociações, desde a aprovação da Convenção na Conferência Rio-92, no Rio de Janeiro, e só aumentou a emissão de gases-estufa, derivados do uso de combustíveis fósseis. Se Paris não emitir um claro sinal de corte nos subsídios hoje concedidos para o uso de petróleo, carvão e gás, será um fracasso com consequências imprevisíveis para o futuro do planeta.
Protocolo de Kyoto – Um dos principais pontos da COP-21 será a aprovação de um mecanismo que substituta o Protocolo de Kyoto, de 1997. Válido inicialmente até 2012, Kyoto foi prorrogado para 2020. A partir daí, valerá o acordo que for firmado em Paris. Pelos termos de Kyoto, foram obtidas reduções de emissões de gases-estufa insuficientes diante das demandas globais. Os números mostram que, na prática, as emissões de gases de efeito-estufa continuaram aumentando em todo mundo, no âmbito de uma escalada geral de degradação ambiental.
Entre 1992 e 2012, anos respectivamente da Eco-92 e a Rio+20, ambas no Rio de Janeiro, as emissões mundiais de dióxido de carbono (CO2) aumentaram 66%, em sua maior parte, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), pelo crescimento da produção industrial e mudança dos estilos de vida das populações.
Com maiores emissões, aumentou a concentração atmosférica de CO2, de cerca de 340 partes por milhão em 1990 para 388,5 ppm em 2010 e, atualmente, em mais de 400 ppm, um patamar considerado crítico pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). Também aumentaram as concentrações de outros gases-estufa poderosos, como o metano (CH4) de 1.774,5 ppb em 2005 para 1.799,1 em 2010. Maior concentração atmosférica, maiores temperaturas. A Organização Meteorológica Mundial confirmou que 2014 foi o ano mais quente da história.
Megacidades – Na prática, Kyoto mostrou portanto que não foi eficaz para reduzir as emissões de poluentes, embora muitos digam que, sem o Protocolo, a situação seria ainda pior. Ocorre que o mundo tem passado por mudanças muito rápidas e profundas, e Paris terá que aprovar algo que efetivamente faça frente aos desafios suscitados por essas transformações.
Desde 1992, ano em que foi firmada a Convenção das Mudanças Climáticas no Rio de Janeiro, o número de megacidades (com mais de 10 milhões de habitantes) cresceu 110%, de 10 para mais de 20. A maior parte da população mundial já vive em cidades, o que representou a mudança drástica de estilos de vida, com maior uso de energia, por exemplo. Desde 1992 a população mundial cresceu mais de 1,5 bilhão de pessoas. Hoje o cidadão médio consume 43 quilos de carne por ano, contra 34 quilos em 1992, ainda segundo o PNUMA.
Desde o início da década de 1990, a área de florestas diminuiu 300 milhões de hectares, com grande impacto na erosão da biodiversidade e, também, na perda de “sumidouros” naturais de carbono. Maior acidificação de oceanos, derretimento de geleiras, mais furacões em alguns lugares, mais seca em outros – como a forte estiagem que atingiu o estado de São Paulo em 2014 e tende a se repetir em 2015.
Corte nos subsídios – Está claro que o panorama ambiental global é cada vez pior, indicando que as negociações climáticas não foram suficientes até o momento. Serão agora, em que todos países – conforme a decisão da COP-20, no Peru, no final de 2014 – estão comprometidos com a redução das emissões, mas sem metas especificadas e medidas vinculantes para os maiores emissores? O princípio das “responsabilidades comuns, mas diferenciadas” permaneceu no papel após a COP-20 em Lima, mas na prática o compromisso de que todos devem contribuir para o corte de emissões, mas sem metas fixas e vinculantes, pode representar a sua extinção na prática no âmbito das negociações climáticas.
Paris será de fato um fracasso, especialmente se não houver uma clara sinalização de corte nos subsídios ao uso de combustíveis fósseis. Por causa destes subsídios o uso de petróleo, gás e carvão continuou a todo vapor, repercutindo nas emissões globais de dióxido de carbono e gases equivalentes, mesmo com todo avanço já alcançado pela energia renovável.
O mundo ainda consome essencialmente combustível fóssil, tendência particularmente forte na Ásia e países em desenvolvimento, com a China e Índia à frente, mas o Brasil também nesse bloco. As estimativas da Agência Internacional de Energia são de que entre 2012 e 2035 haverá um crescimento na demanda de energia de 65% na Ásia e países em desenvolvimento, contra 10% no Oriente Médio, 8% na África e América Latina, 5% na Eurásia e 4% nos países desenvolvidos, que historicamente foram aqueles que mais emitiram gases de efeito-estufa. Durante décadas os Estados Unidos foram o maior emissor individual, sendo superados pela China há alguns anos.
Ainda de acordo com a Agência Internacional de Energia, o crescimento da demanda de energia primária ocorrerá sobretudo nos combustíveis fósseis, em particular o gás e carvão. As renováveis aparecem em seguida, o petróleo e a energia nuclear em quinto lugar no ranking da demanda.
A Agência Internacional calcula que o mix de combustíveis fósseis representa hoje cerca de 82% da energia consumida no planeta, mesma marca há 25 anos praticamente. Essa proporção de fósseis deve diminuir para 75% em 2035, o que seria insuficiente para a urgência nos cortes de emissões.
Sem cortes realmente significativos, alterando a tendência das últimas décadas, a meta de mudança climática de somente até 2 graus centígrados até o fim do século 21 não será alcançada de forma alguma. Um dos caminhos concretos para isso seria o corte nos subsídios dados para o uso dos fósseis, que foram da ordem de US$ 544 bilhões em 2012 segundo a Agência Internacional de Energia.
Em síntese, de forma geral o discurso oficial tem sido o da necessidade de aumento do uso de energias sustentáveis, mas na prática o que se usa mesmo é o combustível fóssil, com muito subsídio para que isso ocorra. A corrida contra o tempo será perdida se Paris não indicar mudanças de fato nesse cenário. O curso das negociações climáticas nas últimas duas décadas não deixa muita margem para esperanças. (Por José Pedro Martins)