Por José Pedro Martins
O Centro de Ciências, Letras e Artes (CCLA) vai comemorar na próxima quarta-feira, 15 de julho, com uma exposição que será aberta às 16 horas, os 65 anos da introdução das discussões sobre o cinema como expressão cultural e estética em Campinas. Com curadoria de João Antônio Buhrer de Almeida, a exposição “65 anos de cinema de arte em Campinas” vai documentar o período, como um tributo ao iniciador desse debate, Marino Ziggiatti, atual presidente do CCLA e que também foi um dos responsáveis pela fundação, há 60 anos, do Departamento de Cinema da instituição. Dois marcos, portanto, para a história do cinema e cineclubismo na cidade.
Nascido em Campinas em 1926, Marino consolidou sua paixão pelo cinema quando estudava Engenharia no Mackenzie, em São Paulo. Na capital paulista, conheceu e cultivou muitos nomes ligados ao cinema no Brasil, como o crítico Paulo Emilio Salles Gomes. O campineiro frequentava os cursos de cinema oferecidos no MASP, conhecidos por formar gerações de cinéfilos com visão crítica e ansiosos pela produção nacional e internacional.
Após formar-se em 1945, ano final da Segunda Guerra Mundial, Marino volta a Campinas em 1950, e passa a comentar sobre filmes e artistas com outros membros da Sociedade Reunidas, uma organização que agrupava médicos, engenheiros e advogados – as profissões mais cobiçadas em meados do século 20. Em um encontro na Sociedade Reunidas, o engenheiro recém-formado recebeu um convite de Roberto Pinto de Moura, para fundar e dirigir o Departamento de Cinema do CCLA, o que ocorreria em 1955.
Criado em outubro de 1901, o Centro de Ciências, Letras e Artes dedicou-se desde o início aos diferentes ramos da cultura, com mais ênfase em seus primórdios na literatura, ofício de muitos de seus fundadores, como Cesar Bierrenbach e Coelho Netto. Em 1911, o CCLA sediou uma das duas mostras organizadas no Brasil por Lasar Segall – foi uma das primeiras exposições de arte moderna na América Latina.
A ligação de Campinas com o cinema – Mas faltava uma dedicação maior ao cinema, a arte que “explodiu” com a Segunda Guerra Mundial. Campinas já tinha algumas salas, como o Voga (de 1941), o Carlos Gomes (de 1947) e o Windsor. Em 1927, foi produzido na cidade um dos primeiros filmes nacionais, “João da Matta”, de 1923, iniciativa de Amilar Alves.
Esse filme foi justamente o escolhido por Marino e seu colega, o jornalista Bráulio Mendes Nogueira, para uma exibição em 1950, deflagrando a discussão sobre o cinema de arte em Campinas. Naquele ano foi criado na Associação Campineira de Imprensa (ACI), por Bráulio, o Clube de Cinema da ACI. O pai de Marino, José Ziggiatti, havia sido um dos produtores de “João da Matta”, e as latas com o filme estavam esquecidas sob uma escada na casa da família. A exibição do filme histórico foi no Teatro Municipal, cuja demolição, em 1965, até hoje é lembrada como uma das grandes tragédias culturais da cidade, da qual ainda não se recuperou cinco décadas depois.
Estava amadurecendo a criação de um espaço dedicado ao cinema, que funcionasse com o um verdadeiro cineclube, como os que já existiam no eixo Rio-São Paulo. A oportunidade veio com a fundação oficial, em 1955, do Departamento de Cinema do Centro de Ciências, Letras e Artes, sob a direção de Marino Ziggiatti. Na prática, esse departamento já existia desde 1952 no CCLA.
O Departamento funcionou durante muito tempo com dois pilares: o próprio Marino e o poeta e escritor Eulálio Brito. Os contatos de Ziggiatti com a Cinemateca Brasileira, fundada por Paulo Emilio Salles Gomes, foram muito úteis, facilitando a vinda para Campinas de muitos filmes nacionais e estrangeiros.
“A nossa ideia sempre foi facilitar a exibição em Campinas das obras mais expressivas, representando as diversas tendências do cinema no mundo”, explica Marino. Com este conceito, o Departamento de Cinema do CCLA exibiu obras do Neorealismo italiano, da Nouvelle Vague francesa, do Cinema Noir americano, da filmografia alemã e europeia em geral, sem falar de filmes japoneses e outras nacionalidades.
