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Dossiê mostra porque redução da maioridade penal é retrocesso civilizatório
Diversidade brasileira ainda é sub-representada no Congresso Nacional (Foto Adriano Rosa)

Dossiê mostra porque redução da maioridade penal é retrocesso civilizatório

Na noite desta quarta-feira, 17 de junho, a comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre a maioridade penal aprovou o relatório  do deputado Laerte Bessa (PR-DF). O parecer é favorável à redução a maioridade penal, de 18 para 16 anos, em caso de crimes hediondos, homicídio doloso, roubo qualificado e lesão corporal grave seguida de morte. A matéria irá agora para debate e votação no plenário da Câmara e, se aprovada, levará a uma radical mudança no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que está completando 25 anos em julho.

O ECA é resultado da mobilização nacional, pós-ditadura militar, que levou à nova Constituição brasileira, de outubro de 1988. Especificamente, o ECA regulamenta o artigo 227 da Constituição, que estabelece: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)”.

Este artigo 227 e o ECA representaram a conquista da cidadania das crianças e adolescentes no Brasil. Os dois instrumentos jurídicos consagram a “doutrina da proteção integral”, chancelada pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, adotada pelas Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989.

A Convenção da ONU estava sendo discutida e redigida quando o Brasil se antecipou e colocou a “doutrina da proteção integral” na Constituição de 1988. Foi, então, um enorme avanço civilizatório, agora ameaçado pela proposta de redução da maioridade penal, em discussão na Câmara dos Deputados.

Neste dossiê estão várias manifestações de organizações, nacionais e internacionais, mostrando porque é um enorme retrocesso a redução da maioridade penal.

Declaração de organizações da sociedade civil pedindo ao Estado brasileiro que se abstenha de adotar a proposta de emenda constitucional que visa reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos de idade.

Nós, organizações da sociedade civil abaixo assinadas, convocamos o Brasil a se abster de adotar reformas que reduzam a idade de responsabilização penal (“maioridade penal”) de 18 para 16 anos. A reforma violaria as obrigações do Brasil nos termos da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (CDC) e seria um meio ineficaz de resolver delitos cometidos por adolescentes.

Sob a CDC, os Estados têm obrigações específicas em relação aos adolescentes envolvidos no sistema de responsabilização: a privação da liberdade deve ser o último recurso e pelo menor período de tempo apropriado (artigo 37), e deve se concentrar em reabilitação e reintegração, ao invés de simples punição ou retribuição (artigo 40). Diminuir a idade penal envia um sinal negativo para a sociedade e para os adolescentes afetados pela redução, desconsiderando as necessidades específicas de pessoas que ainda estão em fase de desenvolvimento.

Esta proposta de reforma responde a uma questão de segurança pública e repercussão negativa da mídia sobre certos crimes cometidos por adolescentes. Essa reforma apenas aborda os efeitos e não as causas do problema, excluindo uma série de variáveis responsáveis pela prática de crimes. A fim de responder aos delitos praticados por adolescentes, os Estados devem promover o uso de medidas alternativas, tais como a justiça restaurativa, servindo não apenas ao melhor interesse dos adolescentes, mas também à sociedade como um todo (CDC Comentário Geral No.10) .

O Brasil foi um pioneiro dos direitos da criança e do adolescente na América Latina, com o seu Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069-1990), e é um bom exemplo no mundo em função da fixação da idade penal aos 18 anos. Convocamos o Brasil a continuar liderando pelo exemplo, respeitando os direitos humanos de crianças e adolescentes e cumprindo suas obrigações internacionais. Para tanto, é necessário rejeitar o projeto de emenda constitucional que propõe a redução da maioridade penal de 18 para16 anos de idade”.

Assinado por: Defence for Children International (DCI); Child Rights International Network (CRIN); Amnesty International; Human Rights Watch (HRW); Organization against Torture (OMCT); Penal Reform International (PRI); Terre des Hommes (TdH); World International Catholic Child Bureau (BICE); World Vision.

Educação: este é o caminho

Educação: este é o caminho

NOTA DO SISTEMA ONU NO BRASIL SOBRE A PROPOSTA DE REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

O Sistema ONU no Brasil acompanha com preocupação a tramitação, no Congresso Nacional, de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 171/1993) que prevê a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade e o debate nacional sobre o tema.

O Sistema ONU condena qualquer forma de violência, incluindo aquela praticada por adolescentes e jovens. No entanto, é com grande inquietação que se constata que os adolescentes vêm sendo publicamente apontados como responsáveis pelas alarmantes estatísticas de violência no País, em um ciclo de sucessivas violações de direitos.

Dados oficiais mostram que, dos 21 milhões de adolescentes que vivem no Brasil, apenas 0,013% cometeu atos contra a vida. Os adolescentes são muito mais vítimas do que autores de violência. Estatísticas mostram que a população adolescente e jovem, especialmente a negra e pobre, está sendo assassinada de forma sistemática no País. Essa situação coloca o Brasil em segundo lugar no mundo em número absoluto de homicídios de adolescentes, atrás da Nigéria.

Os homicídios já são a causa de 36,5% das mortes de adolescentes por causas não naturais, enquanto, para a população em geral, esse tipo de morte representa 4,8% do total. Somente entre 2006 e 2012, pelo menos 33 mil adolescentes entre 12 e 18 anos foram assassinados no Brasil. Na grande maioria dos casos, as vítimas são adolescentes que vivem em condições de pobreza na periferia das grandes cidades.

