Por José Pedro Martins
Um impulso especial para a questão ambiental global foi dado com a publicação, no início de 1972, do relatório “Limites do Crescimento”, elaborado por equipe do Massachusetts Institute of Technology (MIT), um dos mais importantes e conceituados centros de pesquisa dos Estados Unidos e do planeta. As conclusões do relatório, coordenado por Dennis L.Meadows e outros autores, alertando para os limites da exploração dos recursos naturais, tiveram grande repercussão na primeira Conferência Mundial sobre Meio Ambiente Humano, realizada naquele ano em Estocolmo, Suécia.
A Conferência de Estocolmo é, de fato, um marco em termos do ambientalismo contemporâneo, por consolidar vários conceitos ainda caros, como os princípios da precaução e das responsabilidades comuns e diferenciadas.
Limites do Crescimento nasceu do pedido de um membro do Clube de Roma, Edouard Pestel, reitor da Universidade de Hannover e membro da direção da Fundação Volkswagen, para que esta instituição liberasse US$ 200 mil que seriam usados no financiamento de um estudo mais amplo do que Dilemas da Humanidade. Publicado em julho de 1970, pelo Clube de Roma, Dilemas foi um dos primeiros textos em que o “primeiro time” do grande empresariado mundial demonstrou alguma preocupação com as barreiras ambientais ao crescimento econômico.
O Clube de Roma foi criado no início de 1968, a partir de conversas iniciais de um empresário italiano, Aurelio Peccei (foi presidente e administrador da Italconsult, vice-presidente da Olivetti, diretor da FIAT para a América do Sul, um dos fundadores da Alitalia), do executivo escocês Alexander King, do engenheiro suíço Hugo Thieman e do especialistas em tecnologia Eric Jautsch. O objetivo era promover uma reflexão de alto nível sofre o futuro do planeta e da humanidade. O momento era mais do que simbólico, considerando a revolução cultural resultante do Maio de 68 francês e de acontecimentos semelhantes em todo planeta, basicamente questionando os rumos da sociedade industrial.
Debate global – Dilemas da Humanidade, o primeiro documento do Clube de Roma, foi o ponto de partida para uma reflexão global, aprofundada com Limites do Crescimento. A coordenação de Limites do Crescimento ficou a cargo de D.L.Meadows, Donella H.Meadows, Jorgen Randers e William W.Behrens III, que lideraram uma equipe de 17 especialistas em informática do MIT. Outros gigantes da sociedade industrial-tecnológica, a Fiat e a Ford, participaram do financiamento do relatório. Projetando o futuro possível do planeta e da humanidade, Limites do Crescimento levou em consideração cinco variáveis: população, produção industrial, produção de alimentos, poluição e utilização de recursos naturais não-renováveis.
O que o documento publicado no início de 1972 sublinhava, em termos sintéticos, é que a população mundial e a produção industrial crescem de forma exponencial. O crescimento exponencial da população deve-se à variação positiva da taxa de natalidade, em conjunto com a variação negativa da taxa de mortalidade, alcançada em função dos avanços na área médica, entre outros fatores. O crescimento exponencial da indústria, por sua vez, estava ocorrendo em ritmo superior ao da população.
Essa dinâmica de crescimento populacional da população e indústria é limitada, contudo, em determinado momento, pelas alterações nos ecossistemas, pela falta de alimentos e dilapidação de recursos naturais não-renováveis. A falta de alimentos seria devido ao esgotamento de terras cultiváveis e limitação nos estoques de água doce, entre outros condicionantes.
No caso dos recursos naturais, o relatório fez simulações em vários casos, como das reservas de alumínio, que de acordo com as projeções dos computadores do MIT seriam esgotadas em cem anos, se mantido o ritmo de exploração daquela época. Se o ritmo aumentasse, como vinha ocorrendo, as reservas poderiam se esgotar em até 31 anos. Os casos das reservas de cobre, chumbo, ferro, mercúrio e petróleo também foram observados. Mesmo se os cálculos das reservas estivessem subestimados, o documento indicava que no máximo o prazo de esgotamento seria esticado alguns anos ou décadas.