Na década de 1960, o Cinema Novo brasileiro foi atração constante, em uma época em que o Departamento de Cinema atuou muito próximo do Cine-Clube Universitário de Campinas (CCUC), fundado a 19 de março de 1965, com Ribeiro Borges e Dayz Fonseca à frente.
De forma alinhada com o propósito de ampliar o horizonte da exibição e discussão cinematográfica em Campinas, o Departamento também promoveu vários cursos de cinema, tendo como professores o próprio Paulo Emilio Salles Gomes e Rudá Andrade, o filho de Oswald e Patrícia “Pagu” Galvão, ente outros.
A atividade do Departamento não ficou por aí. Totalmente sintonizado com o movimento cineclubista nacional, o Departamento do CCLA realizou, entre 1974 e 1983, um dos mais importantes festivais de Super-8 do Brasil. “Muitos filmes eram censurados, mas eu dava um jeito e passava todos”, lembra Marino Ziggiatti, que novamente teve o apoio na iniciativa de nomes como Maurice Capoville, Jean Claude Bernadet e Rudá Andrade, da Cinemateca Brasileira. Em 1975, em função dessa atividade intensa do CCLA, Campinas sediou a 9ª Jornada Nacional do Cineclubismo.
No total, mais de 400 filmes exibidos pelo Departamento de Cinema do CCLA. Muitas dessas exibições foram com um projetor da marca francesa Pathé, que ainda se encontra no Centro e frequentemente é olhado com carinho por Marino Ziggiatti. As atividades ligadas ao cinema continuam no Centro, como uma comprovação do amor de seus integrantes pela Sétima Arte.
Em 2014, por exemplo, o CCLA promoveu uma exposição sobre Federico Fellini (1920-1993), com desenhos, recortes e livros sobre o cineasta italiano, além da exibição de algumas de suas grandes obras. A exposição teve a curadoria de João Antônio Buhrer de Almeida, colaborador do CCLA, e comprovou como o Centro de Ciências, Letras e Artes sempre esteve, e continua a estar, atento a essa linguagem artística que ajudou a moldar a sociedade contemporânea, tendo Marino Ziggiatti como o maior incentivador.
Grandes nomes do cinema, por Marino Ziggiatti
Os maiores nomes do cinema assinaram obras exibidas nos espaços com participação direta de Marino Ziggiatti em Campinas. Casos do cineclube da ACI e sobretudo do Departamento de Cinema do Centro de Ciências, Letras e Artes.
O engenheiro-cinéfilo aponta alguns dos grandes pensadores e realizadores da chamada Sétima Arte. Na França, Abel Gance (de “J´Accuse” e “Napoléon”), René Clair (de “Sous les Toits de Paris” e “À nous la Liberté”) e Jean Renoir (de “A Grande Ilusão” e “A regra do jogo”).
Ainda na França, Jean-Luc Godard, François Truffaut, Alain Resnais e Claude Chabrol e outros expoentes da Nouvelle Vague.
Na Itália, Vittorio de Sica, Michelangelo Antonioni, Franco Zeffirelli, Federico Fellini e Ettore Scola, entre tantos outros.
Nos Estados Unidos, Woody Allen, John Houston, John Ford e Robert Altman, também entre muitos. O brasileiro Glauber Rocha já teve seus filmes muito exibidos e comentados no CCLA, assim como os japoneses Akira Kurosawa e Nagisa Oshima.
Para Ziggiatti, um dos mestres de todos os tempos é o russo Serguei Eisenstein, cujas obras-primas, como “Outubro”, “A greve” e, sobretudo, “O Encouraçado Potemkin”, revolucionaram a linguagem cinematográfica.
O presidente do CCLA entende que a influência dos grandes diretores vai além do campo do cinema. Eles ajudaram a mudar e a formar a cultura. Cita o caso de Eisenstein, cujas técnicas de montagem provavelmente influenciaram até a poesia do campineiro Guilherme de Almeida, particularmente em sua produção de Haikai.
De fato, o próprio Eisenstein teorizou a respeito, como pode ser verificado em seu livro “A Forma do Filme” (Rio de Janeiro: Ed.Jorge Zahar: 2002)