O Sistema ONU alerta que, se as infrações cometidas por adolescentes e jovens forem tratadas exclusivamente como uma questão de segurança pública e não como um indicador de restrição de acesso a direitos fundamentais, a cidadania e a justiça, o problema da violência no Brasil poderá ser agravado, com graves consequências no presente e futuro.

O sistema penitenciário brasileiro já enfrenta enormes desafios para reinserir adultos na sociedade. Encarcerar adolescentes jovens de 16 e 17 anos em presídios superlotados será expô-los à influência direta de facções do crime organizado. Uma solução efetiva para os atos de violência cometidos por adolescentes e jovens passa necessariamente pela análise das causas e pela adoção de uma abordagem integral em relação ao problema da violência.

Investir na população de adolescentes e jovens é a chave para o desenvolvimento. Dificilmente progressos sociais e econômicos poderão ser alcançados nos próximos anos sem os investimentos certos nesta que é a maior população jovem da história: no mundo, são mais de 1,8 bilhão de adolescentes e jovens (10 a 24 anos), e no Brasil esse número ultrapassa 51 milhões. Essa quantidade sem precedentes de adolescentes e jovens no Brasil e no mundo – propiciada pelo chamado “bônus demográfico” – constitui uma oportunidade única para que a consecução do desenvolvimento em todas as suas dimensões seja sustentável. Para isso, Estados e sociedades devem reconhecer o potencial desses adolescentes e jovens e assegurar os meios para que as contribuições presentes e futuras desses segmentos tenham impactos positivos para suas trajetórias, suas famílias, comunidades e países.

Há inúmeras evidências de que as raízes da criminalidade grave na adolescência e juventude no Brasil se desenvolvem a partir de situações anteriores de violência e negligência social. Essas situações são muitas vezes agravadas pela ausência do apoio às famílias e pela falta de acesso destas aos benefícios das políticas públicas de educação, trabalho e emprego, saúde, habitação, assistência social, lazer, cultura, cidadania e acesso à justiça que, potencialmente, deveriam estar disponíveis a todo e qualquer cidadão, em todas as fases do ciclo de vida.

Várias evidências apontam que o encarceramento de pessoas, em geral, agrava sua situação de saúde e o seu isolamento, representando uma grande barreira ao desenvolvimento de suas habilidades para a vida. A redução da maioridade penal e o consequente encarceramento de adolescentes de 16 e 17 anos poderia acentuar ainda mais as vulnerabilidades dessa faixa da população à violência e ao crime.

No Brasil, adolescentes a partir de 12 anos já são responsabilizados por atos cometidos contra a lei, a partir do sistema especializado de responsabilização, por meio de medidas socioeducativas, incluindo a medida de privação de liberdade, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Se tal sistema não tem conseguido dar respostas efetivas, é preciso aperfeiçoá-lo de acordo com o modelo especializado de justiça juvenil, harmonizado com os padrões internacionais já incorporados à Constituição Federal de 1988.

Além de estar na contramão das medidas mais efetivas de enfrentamento da violência, a redução da maioridade penal agrava contextos de vulnerabilidade, reforça o racismo e a discriminação racial e social, e fere acordos de direitos humanos e compromissos internacionais historicamente assumidos pelo Estado brasileiro.

Um dos compromissos fundamentais que o Brasil assume ao ratificar um tratado internacional é o de adequar sua legislação interna aos preceitos desse tratado, tal como assinala a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Assim, a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), ratificada pelo Estado brasileiro no dia 24 de setembro de 1990, reconhece as crianças e os adolescentes como sujeitos e titulares de direitos, estabelecendo em seu artigo primeiro que criança é “todo ser humano com menos de dezoito anos de idade”.

Em relação às responsabilidades das pessoas menores de 18 anos, a CDC estabelece claramente, em seus artigos 1, 37 e 40, que: (i) nenhuma pessoa menor de 18 anos de idade pode ser julgada como um adulto; (ii) deve se estabelecer uma idade mínima na qual o Estado renuncia a qualquer tipo de responsabilização penal; (iii) seja implementado no País um sistema de responsabilização específico para os menores de idade em relação à idade penal, garantindo a presunção de inocência e o devido processo legal, e estabelecendo penas diferenciadas, onde a privação da liberdade seja utilizada tão só como medida de último recurso.

O Sistema das Nações Unidas no Brasil reconhece a importância do debate sobre o tema da violência e espera que o Brasil continue sendo uma forte liderança regional e global ao buscar respostas que assegurem os direitos humanos e ampliem o sistema de proteção social e de segurança cidadã a todos e todas.

O Sistema ONU no Brasil reitera seu compromisso de apoiar o trabalho do País em favor da garantia dos direitos de crianças, adolescentes e jovens e convoca todos os atores sociais a continuar dialogando e construindo, conjuntamente, as melhores alternativas para aprimorar o atual sistema de responsabilização de adolescentes e jovens a quem se atribui a pratica de delitos.