A poluição foi outro fator examinado. Já se acentuava a questão da emissão de dióxido de carbono para a atmosfera, a um ritmo na época de 20 bilhões de toneladas anuais, como um dos efeitos das formas insustentáveis de energia. Nem mesmo o avanço tecnológico, segundo os autores do documento, poderia alterar essa dinâmica insustentável, como no caso da energia nuclear, que poderia resolver o problema da geração de energia a partir da substituição de fontes não-renováveis (os derivados de petróleo), mas gera o problema insolúvel dos rejeitos radioativos. Com todos recursos científicos e tecnológicos disponíveis à época, muito inferiores aos atuais, já foi um claro indício de que a emissão de carbono preocupava parte significativa da inteligentzia do mundo corporativo.
Para evitar o colapso total, o documento sugeria controle do aumento da população mundial e a estabilização da produção industrial. Com isso diminuiriam a necessidade de produção de alimentos e o consumo dos recursos naturais não-renováveis. As conclusões do documento tiveram enorme repercussão na Conferência de Estocolmo, e têm sido anos depois uma referência em todos os debates sobre sustentabilidade, mas não deixaram de provocar reações em países em desenvolvimento que viram nas propostas de controle do crescimento populacional e de contenção da produção industrial como um novo tipo de imperialismo. Estas medidas acabariam vigorando apenas para as nações do chamado Terceiro Mundo.
Críticas ao relatório – Limites do Crescimento provocou ácidas críticas, como as do jornalista francês Michel Bosquet (autor, entre outros, de “Critique du Capitalisme Quotidien”) em um debate promovido pelo Clube do “Nouvel Observateur”, em Paris, a 13 de junho de 1972 – poucos dias depois da Conferência de Estocolmo. Disse Bosquet: “A consciência ecológica ostentada por alguns grandes patrões parece-me, antes, ser uma manobra estratégica com um duplo objetivo. O primeiro é o de desarmar a contestação ecológica apropriando-se de alguns dos seus temas, servindo-se deles como de um álibi. Nesta ordem de idéias, pode-se entender o financiamento do estudo do MIT pelos monopólios do automóvel como um estratagema de relações publicas: trata-se de retirar à contestação ecológica o seu potencial anticapitalista, contê-la nos limites do sistema, distrair as nações ricas enquanto os seus Estados organizam, ajudam ou toleram os massacres programados, mecanizados e quimicizados no Vietnã e noutros locais”.(in Ecologia contra Poluição, Novos Cadernos D.Quixote, Publicações D.Quixote, Lisboa, 1973).
Outra voz poderosa a criticar o relatório foi o brasileiro Josué de Castro, autor do lendário “Geografia da Fome”. Em artigo publicado no Correio da Unesco, de janeiro de 1973, assinalava que o relatório o MIT considera um único modelo de desenvolvimento possível, o da sociedade industrial, e daí o seu equívoco fundamental. “Este exclusivismo, típico de cultura etnocêntrica dos países altamente desenvolvidos, revela a natureza não científica do mesmo relatório”, diz o brasileiro, então exilado em Paris e para quem era necessário pensar um novo modelo de desenvolvimento, em benefício principalmente do Terceiro Mundo.
Apesar das críticas, de qualquer modo, Limites do Crescimento já indicava a preocupação, no seio da elite política e econômica, com os rumos insustentáveis do crescimento industrial, da forma como vinha sendo conduzido na década de 1960. O documento teve enorme impacto, principalmente na Europa. Somente na Holanda foram vendidos 200 mil exemplares em poucos dias, apesar da linguagem adotada de ordem essencialmente técnica – o texto é todo intercalado com gráficos de simulações de várias situações. O método utilizado para a montagem do relatório foi o da “dinâmica de sistemas”, desenvolvida então há mais de 30 anos por Jay Forrester, um dos principais colaboradores do Clube de Roma no MIT. (Fonte: DENNIS L.MEADOWS, DENNIS L.MEADOWS, JORGEN RANDERS e WILLIAM W.BEHRENS III, Limites do Crescimento, 2a edição, Editora Perspectiva, São Paulo, 1978).