Brasília, 11 de maio de 2015

Doutrina da proteção integral em xeque (Foto José Pedro Martins)

Doutrina da proteção integral em xeque (Foto José Pedro Martins)

NOTA TÉCNICA

DEZ ALTERNATIVAS À REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

Assunto: Nota técnica com dez alternativas à PEC 171/93, que visa alterar a redação do artigo 228 da Constituição Federal a fim de estabelecer a imputabilidade penal do maior de 16 anos de idade. (Nota técnica encaminhada aos deputados)

I – INTRODUÇÃO

Diante da realidade de insegurança social que vivemos na qual ressurge o debate sobre a redução da maioridade penal, através da PEC 171/93 e estando o Poder Legislativo Federal, através da Câmara dos Deputados às vésperas da votação pela aprovação ou não da mesma, NÓS, sociedade civil organizada, não podendo nos furtar das responsabilidades atribuídas pelo artigo 227 da Constituição Federal, que dispõe sobre o nosso dever juntamente com a Família e o Estado de assegurar com ABSOLUTA PRIORIDADE os direitos individuais e sociais de crianças e adolescentes, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, apresentamos o respectivo documento com os fatos e fundamentos que se seguem:

II – PONDERAÇÕES SOBRE A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL E SEUS IMPACTOS SOCIAIS

1. Estado e sociedade estão cada vez mais preocupados em encontrar saídas para diminuir os índices de violência e criminalidade noticiados. Nesta perspectiva, mobilizam-se nossos parlamentares a partir de seu trabalho legislativo, enquanto poder estatal que representam (art. 2º da CF), para dar respostas à população já cansada de tanta hostilidade social e ausência de medidas eficazes por parte dos poderes executivo e judiciário, de acordo com suas respectivas atribuições.

2. Neste cenário, ressurge a proposta da Emenda Constitucional nº 171/93 que recomenda a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade, sob o argumento de que os adolescentes nesta faixa etária estão cada vez mais cometendo “crimes”, pois, “não dá nada”, “não são punidos em virtude do disposto no artigo 228 da CF”:

Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.

3.Diante deste equivocado entendimento, importante salientar que não podemos confundir a expressão inimputabilidade (não ser imputável) com impunidade (não ser responsabilizado ou punido por seus atos). De acordo com esta previsão Constitucional, os adolescentes menores de 18 anos não respondem de acordo com as disposições do Código Penal e de Processo Penal, no entanto, ao cometerem atos infracionais – condutas equivalentes a crime e contravenção penal – são responsabilizados (punidos), conforme legislação específica, no caso, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei nº 8069/90.

4.Segundo a referida lei, que também é de justiça penal juvenil (legislação especial a que se refere o art. 228 da CF), os adolescentes, ou seja, pessoas a partir dos 12 (doze) anos de idade (art. 2º), caso cometam ato infracional (crime ou contravenção penal), são submetidos, de acordo com a gravidade do fato as seguintes sanções (medidas socioeducativas), nos termos do artigo 112: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviço à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; privação de liberdade (internação em estabelecimento educacional) e qualquer uma das medidas previstas no art. 101 de I a VI.

5.Salientamos que todas as medidas de responsabilização juvenil são importantes pela natureza da sanção imposta e em razão da faixa etária a que se destinam. No entanto, em virtude do clamor social por maior punição, que hoje impulsiona o trabalho de nossos parlamentares, vamos nos ater neste documento, apenas a análise da medida extrema, hoje, aplicada aos menores de 18 anos que é a internação (privação de liberdade). De acordo com o art. 112 do ECA, verificada a prática de ato infracional – crime – mediante grave ameaça ou violência a pessoa (I); reiteração no cometimento de outras infrações graves (II) e descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta (III), ficará o adolescente privado de sua liberdade.

6. Assim, de acordo com o inciso I do art. 122 do ECA, a privação de liberdade de adolescentes em conflito com a lei ( que cometem ato equivalente a crime ou contravenção penal), se dá exatamente para os casos que mais demandam o sentimento de punição por parte da sociedade, ou seja, os delitos de homicídio ( art. 121 e seguintes do Código Penal), estupro ( art. 213 do Código Penal) , roubo ( art. 157 Código Penal),latrocínio ( roubo seguido de morte – art.157, §3º do Código Penal), entre outros.

7. Nesta perspectiva, é possível observar que a medida socioeducativa de internação possui um caráter punitivo, de responsabilização do adolescente, vez que o retira do convívio social tal como o sistema prisional faz em relação ao adulto que comete um delito de natureza grave como os acima descritos.

Salienta-se ainda que a medida de internação possui um tempo máximo de 3 (três) anos, mas este período se dá em relação a cada ato infracional de natureza grave cometido, ocorrendo também, a passagem progressiva para semiliberdade e liberdade assistida, conforme o tempo for passando no sistema de privação de liberdade, entre outros requisitos ( art. 121 ECA). Se efetivamente aplicadas as normas pelos operadores do sistema de justiça juvenil, constatamos que um adolescente pode ficar até 9 anos em cumprimento de medida socioeducativa de natureza mais severa.

8.Um pertinente exemplo para ilustrar como efetivamente ocorre a responsabilização de um adolescente por ato infracional – crime – ocorre no caso do roubo (art. 157 do Código Penal). Um adulto que pratica tal delito poderá ser condenado no máximo a 10 (dez) anos de prisão, o que na prática não ocorre, sempre é menos tempo. Com o direito à progressão de regime, que ocorre quando cumpridos 1/6 da pena e preenchido outros requisitos, o adulto, passa para o regime de semiliberdade em aproximadamente 1 (um) ano e 6 (seis) meses, o que significa dizer , na atual realidade prisional de nosso país que ele está ” livre”, pois a semiliberdade, assim como o regime aberto no sistema punitivo adulto, não possuem muita diferença prática e são as fases da pena onde os índices de reincidência são maiores.

9.No caso do adolescente que pratica o roubo, ele é apreendido (preso) e submetido à medida de internação (privação de liberdade), permanecendo nela pelo prazo máximo de até 3 ( três) anos. Embora a lei penal juvenil, disponha que este jovem passará por avaliação periódica de seu comportamento, na prática o que presenciamos é a permanência deste por mais tempo que o adulto fica na prisão em razão do mesmo ato praticado!

10.Por estas razões, salientamos que a privação de liberdade do adolescente deve priorizar o aspecto educativo em detrimento do coercitivo, diante de suas características de pessoa em peculiar desenvolvimento e que ainda é capaz, se oferecidas às devidas oportunidades, retornar ao caminho que por um desvio ou violações de direitos, anteriormente foi abandonado.

11.Assim é que no sistema de internação juvenil, há obrigatoriedade de escolarização e profissionalização nos termos do art. 124 do ECA, o que muitas vezes não ocorre no sistema prisional adulto,

Art. 124. São direitos dos adolescentes privados de liberdade, entre outros, os seguintes:

(…)

XI – receber escolarização e profissionalização;

12.Outro aspecto importante dentro do sistema penal juvenil é a existência desde 2012 de legislação regulamentando a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescentes que praticam atos infracionais – crimes. Trata-se da Lei nº 12.594/12 que institui o Sistema Nacional socioeducativo – SINASE, que consiste num conjunto ordenado de princípios, regras e critérios que disciplinam o cumprimento de medidas socioeducativas, incluindo-se nele, por adesão, os sistemas estaduais, distrital e municipais, bem como todos os planos, políticas e programas específicos de atendimento a adolescente em conflito com a lei.

13.Dentre as principais diretrizes do SINASE, destacamos o reordenamento das unidades mediante parâmetros pedagógicos e arquitetônicos; primazia das medidas socioeducativas em meio aberto (respeitando a gravidade do delito); política socioeducativa como uma articulação em rede e de integração de políticas intersetoriais: educação, saúde, assistência social, trabalho/emprego, previdência social, cultura, esporte e lazer, segurança pública; natureza pedagógica da medida socioeducativa; ênfase na descentralização, o que implica tanto na regionalização das unidades de privação de liberdade, quanto na municipalização das medidas de meio aberto; articulação com os três níveis de governo e diálogo direto com Poder Judiciário e Ministério Público.

14.Tanto o Estatuto da Criança e do Adolescente quanto o SINASE, representam sem dúvida um grande avanço dado pelo Congresso Nacional em resposta aos sentimentos de insegurança da população brasileira. No entanto, somos todos conscientes de que não bastam boas leis e sim que sejam elas devidamente cumpridas pelos demais poderes (Executivo e Judiciário) que formam a estrutura de nossa República Federativa enquanto estado democrático de direito nas suas diferentes esferas (estados, municípios e distrito federal). O SINASE aponta exatamente nesta direção e solução que passa pelo comprometimento de todos nós, Estado (através de seus poderes), comunidade e família.

15.Nesta perspectiva, o desafio que se coloca é a urgente necessidade da implementação do SINASE, como modelo prático, dentre outros, das obrigações das unidades de internação dispostos no artigo 94 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Portanto, o critério estabelecido na Constituição Federal é o mais adequado, sendo necessária a observância da legislação infraconstitucional já existente. Devemos atentar para a regra e não exceções, sendo os adolescentes, segundo as estatísticas, mais vítimas do que realmente autores de práticas violentas e criminosas e, quando assim agem, são processados e cumprem pena, apesar de falarmos em apreensão ao invés de prisão, de medida socioeducativa no lugar de pena e infração no equivalente a crime.

16.No Brasil, de 2007 a 2012, o número de adolescentes em medida socioeducativa de internação, internação provisória e semiliberdade aumentaram de 16.509 para 20.532. Deste, o percentual daqueles em internação manteve-se entre 66% e 69% 1. Os dados também apontam que em termos dos tipos de atos infracionais os roubos respondem por 38,7%, tráfico 27%, já os crimes contra a vida representam 10% daqueles cometidos, sendo o homicídio correspondente a 9% e latrocínio 2,2%2. Outro dado importante é de que na média, esses adolescentes interromperam o estudo aos 14 anos de idade, podendo assim se concluir que o ato infracional ocorre num contexto de fragilidade, que se materializa em um anterior abandono dos estudos3.

17.Com certeza, sabemos também que nem tudo são flores no sistema punitivo juvenil (sistema socioeducativo – ECA) e que muito precisa ainda ser feito para que ele cumpra efetivamente com seus propósitos. Um exemplo é a necessidade de erradicar qualquer forma de violência institucional que não contribui em nada para a reabilitação dos jovens, ao contrário, traz mais revolta que com certeza, reflete no aumento da violência na sociedade. Segundo levantamento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ),foi constatado que 1/3 dos adolescentes declarou ter sofrido agressão física pelos funcionários das instituições de internação, 19 % sofreram castigos físicos e 10% foram agredidos pela Polícia Militar. Ainda 10% dos estabelecimentos registraram casos de abuso sexual. Cerca de 20% dos estabelecimentos não tem sequer refeitório e na região Nordeste metade dos jovens não frequenta a escola. Tais dados são apenas exemplificativos da falta de observância das leis já existentes e que infelizmente aproximam e muito o sistema penal juvenil da triste realidade do sistema penal adulto.

18.Outrossim, diante de um debate tão importante como o da redução da maioridade penal, não podemos deixar de considerar a situação caótica em que se encontra nosso sistema penitenciário onde os índices de reincidência são aproximadamente de 70% em contraponto aos aproximadamente 30% do sistema socioeducativo. Além de nossas prisões serem controladas por grupos criminosos, dados do CNJ de 2014, apontam para uma superlotação correspondente a 206.307 mil internos, ou seja, são 563.526 mil presos em 357,219 mil vagas apenas. Soma-se a isso o fato de existirem 449.920 mandados de prisão aguardando cumprimento!

19.No Brasil, como resposta ao aumento da violência, a atuação do Estado traduziu- se em um enorme aumento da população encarcerada, fenômeno ao qual diversos pesquisadores se referem como “encarceramento em massa”. Assim, se por um lado a taxa de homicídios aumentou 8,7% o número de presos cresceu para além de 121% entre 2000 e 20124. Com este aumento, passamos a ter a 4ª maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, China e Rússia. Salienta-se que apesar do discurso de que nosso sistema prisional é brando, o número de presos provisórios representa 38% da população da população prisional, ou seja, ainda aguardando julgamento, e que 69% ainda cumprem pena em regime fechado.

20.No Estado do Rio Grande do Sul, a redução de 18 para 16 anos como idade mínima para responsabilização de crimes faria aumentar em 33% o déficit no sistema prisional, de acordo com dados noticiados por jornal de maior circulação estadual, na última segunda feira5. No ano de 2014, a Superintendência dos Serviços Penitenciários – SUSEPE – registrou uma superpopulação de 4.371 presos acima da capacidade de vagas. Considerando, que a Fundação de Apoio Socioeducativo – FASE – teve nos últimos cinco anos, uma média de 1.439 adolescentes de 16 e 17 anos no cumprimento de medidas socioeducativas, com a redução da maioridade penal, este contingente passaria a integrar a estrutura penal comum6.

21.Assim, temos que a diminuição da idade penal resultará na entrega antecipada de adolescentes para o já tão debilitado sistema de justiça penal adulto. Ao invés destes adolescentes de 16 anos desenvolverem sua potencial sociabilidade e ter a chance de (re)construir um projeto de vida afastado da criminalidade, acabarão completando seu processo de formação, inclusive aquele autor de delitos sem maior gravidade, na promiscuidade de uma penitenciária de adultos, convivendo com todas as formas de violência física, psíquica e sexual, tornando-se ainda mais revoltado e violento, quando não passando a integrar organizações criminosas.

22.Importante salientar, também que estes adolescentes com idade entre 16 ou 17 anos, irão retornar para a sociedade, tendo em vista, que o tempo máximo de pena no Brasil não ultrapassa 30 (trinta) anos. Mesmo assim, se considerarmos a progressão de regime, dependendo do tipo de delito e da pena aplicada eles sairão da prisão antes mesmo dos 20 anos de idade, no entanto, com as marcas do tempo que ficaram dentro do sistema carcerário, local totalmente desumanizador e, com pouquíssimas, para não dizer nenhuma, perspectiva de colocação no mercado de trabalho, tendo em vista sua baixa escolarização e o estigma de ter passado pelo sistema prisional. Qual a saída que estes jovens encontrarão? Fazer aquilo que o sistema carcerário bem lhes ensinou durante sua estadia lá – hostilidade e criminalidade – e inevitavelmente eles voltarão a delinquir.

23.Outro grande impacto social da proposta de redução está no aumento da impunidade. Cabe aqui, mais uma vez, destaque especialmente a realidade que nos é mais próxima, ou seja, dados do Estado do Rio Grande do Sul. De acordo com o Juiz Carlos Francisco Gross, da 1ª Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre, a intenção de tornar as sanções mais rígidas pode resultar em maior impunidade,

A pessoa que é condenada por roubo sem ser reincidente, inevitavelmente começa no regime semiaberto, porque a pena é menor que oito anos. E existem cerca 1,5 mil pessoas aguardando para serem presas na Capital, porque não existem vagas de semiaberto 7.

24.Compartilha de mesmo entendimento, Sidinei Brzuska, juiz da vara de Execuções Penais da Capital gaúcha que acrescenta: “hoje, se um adulto e um adolescente praticarem um crime de roubo em Porto Alegre, o adulto é solto e o guri fica preso”,

Porto Alegre têm hoje 2,3 mil adultos condenados soltos, porque não tem onde cumprir (pena). Tem latrocínio, estupro e homicídio, e estão soltos! Ontem (quinta-feira passada), peguei um que se apresentou 43 vezes à SUSEPE e não foi preso, e o sujeito é condenado no fechado a 40 anos. Além disso, com a redução da maioridade penal, os processos deixariam as Varas da Infância e Juventude, e passariam às Varas Criminais, o que resultaria em maior demora na conclusão dos julgamentos. O prazo de conclusão de um processo com internação provisória de um adolescente é de 45 dias. Em geral, em 95% dos casos, consegue-se cumprir esse prazo para decidir se ele vai permanecer internado ou não. Em Varas Criminais, esse prazo aumenta para o dobro8.

25.Importante lembrar que a população carcerária também reproduz as características das vítimas de violência – majoritariamente jovem e negra. Do total de presos no ano de 2012, 55% foram jovens (entre 18 e 29 anos), destacando-se que na população em geral essa taxa representa 10%. Além de jovem, a população carcerária também é na sua maioria negra. Para cada grupo de 100 mil habitantes brancos acima de 18 anos havia no referido ano, 191 brancos encarcerados, enquanto para o grupo de 100 mil habitantes negros havia 292 encarcerados9. Em relação aos crimes cometidos, 48,9% estavam relacionados a crimes contra o patrimônio, 25,9% ao tráfico de entorpecentes e 12% eram crimes contra a pessoa.

26.Neste cenário, a população jovem representa no Brasil, o maior número de vítimas e não de algozes. Dos mortos em homicídios em 2012, 53,37% eram jovens, 77% eram negros (pretos e pardos) e 93,3% do sexo masculino. Ainda no referido ano a taxa de óbitos (por 100 mil habitantes) para a população não jovem foi de 18,5, sendo que para a população jovem este número sobe para 57,610. Não mera coincidência que 22% dos jovens relatam já ter perdido uma pessoa próxima (parente ou amigo) por homicídio11.

27.Os números são mais assustadores quando analisados sob o aspecto racial. Enquanto a taxa nacional de homicídios manteve-se estável entre 2002 e 2012 (19 por 100 mil habitantes), a comparação por raça e idade mostra que, no mesmo período, a taxa de homicídios de jovens brancos caiu de 42,1 para 31,1, enquanto a de jovens negros subiu de 75,8 para 80,712. A idade das vítimas é outro aspecto que merece destaque, sendo entre os negros, marcantemente mais elevadas: entre os 12 e os 21 anos de idade as taxas brancas passam de 1,3 para 37,3 em cada 100 mil, aumenta 29 vezes. Já as taxas de pessoas negras, nesse intervalo, sai dos 2,0 para os 89,6,aumentando de 46 vezes!

28.Retornando a questão da imputabilidade penal, nos termos do art. 228 da Constituição Federal, cabe ainda lembrar que o argumento quanto ao fato de um adolescente de 16 ou 17 anos já ter conhecimento do que é certo ou errado, vale ponderar que a imputabilidade penal não se estabelece tão só a partir do discernimento, da capacidade de conhecer o caráter ilícito do fato. Uma criança de 8 anos de idade, pode ter a consciência da ilicitude de sua conduta e, portanto, discernimento, mas não se concebe seja ela considerada penalmente imputável. Assim é, porque além da capacidade de entender o caráter ilícito do fato, para a imputabilidade é necessária capacidade de se determinar de acordo com este entendimento, nos termos do art. 26 do Código Penal:

Art. 26 CP É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito

do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)13

29.Os avanços tecnológicos e de informação tem se mostrado cada vez mais carregados de conteúdos nocivos aos adolescentes, que encontram-se em fase crítica na formação da personalidade e nestas condições, não é possível dizer que possuem plena capacidade de se determinar conforme eventual consciência de ilicitude do ato, mesmo sabendo ser o mesmo errado.

30.Outro entendimento equivocado que precisa ser esclarecido é quanto ao fato de que a diminuição da idade de imputabilidade penal resolverá o problema da utilização de adolescentes por adultos para a prática de crimes. Por óbvio, basta atentar para o todo já argumentado neste documento para perceber que o que acontecerá será a continuidade do recrutamento de adolescentes pelo crime organizado, de duas formas: através das facções criminosas que hoje mandam e desmandam dentro dos presídios e do aliciamento pelo tráfico de drogas, principalmente, de adolescentes abaixo da faixa etária dos 16 anos, inserindo-se estes no mundo da criminalidade cada vez mais precocemente. A solução para o problema em face deste argumento, passa pelo significativo agravamento da pena aos adultos que corrompem e encaminham adolescentes à prática de crimes.

31.Por fim, a experiência internacional nos mostra através de estudo realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF, intitulado “Por que dizer não à redução da maioridade penal”, que em 53 países, sem contar o Brasil, 42, ou seja 79% adotam a maioridade penal aos 18 anos ou mais, havendo países a exemplo da Espanha, Grécia, Inglaterra, Itália, Japão e Países Baixos, em que as medidas socioeducativas são aplicadas até os 21 anos de idade. Importante salientar que na Inglaterra, país que permite a responsabilização a partir dos 10 anos de idade (lembrando que no Brasil é 12, nos termos do Estatuto), as medidas privativas de liberdade somente podem ser aplicadas a partir dos 15 anos (no Brasil, a privação de liberdade de um adolescente se dá a partir dos 12 anos!), sendo que dos 18 aos 21 anos, há aplicação de penas tal como para os adultos, no entanto, de forma atenuada (No Brasil, a partir dos 18 anos um jovem já responde como adulto pela prática de crime!)14.

32.A adoção da idade penal aos 18 anos, pela maioria dos países, se dá em razão das recomendações internacionais que sugerem a existência de um sistema de justiça juvenil, especializado para processar, julgar e responsabilizar (punir e educar) autores de crimes abaixo dessa faixa etária. Outra pesquisa realizada em 2007, em 54 países, também demonstrou que entre aqueles que responsabilizam penalmente adolescentes abaixo dos 18 anos, não ocorreu à diminuição dos índices de violência e criminalidade esperados, especialmente em relação aos praticados por jovens, a exemplo dos Estados Unidos, que já estuda a possibilidade de majoração quanto à idade penal, a fim de equiparar-se aos demais, retomando para 18 a maioridade penal15.

III – ALTERNATIVAS À REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

Diante do todo exposto, propõem-se a adoção efetiva, e imediata, pelo Estado Brasileiro das seguintes ações:

1 – Mudança no Código Penal e de Processo Penal, para agravar as penas das pessoas adultas que se utilizam de crianças e adolescentes para práticas criminosas, inclusive familiares, visto que na esmagadora maioria das situações que se conhece esse é o padrão de produção da violência quando envolvem adolescentes e, eventualmente, crianças em práticas infracionais;

2 – Apoio socioassistencial a família, com a implantação imediata dos Centros de Referência em Assistência Social (CRAS) em todos os municípios brasileiros, de acordo com as especificações da Política de Assistência Social, especialmente no que se refere à composição e estrutura das equipes de trabalho;

3 – Orientação, apoio e acompanhamento a adolescentes infratores e suas famílias, com a implantação imediata dos Centros de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS) em todos os municípios de grande e médio porte, assim como – na forma de consórcio – entre municípios de pequeno porte, de acordo com as especificações da Política de Assistência Social, especialmente no que se refere a composição e estrutura das equipes de trabalho;

4 – Instituição, em todos os Estados e no Distrito Federal, de Câmaras Técnicas de Prospecção e Monitoramento de oportunidades de Formação Profissional e Ingresso no Mercado de Trabalho, com ênfase em adolescentes com prática de ato infracional, a partir de qualquer situação de ingresso – desde atos de menor ofensividade até aos egressos do Sistema Socioeducativo restritivo de liberdade, já instado a partir do cumprimento de qualquer medida. Tais Câmaras devem ser compostas pelo órgão estadual ou distrital responsável pela Política Pública de Trabalho, Emprego e Renda,

Superintendência Regional do Ministério do Trabalho e Emprego, Sistema ‘S’, representantes de Organizações Não Governamentais com atuação nessa área e representantes do setor empresarial, especialmente Comércio, Indústria e Agronegócio/Cooperativismo.

5 – Cumprimento imediato por parte do Poder Judiciário, a partir da intervenção do Conselho Nacional de Justiça, do Art. 150 do ECA, que estabelece a obrigatoriedade desse “na elaboração de sua proposta orçamentária, prever recursos para manutenção de equipe interdisciplinar destinada a assessorar a Justiça da Infância e da Juventude”, como forma de qualificar as decisões judiciais e o acompanhamento das execuções, visando reduzir a reincidência;

6 – Cumprimento dos parâmetros, prazos e procedimentos previstos pela Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), especialmente no que tange ao financiamento, especificações técnicas quanto aos equipamentos de cumprimento de medidas de internação e garantias processuais previstas nessa legislação;

7 – Financiamento Federal para a reestruturação do Sistema Socioeducativo, em suas bases físicas, para adequação das unidades de cumprimento de internação às previsões técnicas do SINASE, com previsibilidade de execução ao longo de cinco anos;

8 – Responsabilização das autoridades públicas gestoras do Sistema Socioeducativo que descumprirem as previsões da Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE).

9 – Apoio técnico material e formativo, de forma continuada às Polícias Civis e Militares de todos os Estados e Distrito Federal, no sentido de qualificar a abordagem, a perícia dos inquéritos e reduzir a letalidade nos eventuais confrontos.

10-Integração ao sistema socioeducativo de unidades médico hospitalares para o atendimento de adolescentes autores de atos infracionais duplamente inimputáveis, isto é, daqueles que além de menores de 18 anos, são portadores de transtorno mental ou distúrbio psiquiátrico, exatamente os capazes das infrações mais graves e revoltantes, que hoje não recebem o tratamento adequado.

IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS

É de conhecimento de todos nós que, enquanto seguirmos operando sobre o efeito das desigualdades sociais e não de suas causas, estamos atuando de modo não comprometido com as responsabilidades sociais compartilhadas que possuímos enquanto sociedade e Estado, nos termos dos artigos 227 e 2º da Constituição Federal, respectivamente. O resultado desse equivocado agir é o encarceramento cada vez mais precoce, principalmente da população negra e pobre, perpetuando nosso ainda existente, mas bem disfarçado preconceito social e institucional.

Nessa perspectiva o Estado, principalmente através de seus poderes executivo e judiciário, vai se isentando de seu compromisso com a implantação de políticas sociais de atenção à infância e juventude. Nossa posição enquanto sociedade civil é de reforço a políticas sociais que tenham uma adolescência sadia como meta.

Questionamos também o entendimento de que a violência, principalmente em se tratando da redução das taxas de homicídios, será solucionada com a redução da maioridade penal consoante pretende a PEC 171/93. A realidade nos mostra que não só os índices de adolescentes em regime de internação por crimes contra a vida são baixos, como que já existem medidas de privação de liberdade, que consideramos adequadas ao estágio de desenvolvimento desses.

A comparação internacional no referente a idade de responsabilização segundo as regras do Código Penal , mostram que o Brasil encontra-se alinhado a maior parte dos países em relação ao tema. Cumpre lembrar que a recente experiência americana tem sido a de reverter às medidas de endurecimento penal voltado aos jovens.

De forma alguma se pode negar que a violência é um problema gravíssimo a ser enfrentado pelo nosso País, mas entende-se que a solução para o enfrentamento à criminalidade passa pelo investimento em políticas de educação, saúde, cultura e lazer e também o aprimoramento do sistema socioeducativo no intuito de buscar a reabilitação e (res)socialização, além da garantia de oferta de atividades educacionais, esportivas, profissionalizantes e culturais, reforçando a identidade racial, geracional e territorial dos adolescente através do intercambio com a comunidade local.

Se quisermos reduzir a violência de forma drástica e permanente, existem diversos outros fatores que precisam ser levados em consideração. O Brasil, do ponto de vista orçamentário, gasta cerca de 1, 26% do PIB com segurança pública e possui uma taxa de homicídios de 25,2 %. Apenas comparando este percentual com a União Europeia, esta gasta 1,3%, o Chile 0,8% e os Estados Unidos 1,02%, no entanto possuem taxas de homicídio de 1,1%, 3,1% e 4,7%, respectivamente16

A eficiência de todo o sistema judicial também é outro aspecto que deve ser considerado. No Brasil o índice de elucidação dos crimes de homicídio é muito baixo, entre 5% e 8% segundo pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Criminalística. Já nos Estado Unidos, o índice é de 65% (taxa de homicídios por 100 mil habitantes 4,7), no Reino Unido 90% e na França 80%, sendo que ambos países apresentam taxas de homicídio de 1 para 100 mil17.

Por fim, ainda que todas as opiniões sobre a matéria devam ser respeitadas, vale considerar o fato de que a absoluta maioria das instituições e profissionais que atuam com adolescentes que estiveram em conflito com a lei se pronunciam totalmente CONTRÁRIOS À REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL: Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA; Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB; Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e juventude – ABMP; Conselho Nacional de Procuradores Gerais do Ministério Público dos Estados e da União – CNPG; Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – FNDCA; Sociedade brasileira de Pediatria – SBP; Conselho Federal de Psicologia – CFP; Conselho Federal de Serviço Social – CFESS; Ordem dos Advogados do Brasil – OAB; Movimento do Ministério Público Democrático – MPD; Associação de Juízes para a Democracia – AJD; Fundação Abrinq – Save the Children; Rede Brasileira de Centros e Institutos de Juventude; Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – ANCED; Rede nacional de Defesa do Adolescente em conflito com a lei – Rede Ecumênica da juventude – REJU; CARITAS; CENDHEC; Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS; Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB; Evangélicos pela Justiça; Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM/Rede Justiça Criminal; Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC; Pastoral da Juventude; Pastoral do Menor; UNICEF; Visão Mundial; entre outras.

V – DO PEDIDO

As questões aqui levantadas possuem o objetivo de contribuir para nossa reflexão no que diz respeito ao fato de que o endurecimento do direito penal seja capaz de produzir os efeitos esperados. É notório que as medidas mais severas adotadas ao longo dos anos, no Brasil e no mundo, se mostraram ineficientes para fins de redução da criminalidade e garantia da segurança da população. Neste contexto é urgente nos questionarmos se a submissão de adolescentes ao sistema penal e, portanto, aos efeitos da prisão em suas vidas atingirá o objetivo almejado por esta proposta, qual seja a redução da criminalidade.

Diante do todo exposto, requeremos a Vossa Senhoria, que vote NÃO À PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL – PEC 171/93, que pretende a redução da idade penal de 18 para 16 anos de idade, bem como, promova o debate junto aos demais parlamentares, colocando o Poder Legislativo Federal, a serviço do cumprimento das leis, fiscalizando, denunciando e – concordando – endossando as 10 ALTERNATIVAS À REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL expostas no item três deste documento.

Porto Alegre, 10 de junho de 2015

Elói Siegert Peter – Presidenta AMENCAR – Associação de Apoio à Criança e ao Adolescente

Cibele Kuss – Secretária Executiva FLD – Fundação Luterana de Diaconia

Deivis FischerVice-presidente da Rede Marista

Notas de rodapé:

1 Anuário 2009, p. 41; Anuário 2014, p. 99.

2 Anuário 2014, p. 100.

3 CNJ, p. 21.

4 Mapa do encarceramento 2015, p. 25.

5 ZERO HORA. Redução da maioridade penal faria aumentar em 33% o déficit prisional no RS. Carlos Ismael Moreira.08/06/2015 – 04h04min | Atualizada em 08/06/2015 – 14h40min.

6 IDEM.

7 ZERO HORA. Redução da maioridade penal faria aumentar em 33% o déficit prisional no RS. Carlos Ismael Moreira. 08/06/2015 – 04h04min | Atualizada em 08/06/2015 – 14h40min.

8 IDEM.

9 Mapa da Violência 2014, p. 34.

10 Mapa da Violência 2014, p. 9.

11 Agenda da Juventude 2013 , p. 51

12 Mapa da Violência 2014, p. 150.

13 Lei nº 2848/1940 – Código Penal.

14 Unicef, 2007, p. 20

15 Idem.

16 Anuário Estatístico 2014, p. 7.

17 Anuário Estatístico, 2014, p. 7 e Mapa do Encarceramento 2015, p. 13.

Sociedade de novo de olho em Brasília (Foto Adriano Rosa)

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